Deu-se Abril e o sonho
passou de uns poucos para milhões. Foram tempos bonitos, aqueles entre Abril de
74 e Novembro do ano seguinte. Vínhamos da escuridão e caminhávamos
profundamente otimistas em direção a um futuro que acreditávamos radioso.
Por isso o sonho e o
fazer para melhorar, individualmente e em comunidade. Tempos de mudança e por
isso necessariamente de ruturas, nem sempre pacíficas, muitas vezes apressadas,
pois o futuro era logo ali!
Os militares deixaram
as armas nos quartéis e vieram melhorar a vida dos povos. Um regimento de
engenharia andou pela Charneca a abrir e a melhorar caminhos entre povoações.
Dizia-se que andavam lá para os lados do Mourelo e do Tripeiro.
Também os havia no
Casal da Serra, a abrir caminhos e a levantar pontes sobre os ribeiros. Jovens
ingleses vieram ver como era a nossa revolução e juntaram-se aos militares no
esforço de melhorar as condições de vida dos casaleiros. Cuco onde canta aí
janta, assim eram eles, na partilha do dia a dia com os habitantes do Casal.
Na Vila soubemos deles
e alguém os convidou a virem conviver connosco. Foi num sábado de verão, ao
entardecer. Subiram para um palco de madeira que havia na Praça e deram-nos um
concerto. Que música maluca! Era rock ou mais que isso, esguias silhuetas negras
ondulantes e cabelos loiros a esvoaçar. Uma rapariga cantava. Ninguém dançou,
penso que ainda ninguém sabia dançar àquele ritmo, só uns anos mais tarde.
A penumbra envolvia a
Praça, grandes árvores barravam a luz fraca dos candeeiros. A eletricidade para
as guitarras veio do café do Noco, como era costume nalgumas festas e bailaricos
que se faziam na Praça desse tempo.
Cotizámo-nos para pagar
as despesas. Éramos todos uns tesos, mas conseguimos juntar o suficiente para pagar
a eletricidade e oferecer um lanche aos músicos, no terraço do café. À falta de
melhor, a ti Janja encheu um alguidar de salada de tomate com rodelas de
cebola, a que juntou atum de uma data de latas. Envolveu tudo e o pitéu foi
levado para cima, pelos filhos. Os ingleses atacaram o alguidar com uma
satisfação que só as pessoas generosas sabem ter. Nem o molho ficou no fundo,
ensopado nas fatias de pão cortadas de uma regueifa vinda da padaria Matias.
O povo esperou cá fora,
no lusco-fusco da Praça e dentro e à porta do café. Depois os ingleses saíram e
não tocaram mais, voltaram para o Casal da Serra. E nós satisfeitos, por
tê-los tido connosco.
José Teodoro Prata
Um comentário:
A democracia e liberdade têm destas coisas: trazer ao de cima o que o ser humano tem de melhor. Neste caso, tanta generosidade, solidariedade e capacidade de cooperação reprimidas pelas circunstâncias de pobreza e repressão em que vivíamos!
Por esta altura vivia entalada entre dois mundos e só pude assistir pela televisão ao trabalho que estava a ser feito pelos militares e outros grupos de cidadãos (jovens, quase sempre) principalmente junto das populações até aí mais esquecidas.
Para além das saudades da terra, a pena que eu tinha de não poder participar também nesse trabalho!
M. L. Ferreira
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