A fotografia não é famosa, mas vê-se bem o
acrescento na altura da porta e do telhado.
Esta casa, que agora serve de
palheiro e arrecadação, tem muito para cima de cem anos e, diz quem sabe, foi
uma das primeiras do Casal da Fraga. Ao princípio tinha o chão de terra e era
pela metade do que é hoje: em pé, quase que se batia com a cabeça nas telhas; a
cozinha e o quarto tão acanhados, que uma pessoa com os braços abertos chegava
dum extremo ao outro; a porta era tão atarracada que, para entrar ou sair, um
homem tinha que se agaixar. Foi nela que o Ti Guilherme e a mulher viveram no
princípio de casados e lhes nasceram os primeiros filhos.
Um dia, andava a ti Mari’Zé grávida
já de fim de tempo do primeiro, e entra-lhe uma vizinha porta adentro:
- Ó Maria!
- Quê?
- Atão, ele é menino ou menina?
- Ó mulher, e como é que tu queres que eu
saiba, se ainda o aqui trago?!
- Ainda mai essa! Atão se eu ia a passar e
ouvi um cachopinho a berrar! Não sejas intrujona e amostra-o lá, que eu não to
como nem lhe faço mal, que não sou dessas!
- Tu não mangues com coisas sérias, qu’ ele inté
é pecado! O que tu deves ter ouvido foi algum gato a miar…
- Ai isso é que não foi! Amostra-me lá a
barriga.
A Ti Mari’Zé repuxou um pouco a saia rodada
que lhe escondia a gravidez, mas mesmo assim a outra não quis crer e foi
espreitar debaixo da cama, não fosse terem escondido a criança por ter nascido
defeituosa. Só depois é que abalou, mas ainda de ouvido à escuta, desconfiada.
Quando ficou sozinha, a mulher deitou
as mãos à cabeça e amaldiçoou a hora em que a vizinha lhe passou à porta. E
logo aquela calhandrona dum corno, que ainda o não tinha ouvido aqui e já
estava a badalá-lo além! É que ela também tinha escutado o filho a chorar-lhe
na barriga, mas lembrava-se bem das palavras da mãe que a tinha avisado de que
se algum dia isso sucedesse, não se apoquentasse: era sinal de que o menino
vinha com um dom raro e podia até ser alguém na vida: endireita, vedor, adivinho,
ou capaz de curar males de inveja…. Mas que guardasse segredo porque se mais
alguém soubesse, o dom perdia-se e até podia acontecer uma desgraça.
O menino nasceu passados poucos
dias; forte e lindo como um anjo. Mas, ainda com poucos meses, uma das tias
pegou nele ao colo e, de tantas voltas lhe dar a mirá-lo, deu-lhe cabo da
espinha. Ainda o levaram ao endireita, mas o conselho que ele deu foi que o levassem
para casa e tivessem paciência, porque aquele não lhes ia comer muito pão…
M. L. Ferreira