Felisberto
Coelho Telles Jordão Monteiro não nasceu em São Vicente, mas terá vindo viver
para cá ainda jovem, dizem que para substituir o pai, que tinha adoecido, no
cargo de Secretário da Administração do Concelho (coisas das monarquias, que
teimam em persistir na atualidade…).
Tinha
vinte e um anos quando se casou com Mariana Augusta Ribeiro Robles, um pouco
mais velha que ele, filha de Maria Rita Paulina e José Ribeiro Robles. Como os
pais casaram algum tempo após o nascimento da filha, Mariana aparece como filha
natural em todos os registos paroquiais. Curiosamente, apenas no registo de
óbito é referido o nome do pai.
O
casal teve muitos filhos, como era habitual naqueles tempos:
1. Maria
da Glória Robles Monteiro (1873) que casou com Manuel de Brito Coelho de Faria,
Amanuense da Administração do Concelho de Castelo Branco. Também tiveram muitos
filhos, alguns dos quais morreram ainda crianças;
2. Maria
Albertina Robles Monteiro (1875) que foi professora e morreu solteira. Dizem
que tirou o curso por vontade do pai, que não se conformava por, em São
Vicente, haver tanta gente analfabeta. A escola era numa sala da casa da
família, na rua Nicolau Veloso. Contam que Maria Albertina era muito religiosa
e que, sempre que o relógio dava as horas, mandava levantar os alunos e
rezavam: Bendita seja a hora, bendito
seja o dia, bendita seja a pureza da Virgem Maria. Tanto este relógio como
a palmatória, que seria usada com alguma frequência, ainda estão guardados como
verdadeiras relíquias;
3. Felisberto
Robles Monteiro (1878) que faleceu com pouco mais de um ano (um dado curioso é
que a madrinha da criança foi a irmã Maria da Glória que, na altura, tinha
cinco anos de idade);
4. Ângela
Robles Monteiro (1880) que foi freira Doroteia e faleceu em Nápoles;
5. Maria
Amália Robles Monteiro (1883) que casou com José Gomes Barroso e também tiveram
muitos filhos, entre eles um que foi padre: o Padre Albertino;
6. Maria
Guilhermina Robles Monteiro (1883), gémea com Maria Amália, que morreu quase à
nascença;
7. Hermínia
Robles Monteiro (1885) que morreu solteira;
8. Felisberto
Robles Monteiro (1888) que estudou no seminário e no Colégio de S. Fiel, e fez
depois o Curso Superior de Letras. Foi ator e encenador, e casou com Amélia Rey
Colaço, também atriz. O casamento não terá sido do agrado dos pais, devido à profissão
da noiva, e levou tempo até que fosse aceite pela família.
Para
além de Secretário da Administração do Concelho, Felisberto Jordão Monteiro
terá sido também Provedor da Misericórdia de São Vicente da Beira, onde ainda
se encontra uma reprodução do retrato que encima este artigo.
Seria
uma pessoa de bem, honesto e zelador dos interesses do concelho. Uma das
bisnetas partilhou comigo algumas das histórias que, sobre ele, ainda se contam
na família:
Um
dia vinha a descer as escadas do edifício da Câmara, elegantemente vestido,
cartola na cabeça, bengala pendurada no braço, quando se depara com outro
funcionário que andaria a meter dinheiros públicos ao bolso. Ao cruzar-se com
ele, pára, olha-o de frente, ergue a bengala no ar e berra-lhe: «gatuno,
azeiteiro, ladrão desta Câmara, desapareça-me da frente ou vai já pelas escada
abaixo!». Não se sabe como é que a coisa acabou…
Diz
que outra vez, já noite, terá recebido uma notícia que o deixou desassossegado.
Tão desassossegado que, apesar da escuridão e do frio da noite, aparelhou o
cavalo, vestiu o capote e disse para a mulher que tinha que ir a São Fiel. A
mulher, preocupada, ainda tentou convencê-lo de que fosse apenas de manhã cedo,
mas ele não lhe deu ouvidos. Só lhes restou ficarem todas, a mulher e as filhas
(o filho seria ainda criança), a espreitar por uma janela, cheias de medo, a
vê-lo desaparecer ao fim da rua, na escuridão. Não se conhecem ao certo os
motivos desta viagem noturna tão urgente, mas constou-se que levaria uma
bandeira inglesa que hasteou no Colégio para evitar a sua ocupação, não se sabe
por que forças…
Felisberto
faleceu ainda novo, em 1901; tinha 50 anos de idade. Apesar dos muitos filhos
que teve, não lhe restam muitos descendentes porque a maior parte dos filhos e
netos não casaram ou não tiveram descendência. A casa onde viveu ainda se
mantém na família e guarda muitas das memórias de várias gerações.
M.
L. Ferreira