Entre os sete e oito anos,
idade com que se entrava na escola primária naqueles tempos [anos 50 e 60], fui
para a escola que funcionava por baixo do edifício dos antigos Paços do
Concelho, local onde agora está a Junta de Freguesia. O meu professor era Artur
Eugénio Couto, a quem chamávamos apenas Professor Couto.
Morávamos no Valcaria, a
cerca de três quilómetros, e, quer chovesse, nevasse ou fizesse sol, todos os
dias calcorreava este caminho, descalço, porque não havia dinheiro para
sapatos. Na bolsa de ganga, apenas um livro e uma pedra com o seu lápis também
de pedra. Nesta pedra em forma de quadro, de ardósia e madeira, aprendi a
escrever as primeiras letras e a construir as primeiras frases. Numa bolsita
feita com aproveitamento de tecido que outras pessoas já teriam vestido, levava
a minha merenda para o dia todo: um bocadito de pão centeio ou de broa de
milho, com um bocadito de queijo ou uma mão cheia de azeitonas.
Nas idas e vindas de e para
a escola, muitas vezes transportava alguns bens que os meus pais produziam e
que vendiam às pessoas mais ricas da Vila. Trazia cinco bilas de leite, três
numa mão e duas na outra, umas de meio litro e outras de um litro. Os fregueses
habituais eram o Dr. Alves, a Tia Patrocínia, o Sr. Mesquita, o Sr. Padre
Nicolau e o Sr. Major Fabião. Estas entregas eram sempre feitas antes de entrar
na escola, às nove horas da manhã. Durante muitos anos, fiz estas entregas que
eram para mim uma afirmação de responsabilidade. Era com muito entusiasmo que
assumia estes compromissos, sendo uma forma de ajudar os meus pais que, de sol
a sol, trabalhavam a terra para o nosso sustento.
Nesse tempo, havia nas
Quintas uma população estimada em cerca de vinte casais, todos eles com um
rebanho de filhos. Toda a gente trabalhava nas terras e muitas das vezes
colaboravam uns com os outros. Quando o trabalho era muito, ajudavam-se
mutuamente. Se num dia íamos todos trabalhar para o terreno do vizinho, no
outro vinham os vizinhos para o nosso, a compensar. Era uma espécie de troca de
mão-de-obra.
Num dia sachava-se o milho e
o feijão, no outro mondava-se o trigo e regava-se tudo. A rega era feita sempre
ao pé. As ferramentas eram muito limitadas. Por exemplo, o foução era usado
para cortar tudo o que havia na horta. Gadanhas ou outros utensílios mais
modernos, não havia nada. Do nascer ao por do sol, era esta a rotina diária,
acompanhada com um pedaço de pão, por volta das 10 horas. Ao meio dia, ao ouvir
o toque das Avé Marias na torre da Vila, toda a gente parava, rezava e jantava.
Depois do jantar, todos dormiam uma pequena sesta. A meio da tarde, comia-se alguma
coisa e ao por do sol toda a gente largava o trabalho e ia para casa.
Como não havia relógios, o
tempo de trabalho era regulado por cálculo e como orientação o nascer do sol, o
toque dos sinos e muitas vezes o chilrear dos pássaros que nos acordavam de
manhã muito cedo.
Relato de Joaquim Teodoro dos Santos, em pequena autobiografia, edição de autor, publicada pelo GEGA, em Janeiro de 2015.
José Teodoro Prata