Há dias
ouvia pela enésima vez aquele tema que o Zé Teodoro publicou há tempos do Chico
Buarque com o titulo “Minha História”. É uma canção que me acompanha desde
a minha juventude e tem para mim grande significado.
Comecei
então a divagar devagar, porque isto não está para pressas, e recordei os
primeiros tempos da minha vida, através do que me foi contado e por alguns
episódios que me foram acontecendo.
Desde já
quero avisar que o interesse deste texto não é grande, porque se baseia em
fatos sem importância, mas, como tudo tem altos e baixos, também “Dos
Enxidros” os tem.
Na madrugada do dia 11 de Novembro de 1953, duas
carvoeiras do Casal da Serra bateram à porta dos meus pais para se abrigarem de
uma tempestade. Traziam no cesto de verga remendado com arames um menino muito
enfarruscado, mas muito gordinho, (5,250 Kg) que tinham encontrado na serra. Os
meus pais, que só tinham meninas, resolveram ficar comigo, porque era eu o do
cesto!
Foi esta a versão oficial do meu nascimento até ir
para a escola primária e abrir um pouco os olhitos.
Por esta lógica, eu não nasci, fui encontrado. Faz-me
lembrar aquela rapariga separada do marido, dos lados da Idanha, que vai à
Segurança Social e, quando a minha mulher lhe perguntou qual era o seu estado
civil, ela respondeu: - Deixada!
Teve sorte o do cesto do carvão de já não
existir a roda…
À medida que fui crescendo, foram-se inventando
histórias para que eu não me afastasse muito de casa:
A minha avó Maria do Carmo, em conluio com a minha
prima Jú, irmã mais nova do Padre Jerónimo e muito mais esperta que eu,
apesar de termos a mesma idade, inventaram “Os Estrangeiros”. Segundo
elas, os estrangeiros eram uns homens muito maus que passavam na estrada nova,
davam rebuçados aos meninos, os quais ficavam a dormir. Então eles metiam os
meninos num carro e levavam-nos para o estrangeiro, claro.
Nunca soube o que era o “estrangeiro”, só que era
uma coisa muito má e isso fazia com que eu mal me afastasse de casa.
Outra coisa de que eu tinha muito medo era
do “Bicho da Quinta”:
Desde sempre, o meu pai e o meu sogro João Dias foram
amigos. O meu sogro tinha uma espécie de tabernita na quinta do conde que
também tinha uma entrada quase em frente da porta travessa da igreja. Era raro
o dia em que o meu então futuro sogro não passasse à nossa porta e não
convidasse o meu pai para ir “matar o bicho”. Ouvindo aquilo, eu imaginava
coisas horríveis, mas ninguém me explicava nada, pela conveniência de
me trazerem com rédea curta.
Visto à distância, até pode parecer que tem uma certa
graça, mas que passei as do Algarve passei e só comecei a ver alguma coisa
quando de facto fui para a escola. Eram outros tempos.
Que inveja tenho das crianças de agora, espertas como
um alho!
E.H.
8 comentários:
Ai olhe que teve muita sorte, ser encontrado na serra por duas carvoeiras que logo o acolheram e entregaram aos seu pais.
Pois, parece que antigamente ninguém tinha filhos e toda a gente os encontrava. Quando a minha mãe viu o meu tio pela primeira vêz exclamou : -"Ai , que menino tão lindo" e antes que perguntasse , logo a minha bisavó Rita lhe explicou que o tinha encontrado na horta atrás de uma couve e que o tinha trazido para a minha avó criar.
Teve muita sorte o meu tio por naquele tempo tambem já não haver roda e por ter a minha bisavó ido à horta àquela hora. Se assim não fosse teriam os dois acabano na barriga da rapoza .
Ser criança tem dessas coisas...
Certo dia os meus pais ao deixarem-me no infantário explicaram que iriam a um funeral ao Fogueteiro e que por isso me iriam buscar mais tarde.
Assim que a noite começou a cair e me vi sozinha na sala apenas com o meu irmão e um adulto logo o coração bateu bem mais rápido e o medo, lembro-me bem do medo que senti de não voltar a ver os meus pais ... Porque raio teriam eles ido a um funeral num foguetão ? Teriam ido para a Lua? Seriam capazes de regressar? E se houvesse um acidente com o foguetão?
Também eu fui achado (pelos vistos fomos todos e na serra, o nosso lugar mítico).
O meu pai andava a cortar pedra, para o bairro do Hospital, na altura a ser construído pelo Zé Companhia, e a certa altura viu um lobo deixar qualquer coisa atrás de uma giesta. Foi ver e era um menino. Recolheu-o e à noite trouxe-o para casa e deu-o à minha mãe.
Desde tempo imemoriais que os povos contam histórias para explicar os fenómenos da natureza. A Bíblia está cheia delas e são contemporâneas dos mitos sumérios, egípcios e mais tarde gregos e romanos.
Os nossos pais terão sido os últimos a salpicar de magia a ciência?! Isso é assustador!
Está desvendado o mistério! Afinal, o Ernesto tem mais que razões para, ainda hoje, ter medo de sair de casa.
Mas, cá para mim, esta é a faceta calimeriana dele, a armar-se em vítima, porque as motivações atuais devem ser outras: boa mesa, boa pinga e boa companhia, para além da sua já famosa pringueirice (não é caso único…).
Quanto às crianças espertas como um alho, às vezes penso que talvez fossem bem diferentes as nossas vidas se tivéssemos tido uma educação menos preconceituosa e castradora em tantos domínios. É impossível saber, mas acho que tivemos a vantagem de, à mingua de tantas coisas, termos desenvolvido asas que nos ajudaram a voar um pouco mais alto, pelo menos em sonhos.
M. L. Ferreira
A Margarida lembrou aqui a sua bisavó, a Ti Rita.Como há muito para dizer sobre ela pois convivi com ela à conta da minha avó, vou tentar fazer um texto em sua homenagem prometendo dizer só verdades.
Não se assuste Margarida porque ela era uma santa.
Libânia, por favor!. Nem todas as verdades se dizem!.
E.H.
Olá! Já não vinha aqui há dias! Gostei de ler a 'A Rota de Santiago'. Como diz o EH, há pormenores da nossa história local que aqui são divulgados pelo ZT que acho interessantíssimos! Também gostei de reler 'Caqueiras'. Julgo que o Entrudo (que não o Carnaval importado!) é uma época em que melhor se revela a profundeza das nossas origens. Só aí, o verdadeiro sentir colectivo vem ao de cima, através dessa válvula de escape! O resto do ano o pulsar popular anda espartilhado nos artifícios sociais que mais convêm a alguns interesses. Não consigo entender como é que estas rapaziadas que têm governado o país nas últimas décadas, se dão à desfaçatez de eliminar do calendário datas culturalmente tão significativas (na minha opinião, é claro!). Pior que isso, não percebo como é que o povo o admite!
Quanto ao 'Encontrado': sempre foi um problema para os pais explicar o nascimento dos bébés. Devo dizer que acho esse imaginário delicioso! Quase todos têm uma história para contar sobre o assunto. Com um senão: foi sempre à custa de alguma inconveniência que era tapar o 'pecado' da sexualidade que lhe está implícito.
Lembro-me de as mulheres mais antigas passarem na rua, grávidas, e tentarem disfarçare a gravidez, tanto quanto possível, com o xaile!
Apesar das histórias engraçadas 'da cegonha' que originou, ainda bem que se ultrapassou essa mentalidade.
Mas também tenho a opinião de que, na actualidade, se exagerou sobre o tema. A pontos de aparecerem programas televisivos em que a sexualidade é levada à vulgaridade mais baixa, em nome de audiências que nada têm de sério e apenas representam dinheiro.
Abraços.
ZB
Hoje também fiquei a saber que quando os casais não conseguiam encontrar filhos na horta ou na serra, podiam comprá-los no mercado do Fundão: os homens levavam uma bezerra ou algumas ovelhas, e, se conseguissem vendê-las, podiam comprar um menino para trazer de prenda à mulher e aos filhos. O pior era quando as bocas já eram muitas e o pão pouco…
M. L. Ferreira
P. S. Uma maravilha, os comentários da Margarida. Para além de uma sensibilidade comovente, revela um sentido de humor extraordinário. Como diz o povo: “quem sai aos seus…”.
O ZT é um tipo cheio de sorte.
Já esteve na boca do lobo e não foi comido.
Naqueles tempos mágicos, pelos vistos, eram as raposas que comiam as crianças.
O Ernesto e eu parece que escapámos por uma unha negra, segundo as teorias da Margarida.
Acho que vocês andam a brincar com coisas sérias, pois também nunca vi meninos a vender na feira do fundão. Vocês querem é paródia.
FB
Eu só falei em raposa porque suponho que já não houvessem lobos por aí. Pelo menos tendo em conta as histórias que ouvi de lobos. Ernesto vou ficar ansiosamente à espera do texto prometido. Certa altura quis fazer um trabalho para a escola sobre a má hora para a escola e tentei falar com os mais velhos da vila e não consegui. Assim que os abordava perguntavam-me se era filha da Rita e ao obterem a confirmação passavam a falar apenas da minha bisavó. Sei que foi uma pessoa muito especial e sabe sempre bem ouvir falar daqueles que nos antecederam. Eu sou apaixonada por estórias se pudesse seria ouvidor profissional. Quando aqui venho (ao blogue) é como se voltasse à cozinha da minha avó num dia de inverno, sentada no banco de madeira feito pelo meu bisavô, à lareira, com o fumeiro pendurado no teto e a caneca do chá na mão caladinha, só a ouvir. :) E vocês escrevem todos tão bem... Maravilha da escola pré 25 de Abril :)
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