Em meados dos anos sessenta, com os
meus 13 ou 14 anitos, estava a estudar no seminário. Também nessa altura, havia
na Partida um padre, o padre Zé Manel, que ali tinha sido colocado pelo
bispo da Guarda, como coadjutor do nosso padre Branco.
O povo da Partida adorava aquele
padre e isso fazia sombra ao nosso pároco, de tal modo que um dia o padre
Zé Manel teve que fazer as malinhas e ir pregar para outra freguesia.
As gentes da Partida ficaram
revoltadíssimas e, como povo unido que sempre foi e ainda é, juraram que
ninguém daquela terra iria assistir a uma missa que ali fosse celebrada pelo
padre Branco.
Os seminaristas, quando estavam de
férias, tinham por obrigação acompanhar o pároco nos seus afazeres religiosos.
Uma dessas tarefas era acompanhá-lo nas suas deslocações pelas anexas, a fim
de ajudar à missa. Todos os domingos o Padre Branco ia à Partida celebrar
mesmo sabendo que a igreja ia estar vazia. Fazia-se acompanhar de dois ou três
seminaristas e, enquanto dois deles ficavam cá fora a guardar o
"Jeep", o outro vinha cá abaixo à capela a tocar o sino. Imaginem uma
criança a tocar o sino e ao mesmo tempo a ser enxovalhado por uma turba, que
estava em frente na taberna do Zé Nunes, sem saber o porquê daquela agressão, e
depois ir a correr rua acima, meio encorrido, a ajudar à missa!
Uma vez, depois da missa, eu
vinha no assento ao lado do condutor e, num pequeno janelo estava uma rapariga
nova a rir-se com ar de troça. Quando chegou ao pé dela, a janela do carro à
altura do janelo, o padre Branco travou de repente, vira-se para a moça e
pergunta zangado:
- De que é que se está a rir, ó sua
puta!
A moça, envergonhada, meteu-se logo
para dentro e eu parece que me caiu um raio em cima ao ouvir um padre
dizer uma barbaridade daquelas.
Noutro domingo, como na altura ainda
se atravessava a ribeira por não haver ponte, vimos uma tranca a atravessar o
caminho, enfiada no muro dum lado e numa taloca de oliveira do outro lado. Ao
ver aquilo, o padre Branco acelerou o "Jeep" e a tranca
desfez-se em vários pedaços.
Mas o que eu queria contar prende-se
com a festa de Santiago:
Calhou estarem cá os seminaristas e,
mal sabendo onde nos íamos meter, fomos recrutados para ir ajudar à festa.
Lembro-me que o Chico Bela, irmão do Padre Jerónimo e meu primo, ainda
estava no seminário e também foi.
Pela receção, vimos logo que não ia
ser tarefa fácil. Eu mais o meu primo ficámos a guardar o carro e o colega ou
colegas lá foram para dentro da capela ajudar à missa.
A capela estava à cunha, mas, quando
o padre Branco começou o sermão, a gente da Partida, que era a grande maioria,
saiu em peso para a rua.
Cá fora, alguns rapazotes mais
taludos, alguns dos quais são agora meus amigos, tentavam provocar-nos. Mexiam
no carro, tentavam rebuscar o interior e mandavam piadas de mau gosto. A
estratégia foi não reagir e não sair dali. Éramos só dois e eles muitos!
O padre Branco, ao ver os da Partida
sair da capela, perdeu as estribeiras e o sermão saiu ao estilo de rajada de
metralhadora. Pobres beatas do Mourelo e Vale de Figueira!
Logo que acabou a missa metemo-nos
todos à pressa no carro e o padre Branco nem pelo caminho veio; meteu pelo
alqueve abaixo, com uma chuva de pedras a cair na fraca cobertura de lona do
"jeep". Fomos encorridos!
Quando chegámos ao caminho,
esperava-nos uma grande pedra posta propositadamente para nos bloquear. Pagou
um homenzinho que passava e que, aos gritos do nosso padre, lá tirou a pedra.
Foi a primeira vez que fui ao
Santiago da Partida e a dor de cabeça foi tal que penso que, se tivesse tido
oportunidade de pôr o chapéu, este não ia fazer o milagre.
E. H.