Nascer
de boca aberta
Por causa
da tua avó é que a minha mãe teve um menino que nasceu de boca aberta.
Eram irmãs,
a tua avó e a minha mãe, e sempre foram muito chegadas uma à outra. A tua avó
era a mais velha e foi ela que ajudou a criar os irmãos enquanto os pais
andavam por lá, a trabalhar no campo. Criaram-se ambas cá na Partida, mas
quando a tua avó se casou foi morar para S. Vicente porque o homem era de lá.
Uma vez, por alturas das Festas do Verão, já a minha mãe se tinha casado também
e estava no fim do tempo do primeiro filho, chega a casa da mãe dela e diz-lhe
assim: Eh minha mãe, hoje é que a nossa Piedade lá há de ter uma sopa de grão
boa! Quem me dera cá uma malga dela!
Com medo
que a filha ficasse de desejos e o menino nascesse defeituoso, a mãe foi de cá,
fez também uma panela de sopa e foi-lha levar a casa. Ela comeu uma malga cheia,
mas mesmo assim parece que não ficou satisfeita. Quando o menino nasceu vinha
aguado, de boca aberta, e morreu passado pouco tempo. É que a mãe tinha comido
a sopa de grão, mas o que ela tinha cobiçado era a sopa da irmã, com que se
tinha criado.
Dizem que
as crianças ficam aguadas quando cobiçam alguma coisa que veem alguém a comer e
não lhes dão um poucochinho. Começam então a andar com fastio e a ficar
pasmadas, sempre de boca aberta e olhar mortiço. Podem mesmo morrer se não se
lhes acudir a tempo.
Para curar
o mal tem que se pedir sopa a cinco ou sete vizinhas (o número tem de ser
pernão). Misturam-se todas e dá-se um bocado a comer à criança; o resto dá-se a
um gato. Se o gato aparecer morto ou desaparecer, é porque a criança andava
mesmo aguada, mas vai ficar curada. Se não, pode ser outra coisa qualquer, por
exemplo mau-olhado…
M. L. Ferreira
Nota:
Esta história foi-me contada há dias, na Partida, por uma prima, filha de uma
irmã da minha avó. Achei-a deliciosa, principalmente por ter acontecido há
tantos anos e falar um pouco da minha avó que nem conheci.
Atualmente
ainda há quem acredite nestas coisas (há pouco tempo bateram-me à porta a pedir
a tal sopa). Mas não admira, porque as pessoas quando estão desesperadas,
principalmente com a saúde dos filhos, acreditam e recorrem a tudo; até a
bruxarias.
3 comentários:
O que é um número pernão?
Curta, mas bela, esta história!
Usamos muito aquela expressão: "...foi (ou fui) de cá...", para dizer que se iniciou alguma acção. Giro!
O texto de há uns dias, do JMT, é um bocado de toucinho, de facto, mas com muita febra.
Ó Zé T., um número pernão é um número ímpar!
Abraços.
ZB
Zé Barroso:
Obrigado pela informação.
Sei que hoje não podemos contar com a Libânia, festeira de uma festa de Santa Bárbara cheia de trovoada (pelo menos aqui em Castelo Branco).
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