Não é fácil separar a Céu Parrita da
comadre Aurélia. Apesar de serem muito diferentes, mas, em certos aspetos,
completavam-se uma à outra. Nos cantos religiosos e profanos da nossa terra,
estavam sempre as duas. Nos antigos teatros, nos passeios e até na
"marouva" que era e ainda é o roubo de frutas da época, lá estavam
elas.
A Aurélia, de seu nome Aurélia Augusta Gama, tinha aquilo a que eu chamo "velhacaria boa" que no fundo é o sal que faz com que a nossa vida não seja uma coisa insípida, mas pelo contrário algo que vale a pena.
A Aurélia, de seu nome Aurélia Augusta Gama, tinha aquilo a que eu chamo "velhacaria boa" que no fundo é o sal que faz com que a nossa vida não seja uma coisa insípida, mas pelo contrário algo que vale a pena.
Já de pequena, no tempo em que se faziam
teatros em S. Vicente, ela lá estava. Contava-me o meu pai que um
dos teatros que cá se fizeram teve tanto êxito que tiveram um convite para ir
representar às Minas da Panasqueira e lá foram. No fim da sessão, a
pequenina Aurélia veio ao palco agradecer e disse:
- Vivam as Minas da Panasqueira!!! Vivam
os Panascas todos!!!
Lembro-me de, muito novo, ainda ter tido
o privilégio de cantar os Martírios, no grupo dela, fazendo eu a segunda voz.
Mas, porém, todavia, contudo, havia a
parte da velhacaria:
Num tempo em que as festividades eram
vividas com muita intensidade, o Carnaval não era exceção. Uma das atividades
ou jogos desses dias era "a caqueira". Tenho que explicar aos
mais novos que a caqueira era duas coisas:
1º: Um jogo de Carnaval: Roubava-se
um cântaro de barro, enchia-se de palha seca e ateava-se o fogo. O barro
aquecia e o jogo consistia em atirar o cântaro de uns para os outros, sem se
queimar e sem o deixar cair. Quando alguém deixava cair o cântaro que
naturalmente se partia, tinha que ir roubar outro para o jogo continuar. Era um
tempo bom para os oleiros!
2º: Uma partida de Carnaval: Enchia-se
uma lata velha com todo o tipo de lixo, muitas vezes com excrementos e pequenos
animais mortos e, aproveitando a calada da noite e o facto de as chaves estarem
sempre nas fechaduras das portas, lançava-se a lata para as escadas de modo a
cair por elas abaixo e espalhar toda aquela porcaria.
A Aurélia adorava escrever cartas de
Carnaval! Eram cartas muito engraçadas que eram dirigidas a alguém de quem se
queria fazer troça. Metiam alguns palavrões, algumas cenas picarescas, alguns
desenhos maliciosos, etc.
Naquele ano, a pessoa escolhida para
destinatário dessas cartas fui eu. Veio a primeira, veio a segunda e eu sem
saber a proveniência. Quando uma noite me preparava para sair de casa, vejo uma
terceira carta a ser metida por debaixo da porta. Abro de repente e vejo a
Ermelinda a escapar à esquina, a caminho do café da Janja. A Ermelinda já era
quase nora da Aurélia e daí eu fiquei a saber quem era a autora das cartas: Era
a Aurélia!!
Urgia uma vingança ou eu não fosse
"Escorpião" de gema.
Eu e os meus amigos, dos quais destaco o
Zé Barroso, costumávamos reunir à noite, à volta da braseira do café da
Janja, e foi aí que foi delineado o plano de ataque.
Arranjei uma lata de tinta vazia, roubei
meia dúzia de malaguetas (caralhetos) secas à minha mãe e passámos pela casa do
Zé Barroso que naquele tempo vivia na Rua da Costa e onde o lume estava sempre
aceso. Enchemos a lata de brasas e fomos direitos à casa da Aurélia.
Chave na porta é porta aberta! Foi só
por a lata no lumiar, por as malaguetas dentro e fugir.
No 1.º andar da casa estava a Aurélia, a
Céu Parrita e a Ermelinda, já que o namorado, o meu amigo Elias, trabalhava de
noite, por ser padeiro. Estavam todas a ver televisão, mas a dormir no rés do
chão estava o Sr. José Roque, marido da Aurélia, que, além de ser um santo
homem, sofria de doença pulmonar crónica. Tínhamos esquecido o Ti Zé
Roque!!!
Quando, mais tarde, fomos espreitar à
esquina, o quadro que vimos foi o seguinte:
Três mulheres com o rabo voltado umas
para as outras, a tossir convulsivamente e uma delas (a Aurélia ) a
gritar:
- Foi aquele cabrão daquele Arnesto!!!
Como é que ela adivinhou?
Dêmos graças a Deus por não termos morto
o Ti Zé Roque!
EH
6 comentários:
É verdade! O humor dá aquele toque de sal, que confere algum sentido à vida!
De sal, pimenta ou … malagueta! Porém, todos são condimentos! E devem ter uma certa medida. Mas, vai-se a ver, e acho que fomos mauzinhos! Porque a dose de malaguetas era excessiva. Lá está, uma pontinha de velhacaria…má.
Curiosamente, o Ti’ Zé Roque terá sido o menos afectado. Estava cá em baixo e tinha a porta do quarto fechada. Foi o que valeu! Porque a lata das brasas com os caralhetos a arder foi colocada talvez a meio da escadaria e o fumo subia quase só para o andar de cima. Era onde estavam as mulheres e foi aí que teve maior efeito.
Não dava para ver, porque era de noite e nós estávamos escondidos na esquina, a rir-nos da tramóia. Mas acho que a Aurélia, a Céu Parrita e Ermelinda deviam estar quase como os soldados na guerra dos gases, na segunda guerra mundial! Para ter uma noite minimamente descansada a solução foi a Aurélia ter de abrir as janelas para arejar …
Que malta esta!
Abraços.
ZB.
Ó Arnesto, esta história parece mesmo tirada daqueles livros velhinhos que guardas com tanto amor! Depois foi só mudar o nome aos personagens…
Mas é através de pessoas como a Ti Aurélia (uma vanguardista, a dar vivas aos Panascas todos, já naquela altura!), a Céu Parrita e tantas outras que, por um motivo qualquer, fizeram a diferença, se vai contando a História da nossa terra. Que bom haver pessoas como o Ernesto (e os amigos dele) que, naquele seu jeito invejável, vai avivando algumas tradições da cultura da nossa terra. Estas partidas de Carnaval, então, deviam ser mesmo de mijar a rir… O que aqueles velhacos se haviam de divertir a espreitar, de longe, a reação das vítimas. Até parece que estou a vê-los!
A este propósito, é fabulosa a Choradela de Entrudo contada aqui por alturas do carnaval de 2009. Vale a pena ler ou reler.
Uma pessoa com sentido de humor é mesmo outra coisa! Parabéns!
M. L. Ferreira
Ontem 15/05/2014, por volta das seis da tarde, vindo de Castelo Branco com a minha Celeste, encontrei na Rua da Igreja por alturas do adro o Rabomole.
Parei o carro para me certificar de que era ele e era. Olhou para mim com confiança sinal de que está bem integrado. Notava-se pelo aspeto que está bem.
Que olhos bonitos tem o animal!.
E.H
Que bom ter notícias do Rabomole! É que não estou no Casal desde há uns dias e tenho andado desassossegada com medo que lhe aconteça alguma coisa.
Mas há quem diga que não há coincidências, Ernesto… Será que esse encontro do Rabomole contigo e a Celeste não poderá ter sido o princípio de um grande “amor”? Vá lá… Não me ofereço para madrinha, porque já tem um bom padrinho, mas farei de ama sempre que for preciso.
M. L. Ferreira
O Rabomole já tem um padrinho (Zé Barroso), já tem uma casa (Dos Enxidros - pena que seja virtual e por isso inútil para ele), muitos amigos (colaboradores e leitores do blogue, novamente inúteis, pois os verdadeiros amigos são os que se cruzam com ele e o tratam bem), já tem uma advogada protetora (Libânia), só lhe falta mesmo uma casa de verdade!
Ernesto:
Boa caqueirada!
Pena não ter vindo no Carnaval.
Mas tu és assim: agora está a sair, temos de aproveitar!
Eu e a Libãnia andamos à procura de histórias, tu já as tens contigo, é só escrever!
Vamos ver se me lembro de a republicar no próximo Carnaval.
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