segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

António Matias



 
António Matias nasceu em São Vicente da Beira, no dia 26 de fevereiro de 1894. Era filho de Guilherme Matias dos Santos e de Antónia dos Santos, moradores na Rua do Convento.
Assentou praça, no dia 9 de julho de 1914, e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, em 13 de janeiro de 1915. Tinha a profissão de jornaleiro e sabia ler, escrever e contar. Foi vacinado.
Mobilizado para a Grande Guerra, embarcou para França, no dia 21 de janeiro de 1917, integrando a 8.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, no posto de soldado, com o n.º 639 e a placa de identificação n.º 9796. Na altura do embarque, António Matias já era casado.

Do seu boletim individual de militar do CEP constam as seguintes ocorrências:
a)    Punido em 9 de janeiro de 1917, com 6 dias de detenção (esta informação pode não estar correta ou ter-se devido à saída do quartel, uns dias antes, para se casar);
b)    Punido em 2 de maio de 1917, com 4 dias de detenção;
c)    Punido em 9 de maio, com 8 dias de detenção;
d)    Promovido a 1.º Cabo, em 21 de novembro de 1917;
e)    Colocado na Escola de Gás, em 20 de janeiro de 1918, onde fez o Curso Normal n.º 40;
f)     Colocado, como Impedido, na arrecadação da Companhia, em fevereiro do mesmo ano, com as funções de quarteleiro. Permaneceu nesse cargo até ao mês de maio.
g)    Regressou a Portugal no dia 28 de fevereiro de 1919.
Condecorações:
  • Medalha de cobre comemorativa da participação portuguesa na Grande Guerra com a legenda: França 2017-2018.

Família:
Antes de partir para França, António Matias já era órfão e namorava com Palmira Barroso, também ela já órfã de pai e mãe. Receando não voltar da guerra com vida, quis assegurar o futuro da namorada, casando com ela antes de embarcar. A filha Maria de Lurdes lembra-se de o ouvir contar:
«Era ainda rapaz novo, e sempre disse que havia de me casar cedo. A verdade é que quando assentei praça, já falava para a tua mãe. Estimava-a muito e ela também gostava de mim; até já tínhamos acordado o casamento, assim que eu acabasse a tropa. Quando fui mobilizado para a guerra, passou-me logo pela cabeça que o mais certo era não voltar de lá com vida e nunca nos chagaríamos a casar, mas depois jurei a mim mesmo que havia de a receber, desse o mundo as voltas que desse. Falei com ela e acordámos tratar dos papéis e casarmos antes de eu abalar para a França.
Nessa altura estava em Castelo Branco, no Regimento de Cavalaria. Como não havia transportes nem dinheiro nem dinheiro para eles, para virmos à terra, só a pé; de modos que na véspera do dia marcado saí do quartel já depois do sol-posto, e foi a noite toda a andar. Quando cá cheguei vinha estafado e cheio de fome, mas até parece que o coração me saltava do peito, de tanto contentamento.
Passei pelo ribeiro para me lavar, e depois passei por casa de um parente a pedir umas botas e um fato emprestados, porque os padrinhos não chegaram a tempo e não tinha que vestir nem que calçar. Depois fui chamar o padre e casámos ainda de manhã, na nossa igreja. Mal tive tempo de dar um beijo de despedida à tua mãe, porque foi só largar o fato e as botas, comer uma bucha e voltar logo a correr para Castelo Branco. Mas ia feliz! Por um lado, porque tinha realizado o desejo de casar com a mulher que tanto estimava, por outro, porque a deixava amparada.
Antes de embarcar ainda tornei à terra para ver se dormíamos ao menos uma noite juntos, mas ela não quis e eu respeitei-a. Por causa disto, enquanto por lá andei, mangavam com ela:
- Olha lá, ó Palmira, mas tu és solteira, és casada ou és viúva?
Ela não tinha papas na língua e respondia assim:
- Eu cá não sou solteira, que já me recebi na igreja; também não sou casada, que não conheci ainda homem nenhum, e viúva muito menos porque, que eu saiba, ele não morreu».
Passados nove meses do regresso de António Matias, nasceu-lhes a primeira filha. Tiveram depois mais três:
  1. Maria de Lurdes Barroso Matias casou com João Rodrigues Inês e tiveram sete filhos;
  2. Joaquim Matias Barroso, que casou com Maria de Jesus Sousa Campos e tiveram 1 filha;
  3. Mercês Barroso Matias, que casou com Adelino Rodrigues Inês e tiveram 4 filhos;
4.    Francisco Barroso Inês que casou com Maria José Barroso e tiveram 2 filhos.
António Matias trabalhou toda a vida no amanho da terra que herdou dos pais e outras que foi comprando. Cultivava tudo o que era necessário numa casa: pão, horta, vinho, azeite, etc. Sempre que era preciso, também fazia alguns trabalhos como jornaleiro, principalmente ao serviço do Hospital da Misericórdia. Quem conviveu com ele, lembra-o como uma pessoa boa e respeitada.
«O meu avô era uma pessoa muito boa e muito trabalhadora. E era muito meigo e muito humano. As melhores recordações que tenho da minha infância foram passadas com ele. Era muito meu amigo e mimava-me muito. Gostava de me levar a passear e quando ia a Lisboa, pelo Carnaval, a levar o azeite e outras coisas ao irmão que lá vivia, levava-me sempre com ele. Também era muito devoto e estava ligado a todas as instituições religiosas da nossa terra, desde os Irmãos do Santíssimo até à Ordem Terceira. E foi mesário da Santa Casa durante muito tempo.
Uma vez, tinha eu os meus 12 anos, ainda não havia luz cá na nossa terra, e ele vinha para casa, já de noite. Estava um nevoeiro tão grande que não se via nada à frente. Deve ter escorregado ou tropeçado, porque caiu e partiu a cabeça. Nunca mais ficou bom. Ainda esteve acamado durante muito tempo, mas por fim já nem nos conhecia. Uma noite, ouvi-o a respirar duma maneira tão estranha que me levantei a correr para ver o que é que ele tinha. Ainda lhe fui buscar um copo de água à cozinha, mas quando estava a ver se a bebia, morreu-me nos braços.
Tive um grande desgosto, mas costumo dizer que Deus até nisso foi meu amigo: levou-me o meu avô, que era das pessoas que eu mais gostava, mas deu-me uma irmã logo a seguir, a coisa que eu mais desejava, porque só tinha irmãos. A minha irmã Palmira nasceu no dia a seguir ao meu avô ter morrido.» (Testemunho da neta Maria Emília)
António Matias faleceu no dia 25 de Outubro de 1960. Tinha 66 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração da filha Maria de Lurdes Barroso e da neta Maria Emília Barroso Inês)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

Um comentário:

José Teodoro Prata disse...

Mais um combatentes que me é caro. Este António Matias era irmão da minha avó materna Doroteia. A minha mãe refere-se a ele como o tio António. E esta foto dele é extraordinária.
Por outro lado, uma das informadoras da Libânia foi a Maria Emília, falecida há poucos dias, que foi uma jovem incontornável na nossa comunidade, lá pelos anos 60 e 70.