Como todos repararam, a minha recruta foi
“uma mão cheia de nada outra de coisa nenhuma", mas, na
especialidade, as coisas correram muito melhor.
Em finais de Julho de 74, fui, tal
como Camões, desterrado para o Alentejo. Fui para a Escola Prática de
Artilharia de Vendas Novas fazer a especialidade: Apontador de Morteiro
120 mm, uma arma terrível!
Ainda hoje me pergunto o que é que eles
acharam em mim para me por como apontador de morteiro. A única resposta que
encontro é sempre ter gostado de relâmpagos e trovões! Estava no meu elemento.
Nesse tempo, as Festas de Verão ainda
eram em Setembro e eu vim às festas.
Quando, ao fim de uma longa viajem, cheguei
a Castelo Branco, fui ter com o Zé Manel (Mosca), para matar
saudades. Comemos, bebemos e fomos direitos à sede do Partido
Comunista Português (quem diria!), ali por cima da agora pastelaria
Colmeia. Ao cimo das escadas, estava um bebé num pequeno berço, a dormir.
Era o Vladimir Vale. O pai Carlos ofereceu-nos uma quantidade de
cartazes com grandes foices e martelos, para nós colarmos em São Vicente. Era
gente tão eficiente (ainda são) que até a cola nos ofereceram. Nessa altura, no Sábado de Festa, não havia
festa. A festa era Domingo, Segunda e Terça e mai nada!
Na noite de Sábado para Domingo, eu e o
Zé Manel roubámos a escada ao Silva de Tinalhas, que era o homem da
aparelhagem, e fomos colar cartazes vermelhos por toda a Vila, mas
principalmente na Praça, na fachada da casa do Zé Coné, primo do João
Prata, que na altura era onde ficava a latoaria do Sr. Fernando.
No Domingo de Festa, à hora da Missa, lá
estávamos nós que nem cães a ver a reação dos velhotes àqueles
cartazes.
Foi um pratinho!!!
Quem saiu mal deste episódio foram as
nossas mães que, sem saberem como nem porquê, passaram na boca
destes “religiosos” de honradas domésticas a praticantes da mais velha
profissão do mundo.
Em Vendas Novas, deram-me uma espingarda
G3 (malucos) e duas caixas de munições (balas para o Zé Teodoro). Não
nos deram um morteiro, porque não cabia no armário!
O mais giro daquilo é que a G3
disparava. Punham uns papéis brancos com círculos pretos lá muito longe e a
gente disparava. E não é que eu acertava naquilo?!
Acabada a especialidade, fiquei por
Vendas Novas, porque a minha mobilização para a Guiné ficou sem efeito, por
causa da Revolução. Fiz a minha inscrição no Colégio dos Salesianos, para
acabar o antigo 5.º Ano, pois ali não havia mais nada para fazer.
No dia 11 de Março de 1975, quando nos
preparávamos para almoçar carne guisada com batatas, o oficial de dia em vez de
dizer “Meus senhores podem sentar-se e bom apetite”, disse “Todos para as
casernas armarem-se que está a acontecer um golpe!”
Lembro-me que o prato que naquele dia
não comemos ficou conhecido como “carne à 11 de Março”. Recordo-me
também de vários aviões de guerra a sobrevoar o quartel. Não vos posso dizer se
nós éramos a favor ou contra.
Duma coisa tenho a certeza: A primeira
pessoa a colar cartazes do Partido Comunista Português em S. Vicente da
Beira não foi o José Teodoro Prata.
E.H
4 comentários:
A verdade é que eu nunca colei um cartaz!!!
Arranquei um do Partido Comunista, ainda no Tortosendo, porque era muito bonito (cheio de cravos vermelhos em fundo, com a foice e o martelo a destacar).
Guardei-o e forrei com ele um tomo do "Capital" do Karl Marx, que entretanto comprara.
Vocês aqui no blogue são bons para ir à caça à perdiz: andam depressa!
Ainda a MLF vai a subir ao castelo de Monsanto e dá de caras com o Fernando Namora e já o EH nos leva a um quartel militar do Alentejo!
Estas vossas histórias são bonitas porque são simples e porque são pedaços de tempo e de vida. E, lá está, como diria o outro - acho que é no filme 'E Tudo o Vento Levou': "Não desperdices o tempo, é dele que é feita a vida".
Abraço.
ZB
Nós, as cachopas daquele tempo, a ver abalar alguns dos rapazes mais jeitosos da terra para o seminário, pensando que era por uma boa causa (irem mais tarde levar a fé aos pretinhos da África), e depois vinham de lá quase todos comunistas!...
O que aqueles pais (principalmente as mães) devem ter sofrido… Mas ainda bem! Que importava a sua honra enxovalhada, comparada com a partida dos seus “meninos” para uma guerra injusta e com regresso incerto…
Parabéns, Ernesto, por conseguires falar duma experiência que deve ter sido tão dramática, com o bom humor de sempre!
M. L. Ferreira
P. S. Quando no último comentário que fizeste te vi a falar dos rebuçados de café, fiquei com medo que, mais uma vez, me fosses dar na cabeça. É que te tinha posto a fazer a tropa em Montemor o Novo, em vez de Vendas Novas. Acho que foi um erro de simpatia dupla: alguma semelhança nos nomes e na geografia e porque guardo de Montemor boas recordações (principalmente uma feira de doces realizada nos claustros de um mosteiro). Com os amigos gostamos de partilhar as coisas boas, mesmo que, como foi o caso, só ao nível do inconsciente…
E, já agora, como é que eu podia plantar as alfaces e os tomates ou semear a salsa e os coentros sem saber as voltas da lua e outras informações importantes do Borda D’Água? Mas nem lá falam das nossas festas…
Contada assim, ó Ernesto, com essa descontração, a tua tropa parece a guerra do Raúl Solnado.
O que lembro de bom, que trazias de Vendas Novoas eram as novidades discográficas e que ouviamos na tua casa. Belos tempos...e continuem na caça às perdizes como diz o ZB
F. Barroso
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