Reina grande alvoroço em São Vicente desde 5.ª feira da
semana passada. É sempre assim, quando o Conde de Barcelos, D. Pedro, aqui
pousa com os seus homens, a criadagem e as suas bestas. No entanto, não é isto
nada se comparado com o sucedido no ano de 1344, quando o conde aqui instalou um paço e nele a mulher que ama, D. Tareja Anes de Toledo, sua amante.
É D. Pedro um homem de uns onze palmos de altura, com
envergadura correspondente, de cabelo crescido e sobremaneira ruivo, o que é
uma raridade. De porte altivo e bem apessoado, ele, que é homem dos seus 60
anos, tem, de rico e poderoso, mais do que qualquer outro em Portugal.
D. Pedro é fruto de uma ligação de D. Dinis com D.
Graça Froes, pertencente a uma importante família de Torres Vedras. Este homem, exímio na arte de andar a cavalo,
corre desde madrugada os montes do termo de São Vicente, em perseguição de caça
grossa, como gosta de fazer sempre que aqui vem em especial no meio do Inverno.
Nem só à caça se dedica o Conde em São Vicente. Se faz
mau tempo, o paço anima-se em serões que se alongam pela noite. Acodem jograis
com as suas trupes, atraídos pela perspectiva de dormida e comida gratuitas e
de uma remuneração compensatórias. D.
Pedro também costuma contratar vilãos de São Vicente para, no paço, cantarem e
dançarem as suas modas populares, que muito aprazem à fidalguia presente.
D. Pedro é homem de grande cultura, que dedicou alguns
anos da sua vida - entre 1325 e 1344, dizem - a compilar uma Crónica Geral de
Espanha; antes disso, fizera já a compilação de um Livro de Linhagens. E pedem
muitas vezes as damas que o Conde recite algumas dessas cantigas de amor que
ele compôs, ou mesmo outras de autores vários, o que ele de costume faz de boa
vontade.
José Miguel Teodoro, No Tempo dos Avós mais Velhos, GEGA, S. Vicente da Beira, 2003 (adaptação
livre das páginas 62 a 64)
José Teodoro Prata