Sendo uma terra [São Vicente
da Beira] em que só havia agricultura, as pessoas não tinham emprego certo e
tinham que ganhar a vida das mais variadas formas. Os grandes proprietários, na
maior parte das vezes, não pagavam em dinheiro [anos 50 e 60]. Punham as terras
e os meios para tratar da lavoura e os trabalhadores apenas davam a
mão-de-obra. E a forma de pagar não era igual para todas as culturas. Por
exemplo, por um dia de trabalho normal, os homens recebiam meio litro de azeite
ou meio alqueire de trigo ou milho. Esta era a forma mais comum de serem
tratados os terrenos e os respetivo pagamento. Quando se tratava de uma cultura
específica, a forma de receberem já era diferente. Na cultura da batata, do
milho e do feijão, o proprietário dos terrenos, além de dar a terra, também
punha à disposição de quem trabalhava as ferramentas e a semente. O trabalhador
tratava de toda a faina agrícola, que passava pelo arranjo da terra, sementeira,
monda e rega, e quando se fazia a colheita era uma parte para o trabalhados e
três para o dono da terra.
No olival, a percentagem era
diferente. Aqui, o proprietário dava os terrenos e os olivais e o trabalhador
tinha que tratar das oliveiras, colher a azeitona, limpá-la e transportá-la
para o lagar que mais interessasse ao proprietário. Depois de recolhido o
azeite, o trabalhador ficava com uma parte e o dono do olival ficava com sete
partes. Naquele tempo, não ficava uma azeitona no chão. Tudo era aproveitado e
até havia quem, depois da colheita, ia ao rabusco,
ver se apanhava alguns quilos de azeitona, para poder fazer alguns litros de
azeite. Foram uns tempos muito difíceis, em que havia muita gente que nem
azeite tinha para pôr no caldo. O meu falecido pai ia do Valcaria para o Miguel
Vicente, a cerca de sete quilómetros, trabalhar na colheita da azeitona. Por
cada dia de trabalho, tinha de fazer catorze quilómetros a pé.
Na ceifa dos cereais, muitos
dos habitantes de São Vicente da Beira iam para os mais variados locais a fazer
a ceifa manual das grandes searas. O mais longe para onde foram trabalhar foi
para o Alto Alentejo e na zona da Beira Baixa iam para todo o lado: Tortosendo,
Lardosa, Alcafozes, Ladoeiro… Além do trigo, ceifavam centeio e aveia. Chegavam
a andar lá por mais de cinquenta dias, sem virem a casa. A percentagem que
recebiam era o chamado quinto, por isso diziam que iam ao quinto. Uma vida
muito dura! Quanto mais se ceifava, mais cereal trazíamos para casa. Por isso,
começava-se a trabalhar logo ao romper do sol, parávamos por volta das dez
horas para o almoço e à uma da tarde jantávamos. A seguir, dormíamos uma sesta
de uma hora e depois começávamos logo a ceifar. Isso durava até às seis da
tarde, quando comíamos a merenda e depois voltávamos ao trabalho até ao descorecer, altura em que era comida a
ceia. Dormíamos ao relento ou num cabanão de palha. Chegavam-se a juntar entre
trinta e cinquenta homens, todos a ceifar.
Depois da ceifa, tínhamos de
malhar os cereais. Numa eira grande, de terra batida ou de pedra, era espalhada
a palha e com os mongais ou em
propriedades maiores com as malhadeiras, que eram acionadas por tratores
através de uma polie. Acabada a malha
ou a debulha pela malhadeira, ainda se ficava lá mais dois ou três dias, para
se atar a palha ou fazerem-se uns castelos com a palha empinada. Finalmente,
regressávamos a casa com os cereais que foram ganhos com o trabalho e que eram
transportados em carros de vacas.
Andei nestas ceifas em 1963,
na Lardosa, quando o meu pai foi para a França. No ano de 1968, estive no
Tortosendo, para o mesmo trabalho. Eram sempre à volta de trinta homens, quase
todos já falecidos. Dos que me lembro, apenas cá andam três.
Relato de Joaquim Teodoro dos Santos, em pequena autobiografia, edição de autor, publicada pelo GEGA, em Janeiro de 2015.
Relato de Joaquim Teodoro dos Santos, em pequena autobiografia, edição de autor, publicada pelo GEGA, em Janeiro de 2015.
José Teodoro Prata