A. dos Santos
GARDUNHA
Antes do lusco-fusco,
Da manhã,
Na serra,
Cheira já a hortelã.
Lá no cume,
Ti’ Liberato,
Salta da cama, brusco,
Para acender o lume.
Quer ir ver as coisas a crescer,
De imediato,
Pois, como é?!
Breve, põe-se a pé,
Deixando a brasa,
E a Ti’ Maria,
Em casa,
Ainda a dormir.
Logo ali, no pátio, ao alvorecer,
Nota-se o ar fresco,
Sente-se o esvoaçar d’asa,
Do passaredo,
Ouvem-se os porcos grunhir,
No cortelho,
O piar do mocho agoireiro,
Grotesco,
E o vento a dar no arvoredo.
Eia!!! De repente,
Mesmo ali no terreiro,
Em frente,
Um coelho,
Corre, desalmadamente,
Fugindo de um cão,
Ão, ão, ão, ão…
Esta madrugada,
Vai estando animada!
Mas, no mais,
Além do sururu dos animais,
Tão familiar,
Tudo está em sossego.
Liberato, no escuro,
A tatear,
Afoita-se à frente,
Com cautela, como que em segredo,
A perscrutar o breu profundo,
Para além do pequeno muro,
Ali à volta construído,
Postado como um guarda.
Pareceu-lhe ouvir um ruído,
Além do bulir do mundo,
Na vala, lá mais adiante.
Não precisa da espingarda,
A zagaloteira, sempre alerta, carregada,
Para a caça ou a bicharada,
Mas que já preveniu desavença.
Soberbo, confiante,
Como um juiz que profere uma sentença,
Sem medo,
Brada:
“Que é lá isso”?!
“Quem é que lá vem”?!
E nada…
Bem…
C’o mosquedo,
Que já ferra a sua lanceta,
Descorçoada,
Incomodada,
Talvez tivesse sido a “Preta”,
A burra,
Presa p’la trela,
Além mais a cima, na loja, a sós,
Que deu algum coice,
E bateu nalguma cancela.
Como que picada por foice,
Zurra,
Assim que lhe ouve a voz!!
Amanhece.
Naquele início de dia,
De primavera,
Ares lavados,
Orvalhada fria,
Liberato desce,
Cedo,
Por veredas e valados,
Com a maresia,
Para ver o trigo e o pão.
Assobio a silvar, ledo,
Volteando pelo ar,
Em melodia,
C’o vapor d’água,
Da respiração,
A desafiar o melro
E a cotovia,
Que cantam mágoa,
Alegria.
A lavourar, assim,
P’la serra,
(Ainda não viu vivalma),
A cheirar o rosmano e o alecrim,
A vistoriar a terra,
Solitário, parcimonioso,
Congemina,
Com toda a calma:
“Aqui semeio a ervilha”,
“Além o pepino”,
“E o grão”.
E lá p’rá frente, para a rega,
Há boa água na mina,
Que riqueza, que maravilha!
C’o sol a pino,
No verão,
Quando canta a cegarrega,
Tanque cheio todos os dias,
A vazar por cima,
Onde as aves nativas
Ou de arribação,
Vadias,
Vêm beber,
Furtivas,
Quase a arder,
Sequiosas,
Refugiando-se, depois, sadias,
À sombra das mimosas.
Um comentário:
Muito bucólico.Cheira um bocado a Torga. Alguém culto com grande amor e conhecimento da natureza.Quanto mais leio mais gosto...
Parabéns ao autor desconhecido. Deve ser Charneco...
Francisco Barroso
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