Padre
António Branco (1924-2018)
António Francisco Branco Marques nasceu nas Minas da
Panasqueira, filho António Branco, de Casegas, e de Luzia Marques, de São
Vicente da Beira. Faleceu no passado dia 30 de janeiro, em São Vicente da
Beira, terra que adotou como sua e que paroquiou durante 42 anos. A missa de
corpo presente foi presidida pelo bispo da Guarda, D. Manuel Felício, e contou
com a presença do vice-presidente da Câmara Municipal, José Alves.
Na sua infância, o pequeno António percorreu toda a
geografia do volfrâmio: São Jorge da Beira (batismo), Barroca do Zêzere (escola
primária), Rio e Cabeço do Pião (habitou a primeira casa do bairro que a
empresa construiu para os empregados).
Encantado com a missa dominical, onde ia pela mão do
pai, o António fazia altares de brincar e dizia missa para a mãe e as irmãs.
Por isso deixou o couto mineiro e rumou ao seminário do Fundão e mais tarde ao
seminário maior da Guarda. Foi ordenado sacerdote no ano de 1950.
Iniciou o seu magistério sacerdotal no concelho de
Celorico da Beira (Velosa e Açores), mas logo voltou ao Zêzere profundo, bem
próximo do seu torrão natal. Tornou-se pároco de Bogas de Baixo e Janeiro de
Cima, onde continua a ser recordado com saudade.
As gentes de Bogas contam que ele juntava o povo para
reparar caminhos e limpar a mina da água pública e a canalizar para o chafariz.
Junto das instituições, pedia ajuda humanitária para as gentes da sua paróquia,
tendo recebido alimentos que eram distribuídos pela população. Entre Bogas e
Janeiro, deslocava-se de mota e depois de carro, já não de cavalo como os
padres antigos. Foi sempre um inovador.
Em Janeiro de Cima construiu um centro paroquial,
ainda hoje ativo, e conseguiu que uma médica e uma enfermeira viessem dar assistência
médica. Logo em 1957, ano das primeiras emissões televisivas em Portugal,
comprou uma televisão para o centro e todo o povo acorria a descobrir que o
mundo era bem maior que as encostas do Zêzere.
Em 1965, chegava a São Vicente da Beira, depois de
breve interregno em Lisboa. Vinha receber o testemunho do pároco Tomás Ramalho.
Se em Portugal os últimos anos da década de 60 foram o início do despertar da
sonolência em que tínhamos vivido durante décadas, em São Vicente da Beira, sob
a batuta do Padre Branco, aqueles anos foram vividos com uma dinâmica nunca
vista, uma inquietude a que não estávamos habituados.
Depressa o Pe. Branco criou dinâmicas locais,
intercedeu junto das instituições concelhias e conseguiu até chegar às
entidades governativas nacionais.
Nesses anos, desde a sua chegada até às vésperas do 25
de abril, sozinho ou em colaboração com a junta de freguesia e outras
instituições sanvicentinas, conseguiu: criação do coro dos pequenos cantores da
paróquia, reparação das imagens da Ordem Terceira e restauração da sua
procissão; restauro de todas as capelas da Paróquia, bem como da Igreja Matriz;
projeto de piscina e parque infantil; construção do salão paroquial; criação do
posto de Telescola (começou na sacristia), compra de carrinha e transporte
diário dos alunos das anexas; eletrificação da Praça; alcatroamento das
entradas da Vila, construção de parques de estacionamento na Senhora da Orada e
futuro alcatroamento da estrada de acesso à ermida; ajardinamento do Calvário e
de São Sebastião; continuação da publicação do jornal da paróquia Pelourinho; criação de uma oficina de confeção
de lãs; reanimação da Filarmónica e do Clube; entre outros.
Em todos os planos, pessoal, religioso e político, o
Pe. Branco levava à sua frente tudo e todos. Nem sempre foi pacífico, nem
consensual. Sabia mover influências, aglutinar vontades, criar consensos, mas
também fazer ruturas quando as julgava necessárias.
Embora muito inovador e dinâmico, não conseguiu
adaptar-se ao pós 25 de abril, ou melhor, percebeu o seu lugar no novo regime e
centrou-se no mundo religioso. Criou então os museus de arte sacra da Misericórdia
e da Igreja Matriz; requalificou a Igreja Matriz; construiu a casa paroquial e
a casa mortuária; criou o Grupo n.º 70 dos Escoteiros; colaborou na
transformação da Telescola em Escola de Ensino Básico; reconverteu o velho hospital da Misericórdia
num Lar para idosos (no início também centro de saúde e creche). Claro, tudo
isto com o apoio da junta de freguesia e da câmara municipal.
Era uma pessoa com uma visão e empenho que não
encontramos em muitos líderes. Foi a personalidade mais marcante de São Vicente
da Beira, na segunda metade do século XX.
José Teodoro Prata
Nota: Este é o texto que enviei ao jornal Reconquista e que foi publicado no jornal desta semana, penúltima página. De entre outras, o jornal escolheu a segunda foto aqui apresentada.
Um comentário:
Tanta obra que nos deixou, e de forma tão generosa. Lembro-me que ao princípio, as pessoas não gostavam muito dele porque estava sempre a pedir para qualquer coisa. Mas, ao contrário de muitos, não pedia para ele, que, tanto quanto se conhece, não acumulou fortuna.
E tinha um grande orgulho naquilo que fez. Já nos últimos anos de vida, visitei-o bastantes vezes no Lar que ele criara. Como era difícil conversarmos, sentava-me ao lado dele a folhear o livro publicado há anos para o homenagear. O que ele gostava! Ficava a olhar para as fotografias com muita atenção, como que a reviver todos aqueles momentos e a recordar as pessoas que o acompanharam. Mas havia duas fotografias de que gostava particularmente: a da sua família e a do grupo de sacerdotes que foram ordenados com ele. Chegou a deitar algumas lágrimas quando olhava para elas.
Nestes momentos ficava a pensar que, por trás do homem empreendedor e pragmático, algumas vezes prepotente, havia outra personagem mais feminina, talvez a melhor, que não tinha vergonha de chorar.
M. L. Ferreira
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