terça-feira, 16 de maio de 2023

Gente Nossa

 Lourdes Pedro

É muito humana a ambição de deixar por escrito um testemunho sobre a própria vida. Ora, a quem interessa a vidinha de Fulano ou Sicrana?

Acontece que há vidas e vidas; e há livros-testemunho, digamos autobiográficos, que não se limitam à vidinha, que constituem janelas sobre lugares, sobre uma sociedade, sobre um certo tempo. Já li desses.

 

Vem isto a propósito de Lourdes Pedro: um esteio na vida de Edmundo Pedro. O livro com este título foi apresentado em 12 de Maio passado, na Associação 25 de Abril, na rua da Misericórdia (antiga rua do Mundo), ao Chiado, em Lisboa, um evento que juntou várias dezenas de pessoas.

Lourdes Ricardo Pedro é uma pessoa singular. A caminho do centésimo aniversário, disse no acto que ainda há-de escrever a contar a vida difícil que teve - ficamos à espera. Filha de João Ricardo e de Amélia de Jesus, ambos nascidos em São Vicente, foi casada com Edmundo Pedro, um homem que pagou um alto preço por se opor ao regime de Salazar. Um custo extensivo à família mais chegada, Lourdes e Sónia, mulher e filha.

O livro lançado naquele dia é de facto uma janela sobre um tempo, que se alarga aos anos pós 25 de Abril de 1974, o ambiente social, a vida de (e com) um homem durante décadas na mira (e vítima) da polícia política, a actividade e o sucesso profissional, pessoal e empresarial, situações vividas e pessoas com quem se deu, com quem se defrontou, que amou ou com quem simplesmente se cruzou. Lourdes Pedro, mulher generosa e lutadora, em discurso directo.

Construído com os testemunhos da própria, recolhidos em muitas horas de conversa, registados e organizados por Amílcar Faustino - sanvicentino por adopção - o livro, de que tenho neste momento um exemplar à minha frente, recomenda-se pela forma e pelo conteúdo. Lê-lo faz bem à saúde, mormente à saúde da alma.

Pergunto-me, a finalizar, se não seria interessante uma apresentação pública do livro na nossa Biblioteca, em São Vicente. E recordo: Lourdes Pedro: um esteio na vida de Edmundo Pedro, ed. Âncora Editora, 2023 (167+3 pp.).

Lourdes Pedro

A mesa: António Baptista Lopes, o editor; Lourdes Pedro; Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril; Elisio Summavielle, presidente do Centro Cultural de Belém, que fez a apresentação do livro; e Amílcar Faustino, autor-organizador da obra.

A assistência


A capa do livro

J Miguel Teodoro

(O autor desta notícia escreve segundo a antiga grafia)


Foto do José Barroso, para ilustrar o seu comentário (ver caixa de comentários):

Foto onde está a Lourdes Pedro (de preto) ao lado da mãe do José Barroso, ainda jovens. 

José Teodoro Prata, 17/05/1923

3 comentários:

Anônimo disse...

Um excelente texto José Miguel. Quanto mais não fora só por ele já valeria a pena ler o livro. Parabéns!

José Barroso disse...

O Edmundo Pedro tem uma história pouco comum que, sem dúvida, toca o topo da História mais recente de Portugal.
Pela mão da Paula Candeias (mulher do Amílcar Faustino), tenho os 3 livros de memórias do Edmundo Pedro autografados pela mulher deste, Lourdes Pedro, a protagonista do presente livro.
Já li alguma coisa do primeiro volume. Nele narra o autor, com muito pormenor, quando ainda muito jovem (15 anos), foi preso, como o pai, pela a sua atividade política.
Apenas alguns como ele (Mário Soares, Álvaro Cunhal, serão os mais conhecidos), tiveram a lucidez e o ideal capaz de compreender a realidade política e social do país, nos últimos três quartos do século XX. E, por mor desse ideal, arrostaram com os perigos, incómodos e prejuízos inerentes, para si e para as suas famílias. Foram as aventuras, os perigos, as detenções, as lágrimas, as fugas, a situação degradante nas prisões salazaristas.
A certa altura, por questões de ideário, deixou o Partido Comunista, a força política que melhor organização tinha em Portugal. E, como se sabe, este Partido detesta, sobremaneira, os ex-militantes porque os considera traidores, arrependidos e convertidos ao capitalismo. Em 1973, após a fundação do Partido Socialista, Edmundo Pedro tornou-se militante deste Partido a convite de Mário Soares. É elogiado por personalidades de quase todos os quadrantes; desde historiadores, políticos, militares, até ao bispo "vermelho", D. Manuel Martins.
Costuma dizer-se: "Atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher." Talvez mais ao lado do que atrás, digo eu. Por isso, penso que esta grande mulher (grande, desde logo, por tudo o que sofreu), merece esta homenagem e ainda bem que o Amílcar se lembrou de lhe fazer essa justiça.
A Lourdes Pedro, como já se tem aqui falado, é da minha (e da vossa) família. A mãe dela era tia da minha mãe, visto que era irmã da minha avó Hermínia. E, como também já disse aqui, a minha mãe falava muito delas, mas de política nunca se falava; era assunto tabu ou talvez houvesse apenas algum murmúrio, dada a situação à época.
A título de ilustração enviei ao José Teodoro, via e-mail, uma foto onde está a Lourdes Pedro (de preto) ao lado da minha mãe, ainda jovens. Talvez ele consiga colocá-la a seguir a este comentário.
Abraços, hã!
JB

M. L. Ferreira disse...

Creio que muita gente apoia a sugestão do José Miguel de fazermos, também em São Vicente, a apresentação deste livro. E que bom seria se a Lourdes Pedro pudesse visitar-nos também! Não terá mantido um contacto muito frequente com São Vicente, a terra dos pais, mas nós orgulhamo-nos dela, como de outros filhos de sanvicentinos que partiram e deixaram por cá apenas algum rasto nas memórias dos seus contemporâneos, mas de quem, de vez em quando, vamos tendo notícia (o Travassos, o Coluna...).
Há dias, a propósito de uma das últimas publicação que o José Teodoro fez dos Sanvicentinos na Grande Guerra, dei comigo a pensar no elevado número de militares que, depois da guerra, não regressaram à terra. É possível que tenha acontecido o mesmo em muitas localidades, principalmente do interior. Terá sido, não digo o primeiro e maior, mas um dos períodos de maior êxodo do mundo rural.
Já agora, ainda a propósito da Lourdes Pedro e as publicações, aqui no Blogue, dos Sanvicentinos na Grande Guerra, há uma fotografia dela com os pais e uma das irmãs e o irmão na publicação relativa ao João Ricardo, seu pai. Era ela muito jovem ainda, mas já com o ar determinado que a tem acompanhado vida fora.