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terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

António Marques



António Marques nasceu em São Vicente da Beira, no dia 30 de março de 1895. Era filho de Francisco Marques e Maria Bárbara.
Assentou praça no dia 19 de junho de 1916, como recrutado, e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21. Pronto da instrução da recruta, em 29 de abril de 1916, domiciliou-se em São Vicente da Beira. Era, na altura, analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.
Mobilizado para a guerra, embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917. Fazia parte da 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado, com o n.º 437 e a placa de identidade n.º A-8893. Foi vacinado.
No seu boletim individual apenas consta uma diligência a Paris, entre os dias 11 e 21 de junho de 1918. Regressou a Portugal, no dia 28 de fevereiro de 1919, a bordo do vapor Helenus.



António Marques com a farda da GNR

Em fevereiro de 1920 ingressou na GNR, como soldado de 2.ª classe. Foi promovido a soldado de 1.ª, em julho, e a aprendiz de corneteiro, em novembro do mesmo ano. Em agosto de 1921, foi promovido a 2.º Cabo Corneteiro, passando a integrar o Batalhão n.º 2 do Regimento de Infantaria 21. Em 16 de abril de 1922, por efeito de reorganização, passou ao Batalhão n.º 2 da GNR. Licenciado em 2 de fevereiro de 1922, regressou novamente à terra.
Condecorações:
  • Medalha Militar de cobre com a legenda: França 1917-1918;
  • Esta medalha foi substituída pela Medalha Militar de cobre da classe de Comportamento Exemplar, pelo Decreto 6568, de 24 de abril de 1920. (O Comandante Interino do seu batalhão, numa informação de serviço com a data de 7 de março de 1922, faz referência ao cumprimento zeloso dos seus deveres e ao seu exemplar comportamento);
  • Medalha da Vitória.
Família:
António Marques e Maria de Jesus Paulino casaram-se, em maio de 1923, e tiveram quatro filhos:
  1. Felicidade de Jesus, que casou com José Ramos e tiveram 7 filhos;
  2. José Marques, que casou com Carlota Caio e tiveram 7 filhos;
  3. Deolinda de Jesus, que casou com Joaquim Paulino e tiveram 4 filhos;
  4. Maria Bárbara Marques, que casou com Manuel Mateus Jerónimo e tiveram 2 filhos.
António Marques com a esposa, filhos e netos

«Não gostava muito de falar dos tempos da Guerra, mas quando lhe perguntávamos como é que era a França, respondia-nos que era uma terra muito longe, de muita miséria, e tinham lá passado muita fome e muito frio; que a única coisa que lá havia com fartura era piolhos.
Diz que às vezes andavam tão desacorçoados que só tinham era vontade de chorar. Por causa disso até inventou uma cantiga que era assim:

Soldado que vais p’ra guerra,
Vais deixar a tua terra,
O cantinho do teu lar;
Tantas mágoas te consomem,
Mas não choras porque és homem,
E é feio um homem chorar.

Às vezes puxávamos por ele e contava-nos que um dia passaram por um sítio onde viram umas raparigas muito bonitas. Eles, rapazes novos, ficaram todos contentes e alguns saíram da formatura e deixaram-se ficar para trás, para ver se arranjavam namoro com alguma delas. Pelos vistos não conseguiram grande coisa, apesar de, como ele dizia, a mãe duma das mademóselas dizer para a filha: «Leonilde, fé bisu à Antoane!». Mas nunca nos disse se sempre tinha conseguido um beijinho. Diz que depois é que foram elas, porque se perderam e viram-se e desejaram-se para encontrar os companheiros. E, claro, quando chegaram foram castigados.

José da Silva Lobo (José Cipriano) e António Marques

Quando voltou da guerra, em 1919, entrou para a GNR e ficou colocado em Lisboa. Andou por lá alguns anos, mas entretanto começou a namorar a minha mãe e, como ela não quis abalar para Lisboa, ele fez-lhe a vontade: deixou a Guarda e voltou para a terra.
Teve uma vida de muitas dificuldades, igual à da maior parte das pessoas desse tempo, mas a verdade é que era do trabalho do campo que ele gostava. Semeava de tudo um pouco, mas apesar de trabalhar muito, a fartura não era grande, porque as colheitas às vezes mal davam para as rendas e as sementes. Os tempos também eram difíceis, porque não havia dinheiro, mas também havia pouco que comprar por causa das outras guerras que vieram a seguir àquela em que ele tinha andado. Houve alturas em que, para se comprar um bocadinho de açúcar ou um rabo de bacalhau, tínhamos que ficar horas numa bicha.
Ficou viúvo em 1962, e em 1968, quando eu fui para França, levei-o comigo e viveu lá ainda durante dezasseis anos. Mal ele adivinhava que, passado tanto tempo, havia de voltar àquela terra onde tanto tinha sofrido! Mas desta vez as condições eram outras e ele viveu estes anos com alguma tranquilidade, mas sempre com o pensamento em Portugal.
Em 1984, viemos passar férias e ele ficou doente e já não quis voltar para França. Morreu passados poucos meses, na terra de que mais gostava!» (testemunho da filha Maria Bárbara).
António Marques faleceu no dia 19 de maio de 1985. Tinha 90 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração das filhas Felicidade Marques e Maria Bárbara Marques)


Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"