quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Bancos de pedra, poiais e baturéis

Participei há tempos numa atividade organizada pela Alma Azul, em Alcains. Chamava-se “Leituras de batorel em batorel”. Até à última hora não sabia bem ao que ia, nem sequer se ia, mas ainda bem que a curiosidade foi mais forte que os demónios da preguiça e hesitações que costumam tentar-me, e tantas vezes levar a melhor, nos últimos momentos de algumas decisões. Conheci pessoas bastante calorosas e recantos daquela vila que contrastam, em encanto, com a opinião que tinha dela. Pude também conhecer um pouco da sua História, cultura e tradições, que vale a pena espreitar.

 
A placa na parede diz que aquele lugar é uma Evocação das gentes da Unha Negra – as unhas dos canteiros quando falhavam a batida do martelo no ponteiro… 

Mas não é sobre Alcains, esta conversa. Lembrei-me disto a propósito do artigo “Porque razão existem tantas línguas” publicado há dias na primeira página do Sapo, em que o autor, Marco Neves, tenta justificar a impossibilidade de haver uma Língua comum a toda a Humanidade. E fazem sentido, as razões que ele aponta. Pois se até de localidade para localidade, mesmo muito próximas, os nomes que damos às coisas podem ser tão diferentes!

Voltando à dita atividade, fiquei a saber que em Alcains chamam batorel aos bancos de pedra, muitas vezes cortados em cantaria, colocados junto às portas das casas, que serviam para os vizinhos se sentarem à conversa ao fim da tarde ou nas noites quentes de verão. Enquanto fazia sol, ou mesmo à luz da Lua, as mulheres aproveitavam para fazer trabalhos de costura, quase sempre remendar a roupa dos filhos e dos maridos. As raparigas casadoiras esmeravam-se nos bordados e nas rendas do enxoval. As crianças entretinham-se nas brincadeiras da idade.

Nas ruas de São Vicente também ainda encontramos alguns destes bancos, mas muitos devem ter sido removidos quando fizeram as obras de saneamento e calcetaram as ruas. Há quem lhes chame poiais, mas o nome mais comum, dizem, é bancos de pedra, simplesmente.

 

Estes são na Rua de São Sebastião. Há outros na Rua da Igreja e na Rua do Beco.

Poiais, segundo a maior parte das pessoas com quem falei, são as bancadas que ladeiam os fornos ou as fontes e servem (serviam…) para as mulheres pousarem o tabuleiro do pão ou o cântaro da água enquanto esperavam a vez.

 

Poial num forno do Vale de Figueiras, reabilitado há poucos anos.

A Fonte Velha ladeada por dois belos poiais.

Em algumas aldeias ainda existem muitos destes bancos, alguns muito simples outros mais elaborados

Neste, no Vale de Figueiras, sentei-me algumas vezes à conversa com a Ti São Pedro. 

Para além da importância que tiveram na vida social dos habitantes, estes bancos seriam também uma extensão das casas, muito pequenas naqueles tempos. O reconhecimento desta importância tem feito com que, em algumas aldeias históricas, os conservem ou estejam a repô-los junto das casas que vão sendo reabilitadas. Idanha-a-Velha e Penha Garcia, relativamente perto de nós, são bons exemplos. É pena que nos nossos dias já muito raramente lá vejamos alguém sentado. E, quando vemos, é quase sempre algum velho à espera de um raio de sol que o aqueça do frio (e) da solidão. Servem ainda para reavivar memórias mais antigas:

«Dantes não havia televisão e era tudo muito diferente do que é agora! De verão, mal acabávamos de cear, juntava-se a gente às portas umas das outras, e era uma alegria! Na nossa rua éramos nós, as Pigentas, as Barrilas, a Mari’ Zé do Lérias, as Invernas… Umas contavam anedotas, outras contavam contos, outras diziam umas pilhérias e toda a gente se ria. A canalha fazia rodas, jogava à pela e ao botão, ao larenço pica o lenço ou às escondidas. Andávamos cansadas do trabalho nas fazendas desde manhãzinha, mas ninguém tinha pressa de ir dormir. Às vezes a minha mãe vinha à janela a clamar, que fossemos para a cama que ao outro dia tínhamos que nos levantar cedo para despejar as presas ou deitar as cabras, mas ninguém arredava pé. Também, com o calor que fazia, quem é que tinha pressa de ir para casa?

Agora já não se vê quase ninguém naquelas ruas, nem de dia, quanto mais à noite… Até parece que está tudo morto ou anda tudo zangado uns com os outros!».

NOTA: Curiosamente, em “A Casa Grande”, quando fala da caçada de Simão de Meneses pelos altos da Gardunha, o Albano de Matos escreve: «Chegados ao Castelo Velho, sentaram-se num baturel (botaréu) que apoiava uma oliveira, para a última pausa da caçada.» É possível que no Casal da Serra usem esta designação por influência da Soalheira onde também é utilizada para referir os bancos de pedra à porta das casas.

M. L. Ferreira

domingo, 21 de novembro de 2021

Extração da resina

Ainda há resina, mas talvez sem resineiros.

Voltei a passar pela Lameirinha e deparei-me com um pinhal onde ainda se faz a extração da resina. Escrevo voltei, pois penso que há anos fiz uma postagem sobre o mesmo assunto.

O museu do resineiro localiza-se ali ao lado, nas Rochas de Baixo, mas ignoro se ambos fazem parte do mesmo projeto.

Oleiros e Proença tiveram projetos de reintroduzir a exploração da resina, mas penso que pelo menos o de Proença terá ficado pelo caminho, devido à destruição dos incêndios dos últimos anos.

Nota: esta semana surgiu um sinal de esperança para o nosso museu de arte sacra: o ex-vereador Fernando Raposo, pai do projeto do nosso museu, foi esta semana nomeado administrador da Albigec (empresa municipal que gere os espaços culturais e recreativos do concelho) e também assessor do Presidente da Câmara para a áreas da educação e da cultura. Pode ser que seja agora que alguém desate o nó...



José Teodoro Prata

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Magusto, 2021

Tenho notícia da organização do tradicional magusto pela junta de freguesia, mas não tenho imagens, por isso uso duas de anos anteriores. Também parece que houve um passeio fotográfico, em parceria com o Louriçal do Campo. São ótimas notícias, embora a desgraçada da pandemia não nos largue...



José Teodoro Prata

domingo, 14 de novembro de 2021

Alho-porro

 






Há uns tempos referi aqui o método de produzir o alho-porro com um talo longo e esbranquiçado: deve ir-se soterrando a planta, conforme cresce. Para o conseguir, é necessário deixar espaço dos lados, para ir puxando a terra para a planta. No ano passado deixei-os apertados e vi-me aflito para os tapar, este ano já os deixei com espaço suficiente.

José Teodoro Prata

domingo, 7 de novembro de 2021

Viagens de antigamente - vistos e passaportes

 Com as facilidades que o Acordo de Schengen permitiu à circulação de pessoas e bens em quase todo o espaço europeu, muitos já quase não nos lembramos da aventura que era atravessar a fronteira, mesmo que apenas para ir comprar caramelos a Espanha ou visitar a família em França. Se quiséssemos ir um pouco mais longe, as andanças pelo Registo Civil, embaixadas e consulados eram uma canseira, e os controlos nas fronteiras, sempre que caíamos na tentação de exagerar nos “lembranças” para a família e amigos, punham-nos o coração aos saltos. Estas situações tiravam-nos, no momento, parte do prazer da viagem; mas a verdade é que, passado o susto, tornavam-se quase sempre motivo de gargalhada e passavam a fazer parte do livro das nossas melhores memórias de viagem.

Mas, pelos vistos, algumas das dificuldades que muitos ainda tivemos para sair do País, foram quase insignificantes comparadas com os trabalhos por que passavam os nossos conterrâneos (compatriotas) que, até há pouco mais de cem anos, tinham que viajar para além dos limites do concelho.   

A Torre do Tombo disponibilizou há tempos alguns livros de registo dos passaportes e vistos de alguns dos anos dos séculos XVIII e XIX. Mesmo com a dificuldade em decifrar a caligrafia do escrivão que os redigiu, é um desafio empolgante passearmo-nos por lá. Através deles ficamos a conhecer um pouco mais de alguns aspetos da vida do País, principalmente das gentes da nossa terra. Deixo um resumo do que consegui perceber:

1 – Qualquer pessoa que pretendesse viajar para fora da sua comarca tinha que ter um passaporte cujo modelo seria idêntico a este, da comarca de Tavira:

2 - Todos os passaportes ficavam registados em livro próprio. Quem fazia estes registos no ano de 1768 e seguintes era Cláudio António Simões, filho de Manuel Lopes (seria escrivão do Concelho?); os livros destes registos eram rubricados pelo Juiz de Fora, que naquela altura era Francisco de Avis Pereira Rosa de Ferraria(?), substituído, anos mais tarde, pelo administrador do Concelho, Bonifácio José de Brito Coelho de Faria. 

3 - A autoridade responsável por atribuir o documento era o Juiz de Fora;

4 - No documento constava a identificação do requerente, o estado civil, a naturalidade, a idade, a profissão, a residência, e várias características particulares como a altura, a cor dos olhos, do cabelo, nariz, barba, e sinais particulares (muitos destes sinais eram cicatrizes e vestígios de bexigas).

5 - Constar também o lugar de destino da viagem, o itinerário, a duração e referir quem acompanhava a pessoa, se fosse o caso;

6 - Era obrigatório haver alguém que “abonasse” a viagem (uma espécie de fiador);

7 - Por cada localidade onde passasse (parasse, pernoitasse?), a autoridade local tinha que visar o passaporte, confirmando e registando os dados que nele constavam;

8 - Caso o viajante não apresentasse passaporte era-lhe aplicada uma multa que seria elevada, para aquele tempo (cerca de mil e duzentos réis em maio de 1825). O responsável pelo recebimento destas multas era, na altura, o escrivão Bernardo António Robles.

9 - As autoridades civis e militares de cada localidade estavam obrigadas a dar a proteção e auxílio que o viajante necessitasse (serão desse tempo as Casas da Malta?).

 

“Nacionais” de SVB que requereram passaporte

Entre os anos de 1767 e 1800 cerca de 270 pessoas do nosso concelho pediram passaporte para se ausentarem da comarca. Os números não são homogéneos - existem anos em que são relativamente elevados: 1768 – 26, 1769 – 38, 1770 – 34, 1771 – 24, 1779 – 20), e outros em que são bastante baixos (1772 – 7, 1777 – 8, 11778 – 3, 1781 - 7, 1782 – 7, 1783 - 7, 1784 – 5, 1785 – 3, 1786 – 4, 1787 – 4. É possível que existam circunstâncias que expliquem esta discrepância (epidemias, más colheitas, instabilidade social ou política), mas não são claras.

Os motivos e destinos das viagens eram muito variados, mas a maior parte era por razões de trabalho. Fica um resumo que tentei que fosse representativo da informação disponível e fizesse o retrato da vida social e económica de SVB naquele tempo:

             

DATA

 

 

NOME

 

DESTINO

 

MOTIVO

 

DURAÇÃO

 

04/01/1768

 

 

Sebastião Luís

 

Lisboa

 

Fazer negócios

 

1 m

 

20/02/1769

 

José António

 

 

Vários pontos do reino

 

Trabalho de caldeireiro

 

6 m

 

25/02/1669

 

José António Coxo e António Rodrigues

 

Lisboa

 

Vender Castanhas

 

2 m

 

24/03/1769

 

Francisco António Simões

 

Coimbra

 

Matricular-se (na faculdade ?)

 

15 d

 

27/03/1769

 

José Lourenço

 

 

Sertã

 

Trabalho de almocreve

 

1 m

 

21/04/1769

 

João Dom. Araújo

 

 

Castelo de Vide

 

Comprar cal

 

1 m

 

02/06/1769

 

Manuel Mendes e Remualdo de Proença

 

Alentejo

 

Ir às ceifas

 

2 m

 

05/01/1770

 

António José da Costa

 

 

Lisboa

 

Visitar a mãe

 

1 m

 

17/04/1771

 

José Leitão

 

Porto

Tratar de assuntos de seu amo, Francisco Caldeira

 

1 m

 

05/03/1773

 

Domingos Marques (ganhão)

 

Lisboa

 

Fazer negócios à corte

 

2 m

 

24/01/1775

 

José Vaz

Abrantes e Punhete (atual Constância)

Comprar bacalhau para as religiosas do convento

 

25 d

 

24/03/1775

 

Manuel Mendes

 

Marvão

 

Cobrar rendas das religiosas do convento

 

19 d


 

27/01/1779

 

Serafim Esteves

 

(?), bispado de Lamego

Regresso à terra (trabalhara como mestre no lagar do Ramalhoso)

 

 

02/06/1779

 

José Luís de (?)

 

 

Penacova

 

Comprar cera

 

1 m

 

28/07/1780

 

José Cruz

 

 

Comarca da Guarda

 

Pedir esmola

 

6 m

 

06/04/1788

 

Manuel Lourenço (?)

 

Roma

Pedir dispensa papal para casar com uma prima

 

6 m

 

09/07/1790

 

P. José António Fernandes

 

Santiago da Galiza (Compostela)

 

Não consta

 

2 m

 

01/04/1791

 

Manuel Joaquim Ribeiro

 

Brasil

 

Tratar da herança de seu tio

 

1 ano

 

08/06/1792

 

João Patrício Leitão (barbeiro)

 

Lisboa

Praticar (o ofício de sangrador?) no Hospital Real

 

6 m

 

20/07/1798

 

Joaquim Milagre

 

Porto

Levar o cavalo do Juiz de Fora que ficara cativo

 

1 m

 

05/08/1798

 

Luís Machado

 

Almeida

Tratar da licença do filho, soldado no R. Cavalaria de Almeida

 

1m

 

27/08/1798

 

Manuel do Espírito Santo

 

Olivença

 

Visitar seu filho, soldado naquela Praça

 

1 m

 

02/09/1799

 

(?) Fernandes

Castelo Mendo, Guarda, e Santo Estêvão?

 

Cobrar as rendas de D. Benedita, sua ama

 

1 m

 

10/04/1800

 

Paulino Mendes

 

Campo Maior

 

Procurar um irmão que diziam ter morrido

 

1 m

A amostra é pequena e pode não dar uma ideia clara quanto aos objetivos das viagens, mas no documento original percebe-se que a maior parte das pessoas viajavam em negócios, à procura de trabalho (principalmente para o Alentejo no tempo das ceifas), para acompanhar os patrões, ir a feiras comprar matérias primas (solas, panos ou cera) ou animais, por motivos relacionados com o serviço militar, para pedir esmola, visitar familiares ou regressar à terra de origem depois de terem trabalhado em várias atividades em SVB. Uma nota curiosa: as religiosas do convento enviavam, quase mensalmente, um criado a Marvão cobrar as rendas que lhes eram devidas. Há também várias referências a negociantes que iam a Lisboa vender castanha e azeite. Nessa altura a viagem até à capital demorava dois meses (ida e volta).

Quanto aos destinos mais frequentes, nota-se uma procura bastante elevada de várias localidades do Alentejo, mas também de Lisboa, de Coimbra, do Porto e várias outras terras entre o Douro e o Tejo. Interessante a viagem de Manuel Lourenço a Roma a requerer a dispensa papal para casar com uma prima, ou a de Manuel Joaquim Ribeiro, ao Brasil, para tratar da herança de um seu tio, que era padre, autorizadas por seis meses e um ano, respetivamente.

Viajantes “estrangeiros” (de fora do concelho)

Sobre os viajantes de outras partes do Reino que se deslocavam a São Vicente ou por cá passavam com rumo a outras localidades, sabe-se que eram obrigados a apresentar o passaporte emitido pela autoridade da sua comarca, devidamente visado nas localidades por onde já tinham passado. Os dados constantes do passaporte eram anotados em livro rubricado por uma autoridade local, igualmente o Juiz de Fora ou o Administrador do Concelho.


Os registos disponíveis mostram que durante o ano passavam por São Vicente algumas dezenas de pessoas vindas de vários pontos do reino (1825 – 56, 1826 – 66, 1841 – 51, 1842 – 48, 1843 – 54, 1844 – 64, 1845 – 54), embora nem todos tivessem a Vila como destino. Eram sobretudo almocreves, negociantes, feirantes, criados de servir, tendeiros, artesãos (caldeireiros, peneireiros, cereireiros) e mendigos; mas também há referência a ourives, capadores, quinquilheiros e religiosos (um registo de agosto de 1853 diz que o padre José Bernardo Ribeiro, de Almaceda, foi “a banhos da Figueira”).

Um facto relevante nestes registos, é que os viajantes eram todos homens, sendo que as mulheres apareciam apenas como acompanhantes, ou, muito raramente, no caso de serem viúvas, podiam requerer passaporte e viajar acompanhadas por algum familiar mais velho ou pelos filhos. Não admira que fosse assim nesse tempo; o pior foi a situação ter-se prolongado por tantos anos.

Este modo de viajar, que se manteve até há pouco mais de um século, não seria muito diferente do que acontecia na Idade Média ou até antes. Entretanto as mudanças foram enormes. Já quase com os nossos avós, o aparecimento do comboio, seguido do automóvel e do avião, e a abertura de estradas e autoestradas em qualquer bocado de terra tornou o mundo mais pequeno; uma viagem que demorava muitos dias a concluir faz-se agora em poucas horas e a vida das pessoas ficou mais fácil - para o bem e para o mal. Daqui por uns anos se verá em que proporção…

M. L. Ferreira

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Reboleiros

O castanheiro que deu estas castanhas é muito jovem, mas já tem uma longa história.

Plantei-o enxertado, mas secou, numa das muitas ondas de calor do verão que me foram secando todos os castanheiros que comprei enxertados.

Mas depois rebentou na parte do porta-enxerto, isto é, no bravo. No passado, estes castanheiros eram chamados reboleiros, talvez por darem castanhas reboludas.

Entretanto, veio o fogo, já recuperou e deu este ano uma boa mão-cheia de castanhas. Deixam uma sensação de farinha na boca, mas são bem boas!


A Libânia e o Zé Barroso falavam há dias em ir aos míscaros. Ainda não os encontrei, nem tortulhos, mas já há destes vermelhos, no meio dos matos, em zona ardida em 2017.

Eu só comi míscaros, tortulhos e daqueles grandes castanhos. Mas há conhecedores que comem uma grande quantidade deles. Este será venenoso...

José Teodoro Prata