sábado, 18 de março de 2017

As manobras militares de 1943

Encontrei, na internet, um estudo sobre estas manobras militares. Como se trata de um aspeto da nossa história local e nacional pouco ou nada conhecido, deixo aqui alguns trechos, para percebê-las melhor. Ver estudo completo em:

UM EXEMPLO HISTÓRICO RECENTE DA IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO SANTARÉM - LISBOA - ALCÁCER DO SAL: AS MANOBRAS DE 1943

Carlos Gomes Bessa, Coronel, da Academia Portuguesa da História

Mais de quatro anos haviam decorrido desde que a II Guerra Mundial eclodira em consequência da invasão da Polónia pelas tropas alemãs, em 1 de Setembro de 1939.
No dia 5 de Outubro de 1943, na região Santarém - Lisboa - Alcácer, iniciou-se a concentração de tropas convocadas para Manobras. Os efectivos eram de cerca de 80 000 homens, segundo o General Ernesto Machado, os maiores até em data reunidos alguma vez em Portugal para tal fim.
Integravam-se num Corpo de Exército a três Divisões: a 1.ª Divisão instalada a Norte e a 2.ª a Sul do Tejo; a 3.ª Divisão estava colocada em 2. º escalão e o Quartel General e as tropas de Corpo dispunham-se também a Norte do Tejo.
A Directiva do Corpo de Exército definia como objectivo final da instrução das Manobras «a preparação técnica com táctica das Divisões para campanha». Dois pontos importa ressaltar nesta Directiva:
- a urgência exigida quanto a conseguir-se a prontidão das tropas para o combate, considerado como uma possível eventualidade;
- em consequência, a necessidade de o aperfeiçoamento na instrução técnica do avultado e excelente material moderno de diversa natureza, recebido já no local das manobras para completar o armamento e equipamento das tropas.
(…)
Pela importância que veio a ter, merece referência particular a designada Missão Borros Rodrigues, chegada a Londres, por convite da Inglaterra, a 20 de Fevereiro de 1941.
Nos contactos iniciais pretendiam os ingleses que a sua acção, no caso de um ataque a Portugal, deveria ser ditada pelas circunstâncias de ocasião. A esta tese se opôs com firmeza o Chefe da Missão, Coronel Barros Rodrigues, alegando que, se a Inglaterra não tivesse um plano onde se considerasse o seu auxílio possível, o Estado-Maior português não poderia, por seu lado, estabelecer um plano de resistência.
Tal firmeza originou uma alteração profunda da atitude dos ingleses, a ponto de os mesmos passarem a encarar a hipótese de auxílio em pessoal e material, embora sem o poderem prometer definitivamente.
Receavam a nossa fraca capacidade de resistência, pela deficiente instrução militar e organização defensiva. O elemento essencial da defesa do País teria de ser a própria preparação nacional para a guerra que nenhum estranho podia substituir nos primeiros dias. Na hipótese mais favorável, durante 16 a 30 dias a responsabilidade da defesa teria de ser inteiramente portuguesa e, com a melhor boa vontade, só ao fim de 2 meses, contados da partida do primeiro contingente, poderia um exército aliado estar a bater-se ao lado do nosso, e não seria ainda poderoso.
Quanto a um ataque a Portugal, os ingleses calculavam só ser possível ao fim de um mês, contado do dia em que as primeiras tropas alemãs atravessassem os Pirinéus, embora se tomassem possíveis antes ataques não pesados.
O Estado-Maior inglês era concordante quanto à linha de defesa de Portugal se situar apenas à roda de Lisboa, dada a nossa fraqueza militar, isto é, que se concentrasse na região Santarém-Lisboa-Alcácer, ou seja, a que veio a constituir a zona de acção do Corpo de Exército nas Manobras de 1943.
Terminaram as conversações sem compromissos mútuos, mas os portugueses passaram depois delas a poder organizar os seus planos a partir de duas premissas essenciais: a da manutenção do domínio inglês no Atlântico Oriental e a da existência de uma zona de resistência à volta de Lisboa, tornada objectivo principal e decisivo a defender a todo o custo. Para o resto do País organizar-se-ia um plano de destruições, com a finalidade de demorar o avanço do inimiga e dificultar o seu reabastecimento, e outro de evacuação das populações e dos seus haveres e a do próprio Governo, cuja transferência para os Açores se admitia como hipótese.
(…)
No ano de 1943, a importância estratégica dos Açores havia aumentado em consequência de a guerra submarina se ter desviado do Atlântico Norte para a área do Arquipélago. Churchill considerava que uma escala apoiada neles permitiria economizar um milhão de toneladas de mercadorias e vários milhares de vidas humanas por ano. O empenhamento alemão a Leste levou a que se atenuasse a ameaça terrestre para Portugal pendente sobre o território continental. Os riscos e ameaças maiores passaram desde então a pairar sobre os Açores, provenientes sobretudo dos Aliados.
Em Março desse ano, na Conferência de Casablanca e, em Maio, na de Washington, conhecida também pelo nome de código Tridente, Roosevelt e Churchill acordaram em colocar Portugal perante o facto consumado da ocupação dos Açores. De Londres, Eden e Atlee discordaram aberta e vigorosamente. Deveria praticar-se primeiro uma acção diplomática em Lisboa. O Embaixador Camphell apoiava sem reservas esta orientação. Churchill não acreditava que a diligência resultasse. Mas foi aceite e prevaleceu o ponto de vista, embora os Estados-Unidos devessem planear a ocupação militar dos Açores, para o caso de as diligências virem a falhar. A essa operação anglo-americana foi dado o nome de código Lifebelt, e depois Bracken. O primeiro nome, cuja tradução é «cinto de salvação», dá bem ideia da importância atribuída pelos Aliados às facilidades nos Açores.
Em 18 de Junho, o Embaixador Camphell, invocando a Aliança, apresentou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros o pedido de instalação nos Açores, sem precisar as condições. Sublinhava que os ingleses retirariam as suas tropas no fim das hostilidades e assegurava o respeito pela soberania portuguesa no conjunto dos seus territórios. A África do Sul associava-se, e podiam esperar-se garantias idênticas por parte dos Estados Unidos.
O Presidente do Conselho desconhecia os conluios anglo-americanos, mas teve consciência, mesmo assim, de que uma resposta negativa representaria o fim da Aliança e do Império. Em virtude disso, declarou que o pedido seria examinado com boa vontade. Era indispensável consultar Franco, mas não lhe parecia que daí resultassem dificuldades. Na altura era já menos provável um ataque à Península de iniciativa da Alemanha.
O primeiro embarque de material fez-se na Inglaterra em 17 de Agosto. Nesse dia se assinou em Lisboa o Acordo Secreto para a cedência de bases nos Açores à Inglaterra. Nele se fixava a data do desembarque inglês antecipada para o dia 8 de Outubro.
Em 5 de Outubro, como ficou dito, começaram as Manobras Militares.
Em 8, do Chefe do Governo Português, vencendo a relutância inglesa, deslocou-se a Ciudad Rodrigo para se encontrar com o Conde Jordana, Ministro das Relações Exteriores de Espanha, e o informar do Acordo feito com os ingleses. Este, não só assegurou imediatamente a neutralidade do seu país, como afirmou mesmo que as forças armadas espanholas se oporiam militarmente a qualquer tentativa alemã de transpor os Pirinéus.
O Governo Português fez também questão de informar o Ministro alemão em Lisboa, antes de ser tornada pública a notícia sobre as facilidades concedidas aos ingleses. Persistia a intenção da sua parte em manter a neutralidade, como foi dito ao diplomata germânico ao ser-lhe dado conhecimento dessas facilidades com fundamento na Aliança, que Portugal desde o início das hostilidades continuamente vinha reafirmando. A comunicação terá sido feita às 10 horas do dia 12 de Outubro, aquele em que uma nota oficiosa foi remetida à imprensa para divulgação.
No início das Manobras na decisiva região Santarém-Lisboa-Alcácer do Sal, veio a ser recebido avultado e moderno material em rápido afluxo. A instrução das tropas no manejo desse material efectuou-se com a maior celeridade, despertando grande interesse, curiosidade e até entusiasmo por parte de quadros e praças. As Manobras redundaram assim em claro sinal de que os portugueses se dispunham a defender, de armas na mão, qualquer ataque contra o seu território, em especial, na zona do Corpo de Exército.
A 15 de Outubro, o Governo do Reich reagiria com «o mais enérgico protesto» em Lisboa, reservando-se o direito de tomar as medidas decorrentes da situação modificada nos Açores, tida por aquele como grave violação da neutralidade portuguesa. Mas não chegou a haver mais nenhuma outra reacção por parte da Alemanha: nem tentativa de invasão, nem ataque aéreo ou de submarinos.
Se a invasão se tivesse verificado, a concentração da defesa na zona Santarém-Lisboa-AIcácer obrigaria a executar os planos de destruições e da evacuação das populações do resto do território. Ambos e mais alguns outros haviam sido previamente estudados por diversas Missões deles encarregadas, agindo em contacto com os Estados-Maiores ingleses.
A Alemanha, assoberbada com gravíssimas preocupações na condução da guerra, acabou por optar pela manutenção da neutralidade, devido às suas conveniências políticas e económicas, apesar de Portugal, em relação à Inglaterra, a 17 de Agosto, haver passado a sua de benevolente para colaborante. Evitava assim aumentar o seu isolamento político em consequência do corte de relações com Portugal e das dificuldades que se levantariam quanto às mantidas através de nós com alguns outros países. Além disso, não esquecia um trunfo muito forte do Governo Português - o do volfrâmio que obtinha e lhe era vital.
No dia 28 de Outubro as Manobras concluíram com um desfile em Pegões das 2.ª e 3.ª Divisões perante o Chefe de Estado. À data já não restavam dúvidas de que, para o Corpo do Exército, se tomaria desnecessário entrar em combate na defesa do último reduto de resistência em território continental.
Tudo acabara bem e em paz.


José Teodoro Prata

Um comentário:

Anônimo disse...

Havia um Pacto Ibérico de amizade entre Portugal e Espanha de 1939. Havia a aliança Anglo-Lusa (a mais velha do mundo!). Salazar era um germanófilo, mas tinha o "incómodo" dessa aliança. Franco era outro germanófilo que tinha sido ajudado pela Luftwafe (aviação alemã) (36/39). Havia as nossas colónias. E que dizer da tese defendida por Franco na Academia Militar sobre a "Invasão de Portugal em 2 dias"? (Veja-se a revista do Expresso de há uns anos atrás).
De que valeu a nossa boa relação com a Espanha (creio eu, embora sem pactos), nas invasões napoleónicas? Com a força do invasor, os espanhóis acagaçaram-se e até combinaram a partilha de Portugal em simples pedaços de terra com a França. E de que valeu a velha aliança na questão do "Mapa Cor de Rosa", em 1891? De cujo episódio, aliás, nasceu o hino nacional português atual?
Se a Alemanha invadisse a península ibérica, os espanhóis cediam novamente. Qual Pacto Ibérico, qual carapuça!! A sorte foi que a Alemanha se virou para Leste. Foram estúpidos, como estúpido já tinha sido Napoleão. Não aprenderam com a história e não contaram com o “general inverno”. E ainda bem, para o desfecho da guerra!
Se Portugal fosse invadido militarmente, acredito que, com conjuras ou com guerra de guerrilha, a ideia de “portugalidade” permaneceria. Já provámos isso! Somos um país pequeno e temos que usar artifícios (Salazar vendia volfrâmio aos dois contendores!). Muitas vezes nas guerras, os mais pequenos fazem as alianças de acordo com os interesses do momento. Precisava de salvar as colónias e inclinou-se para os Aliados, apesar de ser um simpatizante da Alemanha. Tinha a fotografia do Mussolini em cima da secretária. Mas deve tê-la tirado, pois claro!...
Estaríamos aqui a falar disto até amanhã de manhã! Mas não temos tempo, nem podemos sistematizar num comentário.
Mas, concluindo, estas passagens, fazem-me lembrar sempre a história do lobo e do cordeiro. Isto é, tirando todas as razões, fica sempre a razão do lobo. E essa é a sua fome de que ele nem sequer é culpado! Pois foi a natureza que o fez um carnívoro! Coisa que Hitler nem podia alegar!
Abraços.
ZB