Por volta das 21 horas, a taberna já estava cheia. Os homens,
ao balcão, conversavam e bebiam o seu copito; as mulheres, mais recuadas,
divertiam-se a cantar. E como cantavam bem! Ou não estivesse no grupo a Zulmira
fadista…
Foi precisamente a ela que coube iniciar a apresentação dos testemunhos sobre a Quaresma. Falou da Ladainha.
Foi precisamente a ela que coube iniciar a apresentação dos testemunhos sobre a Quaresma. Falou da Ladainha.
Coube aos irmãos Zé Manel e João Maria Mosca, através de dois
textos carregados de memórias e bom humor, fazer o percurso das muitas tabernas
que existiram na nossa terra: a da Viúva, mesmo ao pé da Praça; a do João
Cocho, no largo da Fonte Velha; A do Arrebotes, na rua da Igreja; a do Mosca,
substituído pelo Marcelino, um pouco mais acima; a do Zé Canhoto, mesmo em
frente da igreja e que era a última ou a primeira capelinha visitada antes ou
logo a seguir à missa. Claro que não foram esquecidas as do Marcelino e a do
Francisco Eurico, no Casal.
Como eram importantes estes locais para a vida da nossa
Vila! Para além de outros aspetos, eles definiam bem o extrato social da
população assim como o papel da mulher, do homem e da criança na família e na
sociedade. As pessoas mais abastadas não as frequentavam e também não ficava
bem às mulheres lá entrar. A única exceção era a Maria Quefuma que ia comprar o
macito de tabaco e aproveitava para beber o seu copinho… Quanto às crianças, só
lá entravam quando, a mando da mãe, tinham que ir chamar o pai se já se fazia
tarde para o jantar ou para a ceia. Mas ai deles se o pai já estivesse tocado;
era tareia ou descompostura certa!
E as bulhas ao final das tardes de domingo? Começavam dentro
da taberna, mas acabavam arrastadas para a rua. Eram uma aflição para as famílias
dos envolvidos, mas eram também um espetáculo para as outras pessoas que se
juntavam à volta para ver quem levava a melhor. Felizmente que era apenas o
vinho a falar mais alto e, no dia seguinte, já não restavam sinais de zanga e
as amizades eram facilmente restabelecidas com mais um copito…
E os jogos da malha, do nocho ou do burro que se organizavam
à volta das tabernas?
Tanta coisa que fica por dizer…, mas com a chegada da
televisão, e mais tarde a electricidade, as tabernas foram dando lugar aos
cafés: o da Tomásia, o da Ti Janja, o do Cagarola, o do Ventura, e outros que se
lhes seguiram. Enchiam-se todos, principalmente ao domingo, para ver as matinés
a comer tremoços ou amendoins, ou a sorver até à última gota os gelados que não
eram mais do que um cubo de água misturada com um xarope qualquer, mas sabiam
melhor do que os mais cremosos gelados da Olá atuais!
A propósito da cerimónia do Lava-Pés, o Zé Pasteleiro
contou-nos uma história que nos fez rir a todos: num ano, faltou um apóstolo e
o coveiro do Casal da Serra foi-se oferecer ao Sr. António Maria que o mandou
ir lavar os pés. Ele foi ao chafariz e lavou apenas um. Mas na missa
mandaram-lhe descalçar o outro. No final, o sacristão, muito zangado, perguntou-lhe
se não lhe mandara lavar os pés. O coveiro respondeu: “Então, eu lavei um e
agora Sr. Vigário lavou-me o outro!”
Também a propósito da Semana Santa, o Zé Teodoro contou-nos
uma história passada com ele. Numa Sexta-feira Santa foi ajudar a irmã Fátima a
semear as batatas, pois o Joaquim emigrara para França. Acontece que, segundo
ele, daquela sementeira nem uma batata nasceu! Terá sido por ser dia santo?
Alguém dos presentes sussurrou que foi falta de jeito do agricultor, mas
sabe-se lá…
A seguir, ouviu-se o fado pela voz
da Zulmira e a guitarra (ou seria viola) do Fernando Pereira (Padrimúsico).
Mesmo sem ensaios, foi um momento bonito e contagiante. Viu-se bem como ambos
gostam e percebem do que fazem e tiveram a generosidade de o partilhar
connosco.
Por fim, acabámos todos a cantar.
Primeiro cantigas do Zeca Afonso, em homenagem pelos 26 anos da sua morte (como
o tempo passa depressa, apesar das saudades!). Depois, cantigas da nossa terra. Cantámos a Senhora da Orada, quadras que dantes se começavam a ouvir
ainda o dia da romaria vinha longe, mas que infelizmente agora já raramente se
cantam.
Foram quase três horas de boa
disposição e convívio entre todos os participantes. Foram também o relembrar e
reviver de muitas memórias que marcaram a nossa infância e juventude.
Penso que a organização está de
parabéns. O Presidente João Prata e principalmente a Cila, a Ana, a Catarina, o
Pedro Noco, o Zé Pasteleiro e todos os outros que ajudaram.
De louvar também a disponibilização,
por parte da família Hipólito Raposo, do espaço para a realização deste
encontro. Trata-se de uma casa da qual guardo muitas memórias, sobretudo do seu
jardim e da figura da governanta, a ti Antonha que andava sempre com as chaves
da despensa e da adega pregadas à cintura, numa tentativa de evitar a ida das
criadas à despensa. Coitada, acho que nem sempre o conseguia…
Uma palavra ainda para os “atores”
que ao longo da noite simularam as brigas habituais das tabernas.
Destaco sobretudo o papel do Zé
Taleta que entrava e saía com o seu ar gingão, depois de ter emborcado mais um
copo. O que é que o avô dele, que elogiou de forma tão generosa o padre há anos por fazer sozinho a Semana Santa, não diria sobre este seu neto que corre que nem uma lebre, dança como poucos, toca os pratos de forma magistral e agora ainda é
ator! É uma honra tê-lo como primo!
Pelos comentários que fui ouvindo das pessoas que estavam
perto de mim, este evento tocou bastante nas memórias de todos os presentes. A
mim, comoveu-me muito!
E agora só resta a pergunta: para quando o
próximo encontro? Ficamos à espera!