sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Parabéns avó


Margarida Gramunha

Vejo-a através da porta, sentada em frente à janela a costurar na sua máquina muito antiga, enquanto conversa com a minha mãe. Fazia belas almofadas e pegas de restos de tecidos. Tenho-as aqui em casa a uso, pois foram religiosamente guardadas no meu enxoval.
Ouço as pancadas do cabo da vassoura a decretar a alvorada, ainda de noite, quando os trabalhos agrícolas assim o exigiam. Ao chegarmos à cozinha, terrivelmente ensonados e maldizendo a nossa sorte, já o pequeno-almoço esperava por nós e dele fazia sempre parte o delicioso pão amassado por tão sábias mãos.
Durante alguns anos, ainda nos acompanhava à serra, onde orientava os trabalhos e cozia tabuleiros de bolos e de pão de trigo. Quando já não nos acompanhava, prometia-nos um soldo a fim de que não esmorecêssemos sob a dureza do sol escaldante na apanha da batata e na vindima ou sob o rigoroso inverno, aquando da campanha da azeitona.
Tive o privilégio de assistir à matança do porco e à forma frenética como andava de um lado para o outro a trabalhar sem parar. Recordo os enchidos pendurados na cozinha e o chá de orégãos que bebíamos à lareira para combater a tosse.
As suas batatas cortadas grosseiramente e fritas em azeite, os seus ovos estrelados numa frigideira de ferro muito pequenina e o seu molho de tomate bem doce eram divinais.
Assim como as filhoses, as bicas, os borrachos e os esquecidos feitos pelas suas mãos.
A máquina está parada no quarto há pelo menos uma década e há já muitos anos que não consegue cozinhar como dantes. Mas o seu saber está já salvaguardado na minha mãe e no meu tio.
A minha avó Maria dos Anjos Alves completa 90 anos, no dia 9 de Fevereiro. É uma idade muito bonita e ainda mais para alguém que diz que está quase a morrer há tantos anos. Embora já quase não se consiga deslocar, o que faz com que não saia de casa, está muito lúcida e muito viva.
Ela tem tantas histórias para contar, sabe orações tão longas que parecem mantras e foi com ela que aprendi a bicha coca, o santo António e a Margarida vai à fonte.
Com todos os seus defeitos e virtudes, ela é maravilhosa.
Deus a conserve cá mais algum tempo para que eu possa recolher mais alguma da sua sabedoria e memória.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que bela surpresa, logo pela manhã, com esta homenagem da Margarida à sua avó! Um belo texto, carregado de memórias de infância que deixam adivinhar um mundo de afectos como só os avós podem dar.
A sorte da Margarida e de tantos de nós que pudemos viver experiências inesquecíveis como as que ela evoca! De certeza que, quando já formos muito velhinhos e tivermos esquecido a maior parte das coisas que vivemos, serão estas as lembranças que continuarão mais presentes e nos permitirão voltar a ser crianças. Oxalá então nos compreendam…
Parabéns, Margarida, para si e para a sua avó, e que possam ainda comemorar mais alguns aniversários juntas!

M.L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

Parabéns à ti Maria dos Anjos.
90 anos é uma bonita idade. Às vezes já com algum desânimo, mas depois vivem-se momentos, como certamente o de hoje, e tudo volta a valer a pena.
Um beijo muito grande.

Anônimo disse...

Olá, Guida.
Não é a primeira vez que o digo: escreves muito bem e, por isso, acho que devias exercitar e desenvolver essa faculdade. Vivenciaste desde muito pequenina a realidade de S. Vicente e isso marcou-te de tal forma que já demonstraste ser uma 'vicentina pelo coração' (como disse, em tempos, um poeta popular que viveu na Vila).
E parabéns à Ti' Maria do Anjos pelos 90! Essa rima de anos!
Zé Barroso