Aqui
no blogue já se fez referência, algumas vezes, ao Juiz dos Órfãos, figura que
existiu, durante vários séculos, em muitas vilas e lugares, incluindo São
Vicente da Beira. Deixo algumas achegas que penso serem interessantes:
A
proteção dos bens e interesses dos órfãos foi, desde há muito tempo, uma
preocupação do Estado. Até ao início do século XVI, na maior parte das
localidades, essa proteção era assegurada pelo Juiz Ordinário, mas havia
comarcas onde já existiam juízes cujas competências eram, exclusivamente, os
assuntos relativos aos órfãos menores de idade.
Em
1521, as Ordenações Manuelinas decretaram a criação da figura do Juiz dos Órfãos
em todas as vilas e lugares que, com os respetivos termos, tivessem mais de 400
vizinhos; nas localidades mais pequenas, essas funções eram asseguradas pelo
Juiz Ordinário. Mais tarde, as Ordenações Filipinas confirmaram estas
determinações.
O
Juiz de Órfãos não tinha obrigatoriamente que ter formação jurídica, ou pelo
menos não tinha que ter terminado essa formação. A sua escolha era fundamentada
sobretudo na integridade moral e no reconhecimento social. Era, por isso, um
cargo de grande prestígio e responsabilidade para quem o ocupava.
A
função destes juízes era assegurar a salvaguarda dos bens dos menores órfãos de
pai, uma vez que à mulher viúva não era reconhecido o papel de administradora do
património da família.
Assim,
quando o chefe da família falecia, se deixasse filhos solteiros menores de 25
anos, competia ao Juiz de Órfãos ordenar a elaboração de um inventário de todos
os bens, e o depósito de dinheiro ou objetos de valor numa espécie de cofre do
qual seria depositária uma pessoa de reconhecida idoneidade. Nesse cofre
estavam também dois livros, um de receitas e outro de despesas, onde eram
registados todos os movimentos de entrada e saída de dinheiro relacionado com
proventos ou despesas do menor. O controlo destes movimentos era feito regularmente
pelo Juiz.
Era
a ele que competia também autorizar o arrendamento, venda ou aforo de terras de
que o menor fosse proprietário. Por último, competia-lhe ainda autorizar o
casamento do órfão, caso este não tivesse completado 25 anos de idade.
Registo de casamento de
Joaquim Lourenço e Theresa Antunes. Por ser órfã de pai e menor de idade (tinha
24 anos), a noiva necessitou da autorização do Juiz dos Órfãos.
Para
além dos órfãos menores, o Juiz dos Órfãos era também responsável pelos
expostos quando estes tivessem completado os sete anos de idade, altura em que
deixavam de estar sob a tutela das instituições responsáveis pela sua criação
(autarquias, hospitais, misericórdias ou hospícios).
No
caso dos expostos, que para o efeito eram considerados também órfãos, como não
possuíam bens de família para administrar, o papel do Juiz resumia-se quase
exclusivamente à sua inserção no mercado de trabalho: arranjar quem quisesse
empregá-los ou acolhê-los, e cuidar que lhes fossem pagos os respetivos
salários. Esta responsabilidade terminava quando o indivíduo em causa atingisse
a maioridade, que, paradoxalmente, era aos vinte anos, cinco anos mais cedo que
os restantes cidadãos.
Nos
Registos Paroquiais que consultei aparece várias vezes a referência ao Juiz dos
Órfão, mas nunca, claramente, o nome dele. É possível que, em determinada
altura tivesse sido José Ribeiro Robles, como sugeriu o José Teodoro. Foi
escrivão da Câmara de São Vicente da Beira, uma pessoa notável e prestigiada, que
é referido muitas vezes como padrinho ou testemunha nos registos de batismo de crianças
expostas.
M.
L. Ferreira