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quinta-feira, 22 de junho de 2017

Santa Águeda: e se se multiplicarem cerejais

Julgo que não achará descabida, ou prematura, esta pergunta. Realmente, se o Estado, através da interpretação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), entendeu que a lei não proibia a implantação de um cerejal numa albufeira de abastecimento de água a dezenas de milhares de pessoas, por que não equacionar (e temer) uma corrida a este novo faroeste dourado? O que vale para um, vale para todos, sejam quantos forem; presumo que a APA o avaliou, quando assim decidiu. 
            Imagine que a criança da fábula perguntava a quem não quer ver a nudez do rei: “E se estes 17 hectares passarem a ser 34 e 68 e 136 e por aí fora?” A decisão da APA abre esse caminho para o tal faroeste. Isto, não falando na eutrofização já instalada por outras razões e cujas causas terão anos de vigência a montante da albufeira e estão equacionadas por especialistas. 
            No imediato, enfrentamos o cerejal de 17 hectares e o cortejo de poluentes que são carreados para esta nossa albufeira no rio Ocreza. A comprovada utilização do fungicida “Pomarsol” contamina gravemente o meio aquático e, segundo peritos, terá sido a causa de morte de dezenas de peixes na altura das primeiras pulverizações. Ainda na fase inicial, estando as árvores apenas com dois palmos e ocorrendo já problemas desta natureza, imagino o que virá a passar-se quando as cerejeiras forem adultas e tiverem mais corpo com dois, cinco, dez anos...
            Ainda temos água de boa qualidade garantida pela Estação de Tratamento de Água (ETA) mas os poluentes provenientes dos fungicidas, herbicidas e pesticidas, utilizados na exploração do cerejal, e a crescente poluição em fósforo e manganês diminuirão a eficiência da ETA até ao limite de não poder garantir a necessária capacidade de tratamento. Entretanto, haverá aumento substancial dos custos e degradação, tecnicamente previsível, da qualidade da água que abastece as populações que vivem no concelho de Castelo Branco e em parte dos de Idanha-a-Nova e Vila Velha de Ródão. 
            A APA também sabe o que aconteceu durante anos e anos em tantas áreas protegidas e de reserva agrícola e ecológica que foram desqualificadas para uso de interesses especulativos. A APA sabe (e o país também vai sabendo) de rias Formosas, Caparicas, Furadouros, Tejos, Almondas, pastas de papel, fábricas de óleos, Nabões, suiniculturas, um rol infindável gerido e comandado por egoísmos que vegetam em terras e águas más. A APA sabe que muitas atividades trocaram equilíbrio, bem comum e visão de futuro por laborações poluentes que as administrações do Estado foram (e vão) permitindo. A APA sabe muito mais do que nós acerca das dinâmicas dos obscuros interesses que por aí andam. 
            Também sabe e todos sabemos, não só na pele como no mais extenso e fundo corpo de comunidade, o que tivemos de pagar em recursos financeiros e em não-desenvolvimento (e antidesenvolvimento) nestas operações que satisfazem os deleites dos servidores do deus dinheiro.
            Na falta do Estado de que precisamos, e perante o menos (e pior) Estado com que nos vêm castigando, precisávamos, por exemplo, de uma operação de investigação jornalística qualificada que ouvisse especialistas, como ouvimos, em 29 de maio, na Conferência Técnica em Defesa da Albufeira de Santa Águeda/ Marateca. Uma investigação que desvendasse a realidade de muitas suspeições e as relacionasse com a realidade dos dados e dos factos. E que iluminasse as sombras onde vegetam muitos silêncios. 
Costa Alves - mcosta.alves@gmail.com
Reconquista, 14/06/2017
José Teodoro Prata