terça-feira, 28 de maio de 2013

O Assobiador

Há já muitos, muitos anos, conheci um homem extraordinário. Um vicentino genuíno, muito alegre, que vivia e trabalhava em Lisboa: o ti Joaquim Caio. Acho que tio do nosso amigo Ernesto Hipólito.
O ti Joaquim Caio tinha uma pequena oficina de latoeiro, na Av. Miguel Bombarda, ali juntinho à Gulbenkian. E eu que, pelo fim dos anos 90, trabalhava na Av. da República e tinha a Marta e o Miguel na Escola Marquesa de Alorna, ficava-me em caminho, quando os ia buscar, passar pela oficina e, muitas vezes, à tarde, por esse facto, acabávamos por trocar dois dedos de conversa.
Muitas manhãs me cruzei também com ele, sem que me visse, nem eu lhe falasse, por causa das pressas. O que deveras me impressionava nele é que andava sempre com o assobio na ponta dos beiços, quer na rua, quer na oficina, e nessa altura já Lisboa era um inferno de correria e ruído. Mas ele, absorto na melodia, aparentava a mesma calma de quem se passeasse domingo à tarde na nossa praça vicentina.
Esta coisa do assobio era coisa que me impressionava, porque já não se via ninguém a assobiar, mas impressionava-me sobretudo, porquanto tinha o condão de me trazer à memória o meu tio Luís, no Marzelo, pela manhã, a assobiar que nem um lírio (devia ser que nem um melro), enquanto acomodava o ganau. Eu assistia regularmente àquela cena quando vinha da Serra para a Escola. Aquilo era um clik. A figura do ti Joaquim Caio a assobiar ali nas avenidas novas e de repente o Marzelo. A razão só podia ser o amor que tinha ao meu tio.
Então, certo dia, quem é que aparece no Correio da Manhã? O ti Joaquim Caio. Lá estava ele, na primeira página, refastelado numa cadeira de balanço. A foto destinava-se a ilustrar um artigo que recomendava aos idosos o exercício físico, pois que o movimento, dizia-se ali, tem a propriedade de obrigar o organismo a produzir endorfinas que são nem mais nem menos que um analgésico natural.
Ora, já tinha pretexto para lhe fazer mais uma visita e lançar-lhe uma provocação que tinha engendrado na minha cabeça. Passei lá à tarde e vai logo:
- Então o senhor agora que está rico ainda continua a trabalhar?
– Rico? Mas que porra de conversa é essa? Rico como?
– O senhor agora a fazer anúncios… Ganha-se bom dinheiro com isso, que eu sei. Quanto é que lhe deram?
– Mas tu és parvo? Não recebi nada. Os gajos pediram-me e não me custou nada. Disseram-me que ficava bem na foto e precisavam de um gajo já velho.
É bom de ver que os gajos eram os jornalistas do Correio da Manhã que, na altura, estava sedeado em frente da oficina, do outro lado da avenida, e deve dizer-se também que na porta ao lado da oficina havia uma casa de móveis. Portanto, foi canja ao fotógrafo fazer um boneco real, sem custos e logo ali.
Enquanto íamos conversando, lembro-me como se fosse hoje, o ti Joaquim ia dando voltas a um abat-jour que tinha preso entre os joelhos e que, pelo tipo de tecido de que era feito, devia ser mais ou menos da sua idade, tentando soldar os ferrinhos ao suporte central. A liga metálica devia ser ruim, porque a solda custava a agarrar. Vira daqui, vira dali. Umas pancadinhas para soltar a escória da solda. Um ferrinho que se desgarrara e volta a soldar. É quando reparo que pequenas partículas incandescentes de solda que não agarravam ao metal, ao cair, iam produzindo pequenos furos no tecido e o pobre do homem sem dar por ela
Acabada a operação, retira o abat-jour dos joelhos e aproxima-o do nariz para ver como é que o trabalhinho tinha ficado (já via mal, está visto) e é quando repara que o tecido estava todo furado. Vira-se para mim com o ar mais espantado do mundo e diz-me:
- Já viste as coisas que me pedem para arranjar. Esta merda está que nem um crivo de regador…para que é que quererão uma coisa assim?
Eu não tugi nem mugi. Mas gostaria, certamente, de poder estar presente aquando da entrega do abat-jour à dona. Porventura daria uma história bem interessante. Depois veio-me à memória uma expressão que a minha avó Santa lá na Serra usava muito, quando ela e a minha mãe conversavam: “Ó Maria, a velhice tudo nos traz, mas não é coisa boa”.
O pessoal da minha idade, que já passou pelos 50, começa a ter consciência dessa realidade, mas há que manter a serenidade. É que o destino de cada um de nós está em parte escrito nas estrelas e está provado que é impossível fugir-lhe totalmente. Apreciemos o que de bom ele nos dá. É a receita que vos deixo.

Maio de 2013.
Francisco Barroso

domingo, 26 de maio de 2013

A romaria da Senhora da Orada

Esteve um dia lindo. Missa e depois as merendas: ovos verdes, pastéis de bacalhau, carnes assadas..., tudo regado com a água fresca da fonte.
A seguir o rancho e depois a banda. Foi bonito, a condizer com as encostas tingidas pela flor amarela da giesta, em fundo verde escuro.






José Teodoro Prata

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 13

No ano de 1968, uma mulher de Pera do Moço, Escalos de Cima, bateu à porta do ermitão da Senhora da Orada, pedindo-lhe um favor. Queria apanhar banhos, na fonte da Senhora, para ver se se curava, porque andava "inflamada" por dentro e os médicos nada lhe faziam. Ficou hospedada na casa do ermitão.
Durante três semanas, tomou banhos, na fonte, e foram-lhe ministrados clisteres com água da mesma fonte.Curou-se por milagre. Passou a ir à festa, todos os anos, com peregrinos da sua região, levando garrafões das "águas santas" da Senhora da Orada, para distribuir pelas pessoas.

E o autor conclui: 

Na crença das religiosidades populares, a água é também um elemento curativo, contendo virtudes sagradas, relacionadas com entes divinos ou santificados, produzindo factos ditos milagrosos, como na Nossa Senhora da Orada cuja fonte é lembrada, nas cantigas de romaria, pela seguinte quadra:

Nossa Senhora da Orada,
Vossa água tem virtude;
Chegam-se lá os doentes
E de lá vêm com saúde.

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 12

Um mulher do Souto da Casa, de nome Maria de Jesus, tinha um cancro no peito. Foi ao hospital de Palhavã e mandaram-na para casa, sem cura.
Maria de Jesus tinha uma comadre, a "comadre das castanhas", porque arrendavam juntas um souto para apanharem as castanhas, que lhe disse que havia uma mulher em Chaves que curava as doenças ruins. Foi com a comadre a Chaves, levando uma "chapa" (radiografia) tirada no Fundão.
A mulher curandeira retalhou-lhe o peito em quatro, fez os curativos e disse que voltassem lá.
Maria de Jesus pegou-se com a Senhora da Orada. Rezou, pedindo que a curasse, que lhe daria o cordão de ouro e que todos os anos lhe iria agradecer.
Depois de quinze dias de tratamento apenas com as "águas santas" da fonte da Senhora, o peito apareceu curado.
Maria de Jesus foi oferecer o cordão à Nossa Senhora da Orada, devendo pertencer-lhe perpetuamente, não podendo ser vendido.

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 11

Nos meados do século [XX], Francisco Moreira, de São Vicente da Beira, trabalhava numa serralharia da Covilhã. Um dia, saltou-lhe líquido da soldadura para a vista, deixando de ver. Foi a médicos, mas continuava sem melhoras.
A mãe, ao saber, foi vê-lo e levou uma garrafa com água da fonte da Senhora da Orada. A mãe começou a chorar, junto do filho. Este disse à mãe que não chorasse, mas que pedisse à Senhora da Orada. A mãe rezou e banhou os olhos do filho com "água santa" da Senhora da Orada, que logo começou a ver.
Este milagre foi publicado no Jornal "O Pelourinho", de São Vicente da Beira.

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

terça-feira, 21 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 10

Nos anos quarenta, uma mulher de nome Júlia, dos Escalos de Cima, tinha o corpo morto. Espetavam-lhe alfinetes e não sentia. Foi para a Senhora da Orada, para tomar banhos, na fonte, ficando alojada na casa do ermitão. Depois de uma semana de banhos, começou a sentir as picadas dos alfinetes por todo o corpo. Pedia às pessoas para a picarem. Considerou milagre a sua cura.
Até poder, todos os anos ia à festa da Senhora, a pé, descalça, em romagem de agradecimento. Pelo caminho, vendia pinhões.

Em rapaz de São Vicente, criado do senhor Paulino, nos anos quarenta, dormia numa casa da serra. Um dia tolheu-se de todo. Foi preciso levá-lo num padiola, para a casa do ermitão da Senhora da Orada, por uma vereda, onde passou o Natal. Depois de quinze dias de banhos, com a água da fonte da Senhora da Orada, começou a andar.


Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 9

José Barroso, do Casal da Serra, nos anos trinta, deixou de ver e foi ao médico a São Vicente da Beira, dizendo-lhe este que nada podia fazer mais do que pôr-lhe umas gotas nos olhos. Com as gotas na vista, regressou a casa, continuando na mesma.
Lembrou-se das "águas santas" da Senhora da Orada, que curavam muitas doenças. Foi com a mulher junto da fonte, lavou a cara e deixou cair água da bica sobre os olhos. Foram rezar à porta da capela e logo se sentiu curado, começando a ver.

Informador: José de Matos (Casal da Serra)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata



Fotos de M. L. Ferreira