Vinham quase sempre pelas festas, feiras e
romarias, mas também apareciam muitas vezes aos domingos, depois da missa. Um
de chapéu estendido à generosidade do povo; o outro, ceguinho, a tocar e a cantar. E era uma animação, com a Praça ainda
mais cheia a escutar aquelas cantigas que falavam de amores e desamores,
traições, infidelidades e tantas outras situações costumeiras daqueles tempos.
Eram muitas vezes relatos violentos que acabavam quase sempre com a morte de
um, senão dos dois protagonistas da história.
Um dia compraram-me um folheto que falava de
um rapaz que, por ciúmes, matou a namorada e foi preso. Já só me lembro do
final:
Ó Laurida, ó Laurinda
Ó Laurinda dum
ladrão,
Se não fosses tão
bonita
Não estava eu na
prisão.
Naquele tempo, ainda uma criança, achava que
o amor era assim, capaz de matar ou de querer morrer por alguém, qual Romeu e
Julieta. E sonhava que era eu a heroína daquela história…
Há dias, estive no concerto de apresentação
do disco “Cantos de cego da Galiza e Portugal” de Ariel Ninas e César Prata.
Partilho a letra duma cantiga que acho das mais bonitas, mas também das mais
“levezinhas”:
Florinda, vem à
janela
Que eu quero falar
contigo,
Se tu não vens à
janela
Dou um tiro no
ouvido.
Dou um tiro no ouvido
Dou um tiro no coração,
Ó minha mãe venha ver
O Mário morto no
chão.
Que fizeste tu
Florinda
Para se o Mário
matar?
Eu pedi-lhe as minhas
cartas
Para o namoro acabar.
No dia do funeral
Tudo foi a
acompanhar,
Só a mãe da
Florindinha
Ficou em casa a
chorar.
Tira o luto, ó Florinda,
Que o luto não te diz
bem,
Se quisesses bem ao
Mário
Matavas-te a ti
também.
Da janela do meu
quarto
Vejo a pedra
ensanguentada
Onde o Mário se matou
Por causa da
namorada.
Da janela do meu
quarto
Vejo as portas do
cemitério
Onde o Mário está dormindo
O seu soninho eterno.
M. L. Ferreira