Naquele tempo, havia poucos médicos e o
dinheiro para consultas e medicamentos ainda era menos, por isso os mais pobres
não tinham outro remédio senão recorrer aos santos da sua devoção ou aos
curiosos, para se tratarem de qualquer mazela de que padecessem. Havia-os por
todo o lado e para quase tudo usavam benzeduras, rezas e mezinhas feitas com o
que tinham à mão.
Para problemas de ossos, não havia como
o Endireita da Paradanta. Tinha uma fama tão grande que era procurado até por
gente que vinha de longe. Dizem que às vezes lhe chegavam à porta tolhidos das
costas ou com pernas e braços que mal podiam mexer e saíam de lá como se não
fosse nada com eles. Por modos, até os médicos lhe mandavam os doentes, quando já
não se entendiam com os males de que se queixavam.
Mas, como em todo o lado, aqui nas
nossas terras há muita gente que não pode ver uma camisa lavada a um pobre e
havia quem tivesse inveja de alguns bocaditos de terra que ele ia comprando à
custa do trabalho que fazia. Devem ter ido dar parte dele, que um dia a
autoridade bateu-lhe à porta.
- Como é que vossemecê se chama?
- Por enquanto ainda sou João; João
Faustino, senhor guarda.
- Então e é vossemecê que anda aí a
fazer-se passar por doutor?
- Não senhor, senhor guarda, que não
estudei para isso. Desde pequeno que sou ferreiro, que foi a arte que o meu pai
me deixou.
- Não estudou p’ra doutor, mas até
parece; que por modos não lhe falta freguesia à porta.
- Olhe, senhor guarda, lá isso é
verdade, mas os doutores fazem o serviço deles e eu faço o meu, que neste mundo
há trabalho para todos. Mas sempre lhe digo que para levar os ossos ao lugar,
não há pai p’ra mim.
- Ai ele é assim? Então já vamos a ver
se é como vossemecê diz. Traga-me aí uma galinha.
- Trago até duas, que tenho um
galinheiro cheio delas, bem gordas.
- Para o que é, basta uma!
O ti João foi à capoeira, apanhou a
galinha mais gorda e entregou-a a um dos guardas. Nem quis crer quando o viu
agarrar no animal pelas patas, pegar no bastão e quebrar-lhas pelo meio.
- Agora é que vamos a ver se é como
vossemecê diz! Pegue lá no bicho e ponha-o outra vez a andar, se for capaz.
O endireita agarrou no frango e, mexe
daqui, puxa dali, roda dacolá, passado um bocado põe-no outra vez no chão. O
animal, mal se viu à solta, ó pernas para que vos quero! Desatou a correr por
ali fora e já ninguém o agarrou. Os guardas até ficaram aparvalhados.
- Sim senhora, por esta é que nós não
estávamos à espera! Olhe, ti João, fique cá com Deus e governe a sua vida, que
bem merece. Nós já levamos que contar.
M. L. Ferreira