Foi
na altura das vindimas que se iniciou e descobriu a “Esperteza de rato”.
Na
enorme quinta da Vila andaram a fazer a vindima, o tanque grande estava quase
cheio de uvas esmagadas e já a iniciarem a fermentação.
O
Ratinho do campo andava a treinar a sua corrida para fugir sempre que visse um
gato.
As
bordas do tanque eram uma excelente pista de corrida e era sempre ali que ele
treinava.
Naquele
dia de Setembro, lá foi o Ratinho para os treinos.
Colocou-se
na borda do tanque e deu a partida…
Mal
tinha iniciado a corrida, escorregou numa pele de bago de uva e caiu dentro do
tanque com mosto.
Aflito,
tentou não ir ao fundo e gritou o mais alto que podia:
-
SOCORROOOO….
-
SOCORROOOO…
O
gato estava a dormir ao sol e acordou com os gritos, arrebitou as orelhas e
voltou a ouvir…
-
SOCORROOOO….
-
SOCORROOOO…
-
ACUDAM…
- É
o rato! - Pensou o gato, e correu até à adega onde estava o tanque do vinho.
Ao
chegar lá subiu para as bordas do tanque e viu o rato muito aflito, quase a
afogar-se no mosto.
-
Oh, oh gato, oh gatinho ajuda-me… tira-me daqui - pediu o rato - por favor…
-
Eu?! Tirar-te daí? - Interrogou o gato.
-
Sim, sim só tu me podes ajudar e tirar daqui. AJUDA-ME RÁPIDO! - Gritou o rato.
-
Está bem - Disse o gato. Eu ajudo-te a sair daí, mas tens de me prometer uma
coisa.
O
rato cada vez mais aflito: - Está bem gato, eu faço tudo o que me pedires.
-
Então eu tiro-te se me prometeres que deixas que eu te coma quando saíres daí.
- Disse o gato.
O
rato ficou ainda mais aflito, mas, como estava quase a afogar-se e não tinha
outra solução para sair dali, tentou respirar e disse tristemente: - Es…Está
bem gato, eu deixo … que tu me comas.
Ao
ouvir a resposta do rato, o gato deu um enorme sorriso e pôs logo o seu enorme
rabo dentro do tanque para salvar o rato.
O
rato agarrou-se ao rabo do gato e saiu para as bordas do tanque.
O
gato colocou-lhe logo uma pata em cima do rabito, não fosse o rato fugir e
faltar ao prometido.
O ratinho
estava mais aliviado de estar a salvo de morrer afogado no mosto mas… agora ia
ser comido pelo gato. O seu coração ficou tão pequenino que quase deixou de
bater, com tanta tristeza. Olhou o gato que já estava de boca aberta, de língua
e dentes de fora para o comer, tentou respirar fundo e disse:
- Oh Ó…ó gato espera aí,… deixa-me sacudir primeiro.
Tu não vês que eu estou todo molhado e cheio de bocaditos de uvas e peles. Se
me comeres assim eu amargo e tu ficas mal disposto.
O
gato olhou o rato e viu que ele tinha razão: - Está bem rato! Eu vou soltar-te
para te sacudires, mas depois não fujas, lembra-te do que me prometeste – Vá lá…
bem sacudidinho!
-
Está bem gato. Eu bem sei o que prometi - disse o ratinho com as lágrimas nos
olhos.
Sem
tirar os olhos do rato, o gato tirou lentamente a pata do rabinho do rato,
deixando-o solto para ele se poder sacudir.
O
rato… sentindo-se solto, fez o movimento que fingia que ia sacudir-se mas
saltou das bordas do tanque e fugiu o mais rápido que as suas pernitas
conseguiram.
O
gato ficou atordoado com aquela reação e clamou: - Então rato, tu prometeste
que deixavas que eu te comesse e agora vais fugir!?
O
rato sempre a correr e já a sair à porta para a rua, disse: - Eu sei gato, eu
sei, mas quando eu estava dentro do tanque estava bêbado e agora já não estou.
E
correu o ratinho feliz até ao campo.
Naquele
dia de Setembro, o ratinho correu ainda mais feliz, tinha conseguido fugir das
garras do gato, graças à sua esperteza…A ESPERTEZA DE RATO.
Luzita
Candeias
Setembro/2013
3 comentários:
Obrigada, Luzita, por partilhares connosco esta fábula que mostra que é possível que os mais fracos podem vencer os mais fortes. Infelizmente, na vida real, raramente isso acontece, mas vamos tentando…
Mas olha, cá para mim, aquela coragem e alegria do ratito podem dever-se também a algumas pinguitas que engoliu enquanto tentava não se afogar no mosto… O vinho tem destas coisas!
A propósito de vinho e dos seus efeitos, lembrei-me duma frase atribuída a Quevedo que diz o seguinte: «Le dijo el mosquito a la Rana: mas vale morir en el vino que vivir en el agua». Confesso que concordo com a metáfora!
Mas há também aquela quadra bem portuguesa que todos conhecemos:
Era o vinho, meu bem, era o vinho,
Era o vinho o que eu mais adorava,
Só por morte, meu bem, só por morte,
Só por morte o vinho deixava!
Parece que este ano, apesar dos texugos, dos javalis e outros assaltos às vinhas, a produção de vinho foi boa. Oxalá a qualidade também!
M. L. Ferreira
Luzita:
Parabéns pelo texto.
Já te sabíamos capaz de muitas coisas e escrever uma história infantil, bem escrita e encadeada, é mais uma das tuas habilidades.
Libânia:
Escrevi que os javalis são uns brutamontes, que destroem mais do que come, mas na semana passada foram-me a umas videiras morangueiras e limparam tudo, quase nem bagos no chão deixaram. Deviam ir cheios de fome!
Pois é, o que torna muitas vezes frustrante o trabalho na agricultura é estar sujeita a estes fatores que não conseguimos controlar. Ora é o frio e a chuva; ora o calor e a seca; ou os piolhos, os pardais, os texugos ou javalis… Para estes, se calhar, valia a pena uma espera como a que fizeste com os teus pais, há anos, à luz da lanterna... Parece que a carne é boa!
Nos últimos tempos tenho tentado cultivar umas coisitas no meu quintal. Para além disso já tenho ajudado alguns vizinhos na apanha das batatas, nas vindimas ou até a guardar as cabras. Estas experiências (às vezes terapias) têm-me ajudado a perceber o que custa, em termos de trabalho e dinheiro, produzir uma saca de batatas, um litro de azeite ou criar um cabrito. Nunca mais tive coragem de, quando vou às compras, regatear o preço destas coisas. É pena é que a maior parte do “bolo” não vá para quem tem o trabalho…
As palavras (e as ideias) são como as cerejas. Onde a história do ratito já nos levou!
M.L. Ferreira
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