Numa discussão entre uma sanvicentina e
uma tinalhense, cada qual defendia com unhas e dentes os pergaminhos do
respetivo berço. Uma porque São Vicente até tinha tido a Casa da Câmara; a
outra porque sim senhora, mas também lá tinham tido a Casa da Malta. A de cá
porque não havia como a Senhora da Orada; a outra porque havia lá santa mais
linda que a Rainha Santa Isabel! E casas antigas? E gente importante? E
histórias? Um nunca mais acabar, dum lado e do outro.
Ao fim de algum tempo, a nossa baixou
um pouco o fervor com que defendia São Vicente, até porque, em boa verdade,
reconhecia em Tinalhas uma das aldeias mais bonitas das redondezas.
- Mas não têm é uma Praça tão linda
como a nossa! – foi o último argumento da de cá.
- E onde é que os de São Vicente alguma
vez tiveram uma praça como a que nós cá tínhamos antigamente? Olhe, vendia-se
lá de tudo: hortaliças e frutas de toda a qualidade; carne, vinho, azeite,
leite de cabra e de vaca, que até nos perguntavam logo de qual é que queríamos;
queijos frescos e curados… Neste tempo as melancias eram tão grandes que era
preciso os braços de um homem para as abraçar. Era uma fartura de tudo! Vinha
gente de todo o lado a abastecer-se e todos os dias ia uma carroça cheia a vender
na praça de Castelo Branco.
Era além, onde está aquele portão
grande. É uma pena é agora estar naquele estado, mas o que é que se há de
fazer? Naquele tempo dava trabalho a muita gente. Entre pastores, criados de
fora e de dentro, pessoal que vinha só no tempo da azeitona, da monda ou das
ceifas, era uma tormenta de gente. Mas agora já ninguém quer saber da terra e
está tudo ao abandono…
Painéis de azulejos que ladeiam o portão da Casa Agrícola de Tinalhas.
Verdadeiros os dizeres do segundo painel e, não fosse a imagem da criança a
guiar a charrua e a miséria em que viviam os trabalhadores agrícolas, apesar de
trabalharem como escravos, até apetecia dizer que naquele tempo é que era…
Retrato do 1.º Visconde de Tinalhas, José Coutinho Barriga da Silveira
Castro da Câmara, pai de Tomás Aquino Coutinho Barriga da Silveira Castro e
Câmara, que foi presidente da Câmara de São Vicente da Beira e protagonista da
história “Um herdeiro”, aqui publicada em dezembro passado.
M. L. Ferreira