O
tempo fora de chuva, nos dias antes do Natal. Valeu à malta da inspeção ter
começado cedo, em Outubro, a recolher troncos de castanheiro e sobreiro para a
noite de Natal.
Era
normalmente ao entardecer, depois dos trabalhos. Ouvia-se a corneta e todos
sabiam que a rapaziada andava a tratar da fogueira do Menino Jesus. Os madeiros
eram trazidos de trator, já não em carros de bois, como nos anos passados.
Arrumavam-se na Praça, a um canto, e monte crescia, até meados de Dezembro.
Mas
depois deu em chover. Os chaparros, para atear os madeiros, já foram cortados a
pingar.
No
dia 24 de Dezembro, a malta das sortes andou todo o dia a montar a fogueira, no
centro da Praça. Mas o desânimo lia-se nos rostos. Os madeiros estavam
encharcados e de vez em quando caía um chuvisco ou mesmo uma pancada de água.
À
noite, por volta das onze e meia, os rapazes convergem para a fogueira, armados
de garrafões de vinho oferecidos por lavradores e de braçados de carqueja ou
rama de pinheiro que cada um tinha em casa, resguardadas da chuva.
Abrem buracos no cone de lenha e enchem-nos de acendalhas. O fogo pega, mas logo esmorece. Mais rama seca. O fogo alastra, a malta anima-se, mas a chama não vinga.
Abrem buracos no cone de lenha e enchem-nos de acendalhas. O fogo pega, mas logo esmorece. Mais rama seca. O fogo alastra, a malta anima-se, mas a chama não vinga.
Começam
a chegar famílias, em fato domingueiro, para a Missa do Galo. Entram
arreganhados, na Igreja, com a esperança de se aquecerem, à saída.
Homens e rapazes de anos anteriores ficam-se pela Praça, a apreciar como se desenrasca a malta da inspeção. Uns dão-lhes conselhos, outros atiram-lhes provocações. Alguns sentenciam que este ano não vai haver fogueira. Novas tentativas. A ala queima a caruma, mas não pega nos troncos e morre.
Aproxima-se mais um homem, vindo do lado da torre da Igreja. É baixo, sem ser pequeno. A magreza e o curvado do corpo apoucam-lhe a estatura. O rosto e as mãos estão enrugados e enegrecidos pelos rigores dos trabalhos passados e dos anos vividos.
Homens e rapazes de anos anteriores ficam-se pela Praça, a apreciar como se desenrasca a malta da inspeção. Uns dão-lhes conselhos, outros atiram-lhes provocações. Alguns sentenciam que este ano não vai haver fogueira. Novas tentativas. A ala queima a caruma, mas não pega nos troncos e morre.
Aproxima-se mais um homem, vindo do lado da torre da Igreja. É baixo, sem ser pequeno. A magreza e o curvado do corpo apoucam-lhe a estatura. O rosto e as mãos estão enrugados e enegrecidos pelos rigores dos trabalhos passados e dos anos vividos.
Chega
à fogueira e começa a esburacar. Os rapazes das sortes aproximam-se. Ele
ranha-lhes de mansinho e eles obedecem-lhe. Algum mais folgazão dá-lhe uma
palmada nas costas e elogia-o, em forma de agradecimento. Oferece-lhe um copo,
mas ele recusa, concentrado no trabalho de abrir túneis por onde o ar tem de
circular. O trabalho demora e o velho carvoeiro parece não ter pressa.
Mas o relógio da torre não se compadece. A uma hora aproxima-se e não tardarão a soar da Igreja os cânticos ao Menino Jesus.
Mas o relógio da torre não se compadece. A uma hora aproxima-se e não tardarão a soar da Igreja os cânticos ao Menino Jesus.
A
malta da inspeção afadiga-se, na esperança de ter fogueira à saída da missa.
Depois, mesmo que o consiga, já será tarde.
Os
túneis estão abertos. Os rapazes colocam lá dentro a rama de pinheiro e a
carqueja, trazidas segunda vez por rapazes que tornaram a casa. A matéria seca
pega fogo. A chama aguenta-se e vai entrando pela fogueira a dentro. Pouco arde
por fora, mas no interior persistem focos de fogo, a adivinhar pela fumarada.
Já se ouve, na Igreja:
Já se ouve, na Igreja:
Alegrem-se os Céus e a Terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria
E
as pessoas começam a sair, a pouco e pouco, conforme beijam o Menino Jesus.
A Praça vai-se enchendo, todos envoltos no fumo que sai da fogueira. Alguns, a viver fora, já desabituados das lareiras, indignam-se por ficar com a roupa a cheirar a fumo e querem ir para casa, mas outros familiares teimam em ficar.
Pouco a pouco, o fumo da fogueira é substituído por alas de fogo que fazem crepitar os madeiros. Mais uns minutos e o cone negro torna-se um foco incandescente de luz e calor.
A Praça vai-se enchendo, todos envoltos no fumo que sai da fogueira. Alguns, a viver fora, já desabituados das lareiras, indignam-se por ficar com a roupa a cheirar a fumo e querem ir para casa, mas outros familiares teimam em ficar.
Pouco a pouco, o fumo da fogueira é substituído por alas de fogo que fazem crepitar os madeiros. Mais uns minutos e o cone negro torna-se um foco incandescente de luz e calor.
É
tempo de festejar e o ti Zé Nicho
aceita aquele copo e muitos mais, ao longo da noite, que ainda é uma criança.
E
canta-se. Primeiro o “Alegrem-se…” e
depois:
Estava a cantar o Natal
À porta do capelão
Estava tão descansado
Que a Guarda deitou-me a mão
A Guarda deitou-me a mão
Vamos já daqui p´ra fora
São oitenta mil e quinhentos
Que saem do bolso p´ra fora
Qui tomba qui tomba
Qui dale qui dale
Toca na zamburra
Na noite de Natal
Cada
um fica mais um pouco, uns minutos ou umas horas. O tempo preciso para se
reabastecer de luz e calor, para mais um ano.
Conheci o ti
Zé Nicho nos anos da minha adolescência, pelos inícios dos
anos 70, os desta crónica. Só o via uma vez por ano, precisamente nesta noite
de Natal, e desconheço o seu nome completo e a que família pertencia. Morava
nas cercanias da fonte de Santo António e chamava-se José, o que adivinho pelo
diminutivo com que o identificávamos. Era carvoeiro e foi a sua sabedoria que
garantiu o acendimento da fogueira de Natal muitas vezes, algumas presenciadas
por mim.
No ano em que fui às sortes, com a malta de 1957, já teria falecido ou estaria doente, pois não me lembro dele, em redor da fogueira de Natal.
Este ano, o tempo anda igualmente invernoso e bem dava jeito à malta da fogueira tê-lo por perto. Mas os tempos também mudaram muito e agora há dinheiro para comprar combustíveis altamente inflamáveis, com que se regam os madeiros, em caso de necessidade.
No ano em que fui às sortes, com a malta de 1957, já teria falecido ou estaria doente, pois não me lembro dele, em redor da fogueira de Natal.
Este ano, o tempo anda igualmente invernoso e bem dava jeito à malta da fogueira tê-lo por perto. Mas os tempos também mudaram muito e agora há dinheiro para comprar combustíveis altamente inflamáveis, com que se regam os madeiros, em caso de necessidade.
Modernices,
havia de ralhar o ti Zé Nicho.
José Teodoro Prata
(Publicado, neste blogue, a 24 de dezembro de 2009)
Sugestão: escrevem Natal na janela do alto, à esquerda, e aparece imensa coisa sobre o nosso Natal.
Sugestão: escrevem Natal na janela do alto, à esquerda, e aparece imensa coisa sobre o nosso Natal.
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