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segunda-feira, 13 de maio de 2019

O Juiz dos Órfãos


Aqui no blogue já se fez referência, algumas vezes, ao Juiz dos Órfãos, figura que existiu, durante vários séculos, em muitas vilas e lugares, incluindo São Vicente da Beira. Deixo algumas achegas que penso serem interessantes:
A proteção dos bens e interesses dos órfãos foi, desde há muito tempo, uma preocupação do Estado. Até ao início do século XVI, na maior parte das localidades, essa proteção era assegurada pelo Juiz Ordinário, mas havia comarcas onde já existiam juízes cujas competências eram, exclusivamente, os assuntos relativos aos órfãos menores de idade.
Em 1521, as Ordenações Manuelinas decretaram a criação da figura do Juiz dos Órfãos em todas as vilas e lugares que, com os respetivos termos, tivessem mais de 400 vizinhos; nas localidades mais pequenas, essas funções eram asseguradas pelo Juiz Ordinário. Mais tarde, as Ordenações Filipinas confirmaram estas determinações.
O Juiz de Órfãos não tinha obrigatoriamente que ter formação jurídica, ou pelo menos não tinha que ter terminado essa formação. A sua escolha era fundamentada sobretudo na integridade moral e no reconhecimento social. Era, por isso, um cargo de grande prestígio e responsabilidade para quem o ocupava.
A função destes juízes era assegurar a salvaguarda dos bens dos menores órfãos de pai, uma vez que à mulher viúva não era reconhecido o papel de administradora do património da família.
Assim, quando o chefe da família falecia, se deixasse filhos solteiros menores de 25 anos, competia ao Juiz de Órfãos ordenar a elaboração de um inventário de todos os bens, e o depósito de dinheiro ou objetos de valor numa espécie de cofre do qual seria depositária uma pessoa de reconhecida idoneidade. Nesse cofre estavam também dois livros, um de receitas e outro de despesas, onde eram registados todos os movimentos de entrada e saída de dinheiro relacionado com proventos ou despesas do menor. O controlo destes movimentos era feito regularmente pelo Juiz.
Era a ele que competia também autorizar o arrendamento, venda ou aforo de terras de que o menor fosse proprietário. Por último, competia-lhe ainda autorizar o casamento do órfão, caso este não tivesse completado 25 anos de idade. 

Registo de casamento de Joaquim Lourenço e Theresa Antunes. Por ser órfã de pai e menor de idade (tinha 24 anos), a noiva necessitou da autorização do Juiz dos Órfãos.

Para além dos órfãos menores, o Juiz dos Órfãos era também responsável pelos expostos quando estes tivessem completado os sete anos de idade, altura em que deixavam de estar sob a tutela das instituições responsáveis pela sua criação (autarquias, hospitais, misericórdias ou hospícios).
No caso dos expostos, que para o efeito eram considerados também órfãos, como não possuíam bens de família para administrar, o papel do Juiz resumia-se quase exclusivamente à sua inserção no mercado de trabalho: arranjar quem quisesse empregá-los ou acolhê-los, e cuidar que lhes fossem pagos os respetivos salários. Esta responsabilidade terminava quando o indivíduo em causa atingisse a maioridade, que, paradoxalmente, era aos vinte anos, cinco anos mais cedo que os restantes cidadãos.
Nos Registos Paroquiais que consultei aparece várias vezes a referência ao Juiz dos Órfão, mas nunca, claramente, o nome dele. É possível que, em determinada altura tivesse sido José Ribeiro Robles, como sugeriu o José Teodoro. Foi escrivão da Câmara de São Vicente da Beira, uma pessoa notável e prestigiada, que é referido muitas vezes como padrinho ou testemunha nos registos de batismo de crianças expostas.

M. L. Ferreira

Nota: Para saber mais sobre este assunto, basta ir ao Google e procurar em: Livro 1 Tit. 88: Dos Juízes dos Órfãos. É interessante perceber a preocupação que, há tanto anos, já havia com os órfãos, ao ponto de se legislar, com grande minúcia, sobre a salvaguarda dos seus direitos e interesses patrimoniais.