Julgo
que não achará descabida, ou prematura, esta pergunta. Realmente, se o Estado,
através da interpretação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), entendeu que
a lei não proibia a implantação de um cerejal numa albufeira de abastecimento
de água a dezenas de milhares de pessoas, por que não equacionar (e temer) uma
corrida a este novo faroeste dourado? O que vale para um, vale para todos,
sejam quantos forem; presumo que a APA o avaliou, quando assim decidiu.
Imagine que a criança da fábula
perguntava a quem não quer ver a nudez do rei: “E se estes 17 hectares passarem
a ser 34 e 68 e 136 e por aí fora?” A decisão da APA abre esse caminho para o
tal faroeste. Isto, não falando na eutrofização já instalada por outras razões
e cujas causas terão anos de vigência a montante da albufeira e estão equacionadas
por especialistas.
No imediato, enfrentamos o cerejal
de 17 hectares e o cortejo de poluentes que são carreados para esta nossa
albufeira no rio Ocreza. A comprovada utilização do fungicida “Pomarsol”
contamina gravemente o meio aquático e, segundo peritos, terá sido a causa de
morte de dezenas de peixes na altura das primeiras pulverizações. Ainda na fase
inicial, estando as árvores apenas com dois palmos e ocorrendo já problemas
desta natureza, imagino o que virá a passar-se quando as cerejeiras forem
adultas e tiverem mais corpo com dois, cinco, dez anos...
Ainda temos água de boa qualidade
garantida pela Estação de Tratamento de Água (ETA) mas os poluentes
provenientes dos fungicidas, herbicidas e pesticidas, utilizados na exploração
do cerejal, e a crescente poluição em fósforo e manganês diminuirão a
eficiência da ETA até ao limite de não poder garantir a necessária capacidade
de tratamento. Entretanto, haverá aumento substancial dos custos e degradação,
tecnicamente previsível, da qualidade da água que abastece as populações que
vivem no concelho de Castelo Branco e em parte dos de Idanha-a-Nova e Vila
Velha de Ródão.
A APA também sabe o que aconteceu
durante anos e anos em tantas áreas protegidas e de reserva agrícola e
ecológica que foram desqualificadas para uso de interesses especulativos. A APA
sabe (e o país também vai sabendo) de rias Formosas, Caparicas, Furadouros,
Tejos, Almondas, pastas de papel, fábricas de óleos, Nabões, suiniculturas, um
rol infindável gerido e comandado por egoísmos que vegetam em terras e águas
más. A APA sabe que muitas atividades trocaram equilíbrio, bem comum e visão de
futuro por laborações poluentes que as administrações do Estado foram (e vão)
permitindo. A APA sabe muito mais do que nós acerca das dinâmicas dos obscuros
interesses que por aí andam.
Também sabe e todos sabemos, não só
na pele como no mais extenso e fundo corpo de comunidade, o que tivemos de
pagar em recursos financeiros e em não-desenvolvimento (e antidesenvolvimento)
nestas operações que satisfazem os deleites dos servidores do deus dinheiro.
Na falta do Estado de que
precisamos, e perante o menos (e pior) Estado com que nos vêm castigando,
precisávamos, por exemplo, de uma operação de investigação jornalística
qualificada que ouvisse especialistas, como ouvimos, em 29 de maio, na
Conferência Técnica em Defesa da Albufeira de Santa Águeda/ Marateca. Uma
investigação que desvendasse a realidade de muitas suspeições e as relacionasse
com a realidade dos dados e dos factos. E que iluminasse as sombras onde
vegetam muitos silêncios.
Costa Alves - mcosta.alves@gmail.com
Reconquista, 14/06/2017
José Teodoro Prata