quarta-feira, 18 de junho de 2014

As nossas feiras

Há dias nem sequer me dei ao trabalho de responder a um comentário da  Libânia em que  (mostrando a sua grande ignorância), afirmava que o Borda d´Água  não fazia alusão às nossas festas e feiras. Fiquei então a saber que ela nunca o deve ter lido, porque nas páginas 20 e 22 dessa folhinha,  na secção festas e feiras, lá está escrito 3.º Domingo de Janeiro e 3. º Domingo de Setembro,   S. VICENTE DA BEIRA.
Esta deve ser daquelas que  transplanta as cenouras enterrando-lhe a rama, ficando a cenoura de fora!
Mas não era disto que eu queria falar;  foi só um desabafo de uma pessoa ofendida.

Nos anos cinquenta, além dos mercados mensais que ainda hoje se fazem, havia também duas grandes feiras em S. Vicente da Beira. Eram a feira de Janeiro como era conhecida, pendente da Festa de São Vicente (22 de Janeiro), e a feira de Setembro que coincidia com as Festas de Verão no terceiro Domingo desse mês.
Eram feiras de grande nomeada que atraíam muita gente das redondezas e em  que além dos tendeiros normais  também havia gente do povo a vender. Eram os agricultores que vinham vender ou comprar gado; esses agricultores vendiam também os produtos das suas colheitas tais com o feijão pequeno, o feijão grande, o grão, os alhos, as cebolas etc.
Vinha o cesteiro que enquanto vendia uns cestos ia fazendo outros. Os oleiros vinham com as suas carroças carregadas de talhas, alguidares, cântaros e cântaras, caçarolas, tachos etc.
Havia também os quinteiros que vinham vender os leitões galinhas e pitos que lhe sobravam e que muitas vezes trocavam por produtos que faziam falta.
Para a cachopada era dia de festa. Lembro-me que numa feira de Setembro o meu pai me comprou uns sapatos muito bonitos que iriam servir para aquelas festas e por aí adiante. Com o entusiasmo do dia achei que devia estrear logo os sapatos e fui jogar à bola. À noite o meu pai deu-me um jeito na roupa. Bem o merecia. Hoje seria violência doméstica!
Noutra vez, deu-me vinte e cinco tostões (uma fortuna), para gastar na feira e nas festas. Com a moeda na mão, fui direitinho  à taberna da Viúva e gastei tudo em amendoins. Fiz a festa toda logo nesse sábado.
Numa dessas feiras, uma velhota foi vender um leitãozito muito enfezadito  que andava a criar.
Sentou-se na primeira escada do balcão da cadeia com o animal ao lado, na esperança de o conseguir impingir. Era no tempo da miséria e muita gente não tinha dinheiro para comprar ou mandar fazer roupa interior e por isso simplesmente não usava.
A  velhinha era pobre e, ao sentar-se, ficou descomposta. Passaram então dois rapazes já espigadotes e um deles, vendo a velha naquele preparo, vira-se para ela e pergunta:
- Oh Tiazinha, quanto é que vale o seu arrepiado?
A velha,  muito desempenada, olha para o rapaz com  má cara e responde-lhe:
- Arrepiédo não,  que já hoje mamou duas caldeiradas!


E.H.

Um comentário:

Anônimo disse...

Com amigos a enxovalharem-nos desta maneira, não precisamos de inimigos!!!
Mas perdoo-lhe pelo muito que me tem feito sorrir, rir e gargalhar com as histórias que nos tem contado.
Nesta aviva-nos tantas memórias! Umas sempre presentes, como se tivessem sido ontem, outras já mais lá para trás, mas é sempre bom recordá-las (como dizia o outro, recordar é viver…)!
Já agora só mais uma achega à lembrança de artesãos que faziam e vendiam os seus produtos nessas feiras: recordo-me muitas vezes da Ti Tonina e do pai dela que faziam vassouras e capachos de palha. Era um luxo poder comprar uma vassoura daquelas, quando a maior parte das pessoas as fazia de giesta. E que bem que elas varriam!
E que malandros que eram os rapazes daquele tempo! Ainda falam dos de agora…
Mas voltando ao Borda d’ Água, é quase o meu livro de cabeceira… E o que tenho aprendido com ele! Só ainda não aprendi a fazer regos direitos e paralelos uns aos outros, mas deve ser genético porque, já na escola, das poucas vezes que apanhei reguadas foi por fazer a letra torta. Não valeu de nada porque ainda hoje é uma vergonha…
Continua a maravilhar-nos, Ernesto!

M. L. Ferreira