quinta-feira, 14 de maio de 2015

Fomos encorridos


Em meados dos anos sessenta, com os meus 13 ou 14 anitos, estava a estudar no seminário. Também nessa altura, havia na Partida um padre, o padre Zé Manel,  que ali tinha sido colocado pelo bispo da Guarda, como coadjutor do nosso padre Branco.
O povo da Partida adorava aquele padre e isso fazia sombra ao nosso pároco,  de tal modo que um dia o padre Zé Manel teve que fazer as malinhas e ir pregar para outra freguesia.
As gentes da Partida ficaram revoltadíssimas e, como povo unido que sempre foi e ainda é, juraram que ninguém daquela terra iria assistir a uma missa que ali fosse celebrada pelo padre Branco.
Os seminaristas, quando estavam de férias, tinham por obrigação acompanhar o pároco nos seus afazeres religiosos. Uma dessas tarefas era acompanhá-lo nas suas deslocações pelas anexas,  a fim de ajudar à missa. Todos os domingos o Padre Branco ia à Partida  celebrar mesmo sabendo que a igreja ia estar vazia. Fazia-se acompanhar de dois ou três seminaristas e, enquanto dois deles ficavam cá fora  a guardar o "Jeep", o outro vinha cá abaixo à capela a tocar o sino. Imaginem uma criança a tocar o sino e ao mesmo tempo a ser enxovalhado por uma turba, que estava em frente na taberna do Zé Nunes, sem saber o porquê daquela agressão, e depois ir a correr rua acima, meio encorrido, a ajudar à missa!
Uma vez,  depois da missa, eu vinha no assento ao lado do condutor e, num pequeno janelo estava uma rapariga nova a rir-se com ar de troça. Quando chegou ao pé dela, a janela do carro à altura do janelo, o padre Branco travou de repente, vira-se para a moça e pergunta zangado:
- De que é que se está a rir, ó sua puta!
A moça, envergonhada, meteu-se logo para dentro e eu  parece que me caiu um raio em cima ao ouvir um padre dizer uma barbaridade daquelas.
Noutro domingo, como na altura ainda se atravessava a ribeira por não haver ponte, vimos uma tranca a atravessar o caminho, enfiada no muro dum lado e numa taloca de oliveira do outro lado. Ao ver aquilo, o padre Branco acelerou o  "Jeep" e a tranca desfez-se em vários pedaços.
Mas o que eu queria contar prende-se com a festa de Santiago:
Calhou estarem cá os seminaristas e, mal sabendo onde nos íamos meter, fomos recrutados para ir ajudar à festa. Lembro-me que o Chico Bela, irmão do Padre Jerónimo e meu primo,  ainda estava no seminário e também foi. 
Pela receção, vimos logo que não ia ser tarefa fácil. Eu mais o meu primo ficámos a guardar o carro e o colega ou colegas lá foram para dentro da capela ajudar à missa.
A capela estava à cunha, mas, quando o padre Branco começou o sermão, a gente da Partida, que era a grande maioria, saiu em peso para a rua.
Cá fora, alguns rapazotes mais taludos, alguns dos quais são agora meus amigos, tentavam provocar-nos. Mexiam no carro, tentavam rebuscar o interior e mandavam piadas de mau gosto. A estratégia foi não reagir e não sair dali. Éramos só dois e eles muitos!
O padre Branco, ao ver os da Partida sair da capela, perdeu as estribeiras e o sermão saiu ao estilo de rajada de metralhadora. Pobres beatas do Mourelo e Vale de Figueira!
Logo que acabou a missa metemo-nos todos à pressa no carro e o padre Branco nem pelo caminho veio; meteu pelo alqueve abaixo, com uma chuva de pedras a cair na fraca cobertura de lona do "jeep". Fomos encorridos!
Quando chegámos ao caminho, esperava-nos uma grande pedra posta propositadamente para nos bloquear. Pagou um homenzinho que passava e que, aos gritos do nosso padre, lá tirou a pedra.
Foi a primeira vez que fui ao Santiago da Partida e a dor de cabeça foi tal que penso que, se tivesse tido oportunidade de pôr o chapéu, este não ia fazer o milagre.

E. H.

10 comentários:

Anônimo disse...

Pela época que descreves, EH, julgo que esse padre era o padre Zé Manuel Campos. Mas eu apenas o conhecia por padre Manuel Campos. O tal que levou a minha candidatura ao seminário do Fundão. Isto, em 1963. Porém, não sei se estamos a falar da mesma pessoa. Sei que o padre Manuel Campos estava muitas vezes na vila onde empreendia muita dinâmica junto da juventude. Uma vez, ele de viola na mão, fomos cantar as janeiras por todos os lagares de azeite de S. Vicente (que eram sete a laborar), a pedir esmola de azeite que, naturalmente, revertia a favor da igreja.
Em 1978 ainda fui encontrá-lo numa (ou naquela) freguesia para onde ele tinha ido pregar! Essa freguesia era a da Fatela, Enxames e outras anexas, arredores do Fundão, onde comecei a trabalhar no Regime Especial da Segurança Social (Regime Rural).
Quanto à questão da sombra: se foi como dizes, então a história repetiu-se. Quero dizer: pelo que sempre ouvi, o mesmo tinha acontecido, pouco antes ou quase em simultâneo, ao padre Sílvio Droguete Aguilar (coadjutor do padre Tomás), um homem muito avançado para o seu tempo!
A História está cheia de pagantes incautos que, com a sua juventude e irreverência, tocam no escorpião do status quo.

Abraços.
ZB



Anônimo disse...

Gente de fibra, a da Partida! Mas, pelos vistos o Padre Branco não lhe ficava atrás, para o bem e para o mal...
Há dias fui a Janeiro de Cima e meti conversa com um homem, já bastante idoso, que estava sentado à soleira da porta. Perguntou-me de onde é que eu era, lá lhe disse e ele perguntou-me logo:
- Atão e ainda por lá anda o Padre Branco?
- Anda pois! Já velhinho… Conhece-o
- Atão não conheço? Foi cá padre. Grande homem, com eles bem no sítio! Não se deixava fazer pouco de ninguém, e trabalhador… Olhe, foi ele que para cá puxou aquele centro (Centro Comunitário) que está lá em cima, e eu ainda lá andei a trabalhar. Se o vir, dê-lhe lá um abraço do Júlio!
No meio desta história, o que não havia direito era meter os pobres dos seminaristas nestas guerras de poder. Como se já não lhes bastasse serem obrigados a ajudar à missa e não poderem provar o vinho… Deve ter sido também por isso que muitos saíram antes de tempo.

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

Diz antes, por provarem o vinho (às escondidas) é que muitos saíam antes do tempo.
Eu provei o do Tortosendo e era um branquinho de se lhe tirar o chapéu. Quanto ao de São Vicente, não provei, nem tive oportunidades.
Era um bocado arredio, acho que ainda sou, e o morar fora da Vila dispensava-me de apertos como estes do Ernesto.
Não me lembro do Pe. Sílvio, nem do Padre Campos, embora deste tenha uma ligeira lembrança. Pelos vistos, em termos humanos e religiosos, perdemos o que de melhor tivemos.
Foi tudo uma questão de poder, uma questão central para os padres à antiga, de que o Pe. Tomás e o Pe. Branco foram digníssimos representantes.
Estes padres assumiam-se, de certa forma, como os caciques das povoações onde pastoreavam. Aliás, estive para mudar o título para: "Eu é que sou o presidente da Junta!"
Excelente história, de que esquecera e ignorava quase tudo. Estive para pedir ao Ernesto para apagar o palavrão, pois pontos fracos temos todos nós, mas ele encerra toda a polémica havida.

Ernesto Hipólito disse...

Tens razão Zé Barroso, era Manuel Campos o tal padre da Partida e foi mesmo para a Fatela. Foi um segundo padre Sílvio, o qual era adorado pela juventude de S. Vicente e que por isso teve de partir.
Falando em padres lembro-me daquele que por brincadeira dizia:
- Eu na minha terra nem sou senhor, nem sou padre, nem sou José : Sou o Sê Pad Zé!.

E.H

Anônimo disse...

Olà amigos,eu nâo tive tempo de ser semiranista porque em 1968 fui para a Franca com 9 anos.Antes de partir tambén servia a missa e gostava muito de andar pelas territas no Jeep do Padre.Uma vez foramos à Partida sozinhos,eu,o Padre Branco e o jeep.Depois da missa dita sö para uma velhinha,tambén foramos encorridos.Lembro-me muito bem as pedras a cair no toldo do Jeep ao atrevessar a ribeira. Joäo Maria CRAVEIRO(Passaraço)

Anônimo disse...

Zé Barroso, em 1963 não era o padre Manuel que andava de lagar em lagar (nós com ele) viola na mão cantando a pedir azeite para a cantina escolar...
O coadjutor chamava-se padre Silvio, pessoa dinâmica, alegre, comunicativa,era uma referência para todos nós. (ofereceu uma farda ao clube) Ainda hoje é recordado com saudade. Morava numa das casas do bairro. Padre Manuel chegou mais tarde. Senhor vigário (padre Tomaz) "desterrou-o " para a Partida onde residiu.
Julgo que foi o primeiro padre a morar naquela aldeia vicentina.
Um dos versos que cantavamos quando chegávamos a um lagar era mais ou menos assim.

Ora viva, porque viva
Viva a Senhora da Orada
Vivam os moços e as criadas
Que não ficarão sem nada
J.M.S

Anônimo disse...

Agora fizeste-me lembrar o outro:

" ... ninguém manda ser o Sê Pad'Zé burro!!"

Abraços.
ZB

Anônimo disse...

Olá amigos, eu nâo tive tempo de ser seminarista, porque em 1968 fui para a França com 9 anos. Antes de partir, também servia à missa e gostava muito de andar pelas territas no Jeep do Padre. Uma vez fomos à Partida sozinhos,eu,o Padre Branco e o jeep. Depois da missa dita só para uma velhinha, tambén fomos encorridos. Lembro-me muito bem das pedras a cair no toldo do Jeep ao atrevessar a ribeira. Joäo Maria CRAVEIRO(Passaraço)

Anônimo disse...

As conversas são como a cerejas!
Agradeço ao Zé Manuel dos Santos os esclarecimentos.
Mas, como é natural. fico ainda com algumas dúvidas.
1 - Como dizes (e é essa também a ideia que tenho), o padre Manuel Campos chegou quando ainda era pároco da Vila o padre Tomás.
2 - Por isso é que digo que foi ele que mandou o meu 'processo' para o seminário.
3 - Sempre tive a ideia que ele tinha vindo, de facto, para coadjutor do padre Tomás (a paróquia é a mesma), mas já com prévio destino a servir na Partida.
4 - Com efeito, se o pároco tinha mandado embora o padre Sílvio (seu coadjutor em S. Vicente), talvez não fizesse sentido mandarem outro jovem (logo a seguir) para o mesmo lugar.
5 - Mas se for como dizes, o padre Tomás desterrou-o para a Partida.
6 - Então o desgraçado do homem foi desterrado para a Partida pelo padre Tomás e depois veio o padre Branco e ainda foi lá chateá-lo, mesmo estando longe (embora, como disse, a paróquia seja a mesma)?
7 - Tenho a noção que o padre Manuel Campos (embora não tão dinâmico como o padre Sílvio), enquanto esteve na Vila (ou quando lá ia), também dinamizava a juventude. E nesse âmbito se faziam, também, pedidos de azeite nos lagares, seguindo as pisadas do Sílvio.
Mas, enfim, as brumas da memória (como diz o outro), já não deixam ver tudo isto com muita clareza.
Abraço para vocês, extensivo ao João Craveiro, França.
Zé Barroso

José Teodoro Prata disse...

João Craveiro, bem vindo à participação no blogue, embora saiba que o segues há anos!

E os da Partida, haja alguém que conte a história da expulsão do Pe. Campos e posterior boicote da população às missas do Pe. Branco. Quem se chega à frente?
Vá lá... Não precisa de ser imediatamente, neste formato de comentário. Pode ser daqui a uns dias, numa publicação.