A importância do papel da criança
na família e na sociedade tem variado muito, quer ao longo da história quer de
uma cultura para outra. Sendo indiscutível a valorização da paternidade,
chegando mesmo, em algumas sociedades, a validar-se socialmente o casamento
apenas quando nascia o primeiro filho, não houve, até há relativamente pouco
tempo, um grande investimento afetivo, por parte dos pais, relativamente às
suas crianças. O mesmo acontecia relativamente ao seu estatuto social.
Justificando este fenómeno
estariam razões de origem económica e demográfica, como a pobreza, uma elevada
taxa de natalidade, e, por outro lado, um grande índice de mortalidade
infantil. Também a crença que vigorou até ao século XIX de que as crianças até
aos 7 anos eram criaturas sem mente, mais parecidas com animais do que com
seres humanos, contribuiu para justificar o desinvestimento nesta fase da vida,
considerando-a apenas uma transição para a idade adulta.
Não havendo grande ligação afetiva
entre os progenitores e os seus filhos, estes afastavam-se muito cedo do meio
familiar, sendo a sua educação e socialização feita na comunidade alargada. Sujeitos
a todo o tipo de perigos, más condições de nutrição e higiene, e às muitas
epidemias que atacavam toda a população, mas principalmente as crianças, muitas
acabavam por morrer. As que conseguiam sobreviver, começavam a trabalhar desde
muito cedo, quase sempre na agricultura e pecuária, nas pequenas oficinas ou
como criadas das famílias mais abastadas. Algumas dedicavam-se à mendicidade ou
ao furto para sobreviverem e ajudarem no sustento da família, correndo também
os riscos que tais práticas envolviam.
Se esta era a situação de grande
parte das crianças que nasciam dentro do casamento, as condições pioravam quando
eram fruto de uma relação ilícita ou inconveniente, e, por motivos morais e
sociais, tinham que ser escondidas da sociedade. Muitas eram mortas à nascença
ou abandonadas em locais onde acabavam por morrer. Outras eram deixadas em
lugares públicos ou à porta de igrejas e conventos, onde pudessem ser
encontradas por alguém que as recolhesse. A maior parte destas era encontrada
num estado de grande debilidade e não resistia por muito tempo.
Este fenómeno, provavelmente por
razões humanitárias, mas também demográficas e económicas (o grande índice de
mortalidade infantil e juvenil provocava uma carência grande de mão de obra), merecia,
desde há muito, alguma preocupação por parte das autoridades civis e religiosas,
que começaram a procurar respostas de acolhimento e proteção para as crianças
abandonadas ou órfãs. A primeira terá sido criada em Itália, na cidade de
Milão, ainda no século VIII.
Em 1188, por determinação do Papa
Inocêncio III, foi criada o que pode considerar-se a primeira Roda dos Expostos,
em França; e a pouco e pouco, outras foram surgindo por toda a Europa. Situavam-se
quase sempre junto de igrejas e conventos, e chamavam-se assim por dispor de
uma espécie de cilindro giratório, em madeira, onde a pessoa que levava a
criança podia colocá-la de forma anónima, sabendo que alguém ia cuidar dela.
Parte
da fachada de um dos pátios do Convento de Odivelas, com a roda à esquerda da
porta.
Pormenor
da Casa da Roda de Caria. onde se vê o funcionamento da roda: por baixo
colocavam a criança e por cima alguns pertences e mantimentos.
Tem
a data de 1784.
Em Portugal, a primeira casa
destinada a receber crianças abandonadas foi fundada por determinação da rainha
D. Beatriz, mulher de D. Afonso III, na cidade de Lisboa. A pouco e pouco foram
surgindo outras em cidades como o Porto e Santarém. Estavam quase sempre
ligadas a ordens religiosas ou à nobreza, e mais tarde à Misericórdia.
Apesar da existência destas
instituições, o problema das crianças abandonadas ou mortas não terá diminuído
significativamente ao longo dos séculos; nalguns casos terá mesmo aumentado. Paralelamente,
o número de óbitos em idades muito precoces, devido a epidemias e às más
condições em que a maior parte da população vivia, era tão elevado que poucas
crianças chegavam à idade adulta. Terá sido por isso, mas também pelas mudanças
que, de forma ainda insípida, começaram a verificar-se no entendimento da infância,
que, em 1783, Pina Manique decidiu o alargamento da rede de Casas da Roda (ou
dos Exposto), ordenando a sua criação em todos os concelhos. Terá sido também
por essa altura que foi criada a Casa da Roda de São Vicente da Beira.
M. L. Ferreira