No passado sábado, véspera de Domingo de Ramos, passei por três tratores a carregar ramos secos de pinheiro, no curto espaço entre o Carvalhal Redondo e o Caldeira. A lenha é, certamente, para os bolos e os doces da Páscoa, com que tradicionalmente se quebra o longo jejum da Quaresma.
O Domingo Gordo, domingo anterior ao Carnaval, foi a penúltima etapa antes dos sacrifícios. Costumava-se comer o rabo do porco, na salgadeira desde a matação. No tempo em que os porcos ainda comiam comida de gente (hortaliças, botelhas, beterrabas, farelos, lavadura da loiça dos donos…), o rabo do porco era uma das partes mais saborosas do dito. Claro que não era só o rabo, mas toda a zona envolvente ao cu, incluindo a ponta final da espinha. A água em que era cozido fazia uma sopa de estalo e depois acompanhava com feijão grande. E nem pensar em deitar fora o toucinho, porque gordura e febra era tudo uma delícia! (Quando eu era criança, nos anos 60, contava-se, na Vila, que o Doutor Alves aconselhara alguém a dar couves ao porco, para a carne ter mais sabor, sem ser muito gorda.)
Dois dias depois era o Carnaval, a despedida dos prazeres. Há dois anos, quando escrevi sobre as nossas tradições carnavalescas, não liguei ao arroz-doce referido no trabalho da minha irmã Isabel, em que me tenho apoiado nestas tradições. Não liguei, porque aquilo não me dizia nada: nem gosto especialmente de arroz-doce, nem era muito habitual fazê-lo na casa dos meus pais.
Ora, no ano passado, oito dias antes da Feria de Gastronomia, o Presidente da Junta, eu e a minha tia Eulália (Teodoro e Jerónimo) fomos entrevistados para a Rádio Cova da Beira. Ao ouvir a entrevista da Tia Eulália é que percebi toda a importância do arroz-doce nos rituais iniciais do ciclo quaresmal. Na casa dos meus avós paternos, onde tanta coisa faltava nesses anos 40 e 50 do século XX, nunca a minha avó Rosário deixava de fazer o arroz-doce, para toda a família comer e consolada entrar no jejum da Quaresma.
As semanas iam-se sucedendo e, chegados à Quinta-Feira Santa, nem couves se podiam comer, pois nelas estivera escondida a Sagrada Família, fugida dos soldados de Herodes. No dia seguinte, não se trabalhava. Era dia de luto total. Recordo-me de que, na Semana Santa, toda a gente se confessava e comungava, praticamente sem exceções. E nesses tempos comungava-se em jejum, mesmo que a missa fosse ao meio dia, como era costume. Um dia, o meu avô Francisco tocou com o pão na boca, ao levantar-se de madrugada e, antes de comungar, contou o sucedido ao senhor Vigário, para ele lhe autorizar a comunhão.
Cristo ficava morto durante todo o dia de sábado e nós aproveitávamos para fazer bolos e doces. À meia-noite, era a missa da Aleluia, Cristo ressuscitava e o povo desforrava-se de semanas de tristeza e jejuns: as Boas-Festas, os bolos, os tremoços, o convívio com os amigos e familiares e depois as romarias. Entrava-se numa nova etapa, o ciclo Pascal, em que se festejava a vida.
Se me virem por aí, já sabem: a minha preferência vai para uma fatia de bolo da Páscoa coberta com uma talhada do mesmo tamanho de queijo fresco caseiro (o do circuito comercial tem um aditivo que o torna amargo, sem o sabor adocicado do leite).
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