domingo, 11 de fevereiro de 2018

Pe. Branco


Padre António Branco (1924-2018)

António Francisco Branco Marques nasceu nas Minas da Panasqueira, filho António Branco, de Casegas, e de Luzia Marques, de São Vicente da Beira. Faleceu no passado dia 30 de janeiro, em São Vicente da Beira, terra que adotou como sua e que paroquiou durante 42 anos. A missa de corpo presente foi presidida pelo bispo da Guarda, D. Manuel Felício, e contou com a presença do vice-presidente da Câmara Municipal, José Alves.
Na sua infância, o pequeno António percorreu toda a geografia do volfrâmio: São Jorge da Beira (batismo), Barroca do Zêzere (escola primária), Rio e Cabeço do Pião (habitou a primeira casa do bairro que a empresa construiu para os empregados).
Encantado com a missa dominical, onde ia pela mão do pai, o António fazia altares de brincar e dizia missa para a mãe e as irmãs. Por isso deixou o couto mineiro e rumou ao seminário do Fundão e mais tarde ao seminário maior da Guarda. Foi ordenado sacerdote no ano de 1950.
Iniciou o seu magistério sacerdotal no concelho de Celorico da Beira (Velosa e Açores), mas logo voltou ao Zêzere profundo, bem próximo do seu torrão natal. Tornou-se pároco de Bogas de Baixo e Janeiro de Cima, onde continua a ser recordado com saudade.
As gentes de Bogas contam que ele juntava o povo para reparar caminhos e limpar a mina da água pública e a canalizar para o chafariz. Junto das instituições, pedia ajuda humanitária para as gentes da sua paróquia, tendo recebido alimentos que eram distribuídos pela população. Entre Bogas e Janeiro, deslocava-se de mota e depois de carro, já não de cavalo como os padres antigos. Foi sempre um inovador.
Em Janeiro de Cima construiu um centro paroquial, ainda hoje ativo, e conseguiu que uma médica e uma enfermeira viessem dar assistência médica. Logo em 1957, ano das primeiras emissões televisivas em Portugal, comprou uma televisão para o centro e todo o povo acorria a descobrir que o mundo era bem maior que as encostas do Zêzere.
Em 1965, chegava a São Vicente da Beira, depois de breve interregno em Lisboa. Vinha receber o testemunho do pároco Tomás Ramalho. Se em Portugal os últimos anos da década de 60 foram o início do despertar da sonolência em que tínhamos vivido durante décadas, em São Vicente da Beira, sob a batuta do Padre Branco, aqueles anos foram vividos com uma dinâmica nunca vista, uma inquietude a que não estávamos habituados.
Depressa o Pe. Branco criou dinâmicas locais, intercedeu junto das instituições concelhias e conseguiu até chegar às entidades governativas nacionais.
Nesses anos, desde a sua chegada até às vésperas do 25 de abril, sozinho ou em colaboração com a junta de freguesia e outras instituições sanvicentinas, conseguiu: criação do coro dos pequenos cantores da paróquia, reparação das imagens da Ordem Terceira e restauração da sua procissão; restauro de todas as capelas da Paróquia, bem como da Igreja Matriz; projeto de piscina e parque infantil; construção do salão paroquial; criação do posto de Telescola (começou na sacristia), compra de carrinha e transporte diário dos alunos das anexas; eletrificação da Praça; alcatroamento das entradas da Vila, construção de parques de estacionamento na Senhora da Orada e futuro alcatroamento da estrada de acesso à ermida; ajardinamento do Calvário e de São Sebastião; continuação da publicação do jornal da paróquia Pelourinho; criação de uma oficina de confeção de lãs; reanimação da Filarmónica e do Clube; entre outros.
Em todos os planos, pessoal, religioso e político, o Pe. Branco levava à sua frente tudo e todos. Nem sempre foi pacífico, nem consensual. Sabia mover influências, aglutinar vontades, criar consensos, mas também fazer ruturas quando as julgava necessárias.
Embora muito inovador e dinâmico, não conseguiu adaptar-se ao pós 25 de abril, ou melhor, percebeu o seu lugar no novo regime e centrou-se no mundo religioso. Criou então os museus de arte sacra da Misericórdia e da Igreja Matriz; requalificou a Igreja Matriz; construiu a casa paroquial e a casa mortuária; criou o Grupo n.º 70 dos Escoteiros; colaborou na transformação da Telescola em Escola de Ensino Básico;   reconverteu o velho hospital da Misericórdia num Lar para idosos (no início também centro de saúde e creche). Claro, tudo isto com o apoio da junta de freguesia e da câmara municipal.

Era uma pessoa com uma visão e empenho que não encontramos em muitos líderes. Foi a personalidade mais marcante de São Vicente da Beira, na segunda metade do século XX.

José Teodoro Prata

Nota: Este é o texto que enviei ao jornal Reconquista e que foi publicado no jornal desta semana, penúltima página. De entre outras, o jornal escolheu a segunda foto aqui apresentada.

Um comentário:

M. L. Ferreira disse...

Tanta obra que nos deixou, e de forma tão generosa. Lembro-me que ao princípio, as pessoas não gostavam muito dele porque estava sempre a pedir para qualquer coisa. Mas, ao contrário de muitos, não pedia para ele, que, tanto quanto se conhece, não acumulou fortuna.
E tinha um grande orgulho naquilo que fez. Já nos últimos anos de vida, visitei-o bastantes vezes no Lar que ele criara. Como era difícil conversarmos, sentava-me ao lado dele a folhear o livro publicado há anos para o homenagear. O que ele gostava! Ficava a olhar para as fotografias com muita atenção, como que a reviver todos aqueles momentos e a recordar as pessoas que o acompanharam. Mas havia duas fotografias de que gostava particularmente: a da sua família e a do grupo de sacerdotes que foram ordenados com ele. Chegou a deitar algumas lágrimas quando olhava para elas.
Nestes momentos ficava a pensar que, por trás do homem empreendedor e pragmático, algumas vezes prepotente, havia outra personagem mais feminina, talvez a melhor, que não tinha vergonha de chorar.

M. L. Ferreira