«Uns poucos casebres dispersos. Uma quinta. Depois as hortas. Mais para longe, os campos de oliveiras. Então, um velho moinho d´água e, logo a seguir, o monumento com escadas diante do cemitério.
A uma velhinha que passava o viajante interroga. E ela diz-lhe:
- Continue por esta estrada, e desça até à esquina. Verá daí uma praça, e nela uma taberna. Pergunte que hão-de informá-lo.
Pela estrada foi e ei-lo dentro da povoação, com suas ruas de pedras reboludas, ruas estreitas, de antigas casas, muitas delas arruinadas.
E logo se viu na dita praça. Com um pelourinho de vila, coluna de granito, encimada por símbolos misteriosos, pássaros e barcas, sabe deus de quê, que mistério e que tempo ali inscritos.
Guiou o cavalo a passo lento e parou em frente à porta onde alguns aldeões se encostavam, logo a olharem para ele de esguelha da forma que se olham os forasteiros. Apeado, foi prender a montaria à argola de ferro, ali como em outros lugares, com a finalidade referida. Deu os bons dias a todos e, entre dentes, os nativos deram-lhe troco na mesma moeda, porém com muito menos entusiasmo.
Entrou. O taberneiro aguardava. Repetiu a saudação:
- Bons dias, ponha aí um copo, tio, que o tempo não está para brincadeiras.
O taberneiro investigou-o com olhar desconfiado e aproximou-lhe a caneca, no balcão.
Depois, no silêncio, uma cabra baliu, pondo a cabeça para dentro da venda. Um pastor aproximou-se:
- Então, o amigo parece vir de longe…
Seguindo-lhe o exemplo, os demais fregueses se aproximaram sem cerimónia, para conferir se o velho Estêvão estava com a razão.
Tiago tomou o seu trago de vinho e olhou tranquilamente a assistência à sua volta. Viajante calejado, sabia que aquela era a primeira pergunta do inquérito a que o submeteriam. Respondeu:
- Se venho de longe? Bom, isso depende o que se chama longe. A verdade é que meu modo de vida é viajar, e por isso, para mim, talvez as distâncias pareçam mais curtas.
Não era mal encarado o peregrino. Antes pelo contrário. A fisionomia do dono da casa aligeirou-se num cordial sorriso:
- Mas o amigo tem cá família? Ou veio em negócios?
Tiago procurou no bolso os apetrechos de fumar, começando então a embrulhar um cigarro:
- Família? Não, não tenho.
Na primeira bofarada acrescentou:
- Mas talvez vossemecê me possa ajudar: como poderei encontrar, aqui em São Joaquim da Serra, os herdeiros de uma loja de comércio que anunciaram para venda, num jornal?»
O forasteiro fez negócio e, recém-casado, mudou-se para a nova terra. Ali lhe nasceram as duas filhas, Maria Daniel e Maria de Lourdes.
Foi esta que assim reconstituiu, em Adeus Aldeia, o primeiro contacto do seu pai com São Vicente da Beira.
Maria de Lourdes Hortas, Adeus Aldeia, Sólivros de Portugal, Trofa, 1990
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