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quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José da Silva Lobo 

José da Silva Lobo, filho único de Cipriano da Silva Lobo e Emília Maria Jerónimo Lopes, nasceu no Casal da Fraga, a 23 de Agosto de 1895.

Frequentou a escola primária e teve como professor o Padre José Antunes que, para além de o ter ensinado a ler, escrever e contar, o ensinou também a falar línguas estrangeiras.

Na juventude, aprendeu a tocar requinta, na filarmónica de São Vicente da Beira, e aprendeu também o ofício de alfaiate, profissão que tinha quando assentou praça.

Após ter concluído a instrução da recruta, foi mobilizado para integrar o Corpo Expedicionário Português e embarcou para França, no dia 21 de Janeiro de 1917, integrando a 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 438 e a placa de identidade n.º 8894.

Do seu boletim individual de militar do CEP constam, entre outras, as seguintes informações:

a)   Promovido a 2.º Cabo, em 1 de abril de 1917, e a 1.º Cabo, a 12 de maio do mesmo ano;

b)   Em setembro de 1917, iniciou serviço no S.B.F. (Serviço de Bandas e Fanfarras?) onde continuou até julho de 1918;

c)    Licença de campanha de 1 de maio até 23 de junho de 1918;

d)   Promovido a 2.º Sargento Miliciano, em 18 de outubro de 1918;

e)   Entre o final de 1918 e março de 1919, foi em várias diligências a Paris, a fim de ali desempenhar um serviço dependente da comissão de codificação das disposições de execução permanente em vigor no CEP (contava que acompanhava os seus superiores servindo de tradutor);

f)     Regressou a Portugal, em 4 de maio de 1919.




Louvores e condecorações:

·        Louvado em 17 de abril de 1918, pelo diretor do S.B.F., «pelas muitas qualidades demonstradas durante a ofensiva alemã de 9 de Abril, desempenhando dedicada e serenamente o serviço de que estava incumbido, contribuindo valiosamente para que se tivesse salvado o arquivo do S.B.F.» (boletim individual do CEP);

·        Medalha comemorativa das campanhas do Exército Português em França;

·        Medalha da Vitória;

·        Cruz de Guerra pelos actos heróicos praticados em França.

Para além destas, recebeu ainda outras condecorações que não foi possível identificar e terá estado na primeira fila do Desfile da Vitória, nos Campos Elísios, após a assinatura do armistício.




Família:

Depois de regressar a Portugal, José da Silva Lobo ainda permaneceu algum tempo em Lisboa, fazendo parte do quadro privativo da Escola de Guerra. Foi lá que conheceu Maria da Piedade Dinis Mendes, a companheira da sua vida. Tiveram três filhos:

1.    Cipriano Dinis Mendes da Silva Lobo, que casou com Celeste Apolinário e tiveram dois filhos;

2.    Alfredo Dinis da Silva Lobo, que casou com Aurelina Afonso e tiveram dois filhos;

3.    Zulmira Mendes da Silva Lobo (herdou do pai as mãos e a voz de artista), que casou com Manuel Barata Lopes e tiveram três filhos.

Passados alguns anos, o casal fixou residência no Casal da Fraga onde, além de carteiro, José da Silva Lobo foi também alfaiate. Mas do que ele mais gostava era de tratar da sua horta e do pequeno rebanho de cabras que tinha. Dizem que às vezes até se esquecia das horas, e tinham que o chamar para regressar a casa. Foi também secretário da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente da Beira durante alguns mandatos e pertenceu à Banda Vicentina.

Para além de ser um bom tocador de requinta, cantava muito bem, sobretudo o fado. Tinha um amigo, o Hermenegildo Marques, que tocava guitarra, e juntavam-se muitas vezes para tocar e cantar numa taberna que havia no Casal da Fraga. Era farra até altas horas. Outras vezes, de verão, quando ia regar de manhã ou à noite, ao serão, punha-se a cantar. Assim que o pressentiam, muita gente da Vila corria para a Estrada Nova só para o ouvir. Alguns até traziam bancos de casa para se sentar. De tão bem que cantava, chamavam-lhe o “Passarinho da Ribeira”.

José Cipriano foi toda a vida uma pessoa boa, e por isso muito querida dos seus conterrâneos. Faleceu no dia 11 de Abril de 1955. Ainda não tinha completado 60 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração da filha Zulmira da Silva Lobo e da neta Susana Lopes)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quinta-feira, 2 de março de 2017

Torturas

Bom homem, o Ti Zé Cipriano. Cantava que nem um rouxinol e para contar histórias, estava por ali… Mas ai de quem se risse ou dissesse alguma coisa enquanto ele falava, que abria muito os olhos e punha logo tudo em sentido. Um dia contou-nos esta assim, a mim e à minha mãe:
«Quando vim da Guerra, fiquei em Lisboa como impedido dum General. Gostava muito dele, e ele a mim tratava-me como a um filho. Para onde quer que fosse levava-me sempre a acompanhá-lo, e foi com ele que aprendi muitas das coisas que sei hoje
Um dia fomos os dois à Torre do Tombo, que ele era muito dado a essas coisas antigas, e encontrou lá um livro que contava a história dum padre que por modos, entre missas e confissões, não havia saias nas redondezas com que não se metesse. Era raro o ano em que não aparecia na terra mais um ou dois cachopitos que eram a cara chapada dele. Por modos chegaram a conhecer-se-lhe p’ra cima de trinta, entre fêmeas e machos.
E andou por lá muitos anos a pregar, a comer boas galinhas e a esfregar as mãos de contente enquanto sacudia a batina.
Na terra toda a gente sabia dos pecados do padre, mas eram tempos de miséria e de medo, e muitas vezes até as mães e os pais fechavam os olhos e os ouvidos, na esperança de verem as filhas fugirem à pobreza em que viviam. Que havia alguns que aperfilhavam os filhos e até punham casa às raparigas. Mas este é que não ia nessa, e nunca reconheceu nenhum dos inocentes, nem deu uma fatia de pão a ninguém, apesar de todos saberem que tinha muito de seu.
Naquele tempo reinava em Portugal um rei que o que queria era divertir-se e comer do bom e do melhor. Como não tinha mão no País, era o ministro que mandava e fazia tudo à maneira dele. Por modos até era bom ministro e leal ao rei, mas era um ganancioso, com a mania das grandezas e mau como as cobras. Só fazia o que tinha na ideia e lhe desse proveito, nem que tivesse que mandar expulsar ou matar os que lhe fizessem frente.   
Um dia chegou-lhe aos ouvidos a história do padre e ele próprio ditou-lhe a sentença: Que o atassem a um cavalo montado por um cavaleiro com boas esporas, e dessem tantas voltas ao castelo quantas fossem precisas até não ter pinga de sangue; e no fim de morto que deitassem os restos às feras. Os bens dele, todos confiscados, que logo se veria o que fazer com eles.
Assim que lhe chegou aos ouvidos a sentença do ministro, o padre tratou de se esconder o melhor que pode. E tal era o esconderijo que durante uns tempos ninguém soube onde é que se tinha metido. Passados uns tempos, o rei morreu e, como não tinha filhos varões, quem lhe sucedeu foi a filha. Diziam que tinha pouco juízo, mas coragem não lhe faltava. Tratou logo de despedir o ministro e acabar com muitas das leis que ele tinha feito.
Quando lhe chegou aos ouvidos a sentença do padre, mandou-o procurar e perguntou-lhe quantos eram os filhos que tinha tido.
- Saiba Vossa Alteza que são dezoito machos e pr’aí uma dúzia de fêmeas.
De boca aberta, a rainha virou-se para o novo ministro e exclamou:
- Como é que se pode mandar matar um homem que deu tantos filhos à nação? Ainda por cima sendo homens, o mais deles!
E para o padre:
- Abale lá para a sua terra e a partir de agora cumpra os Mandamentos e dê de comer a quem tem fome!
- Creia Vossa Alteza que assim farei.
Por modos já estava velho e nunca mais se ouviu falar dele, nem de mais nenhum rebento».

Esta história foi-me contada há algum tempo por uma vizinha que ainda se lembra do senhor José da Silva Lobo, mais conhecido por Zé Cipriano. Lembrei-me dela quando há dias vi estas imagens de instrumentos e práticas de tortura da Inquisição:




Voltei a lembrá-la há umas semanas, a propósito das declarações de Donald Trump sobre a eficácia da tortura e a ideia de que se deve combater o fogo com o fogo. Se é por demais lamentável que, apesar de proibida, a tortura seja ainda uma prática frequente em muitos países, incluindo Portugal, há alguma diferença entre essas situações (que mais não seja porque podem ser denunciadas e punidas) e o que defende o presidente de uma das nações mais influentes do mundo.

«Olho por olho, e o mundo ficará cego…», M. Gandhi

M. L. Ferreira