Ainda
a propósito da Má Hora, contaram-me há muito tempo a seguinte história, passada
na minha família:
Uma
das minhas tias foi sempre enfezada e, como ela própria ainda diz, fraca da
cabeça. Uma altura, já mulherzinha, andava mesmo muito doente: amarelenta, com
fastio, sem vontade de trabalhar… Um tormento para ela e transtorno grande para
a família!
Um
dia passou por um homem que havia cá na terra e sabia muito destas coisas de
Deus e do demónio e até tinha um livro sobre o diabo (seria o Livro de São Cipriano?).
Só de olhar para ela, o dito homem fez logo o diagnóstico “Tu andas é
embruxada, cachopa!”. E recomendou: “Olha, logo à meia-noite, pões uma panela
ao lume, metes lá dentro uma peça de roupa tua e, quando começar a ferver,
picas a roupa com um espeto com toda a força. Fazes isto até à uma. Vais ver
que quem quer que seja que te anda a fazer mal vai entrar pela fechadura da
porta toda encarrapata e, com a vergonha, vai deixar de te apoquentar”.
A
minha tia que para além de enfezada e “fraca da cabeça” era muito medrosa, foi
ter com a minha mãe e contou-lhe o que o tal homem lhe tinha dito. A minha mãe,
mais velha e afoita, mas também muito crente nestas coisas do outro mundo,
prontificou-se logo para ajudar.
Então,
ainda nessa noite, quando todos já tinham ido para a cama, puseram a panela a
ferver ao lume, meteram lá dentro uma combinação e, com toda a força que
tinham, espicaçaram-na com o espeto de virar as filhoses durante bastante
tempo. Já era quase uma da manhã quando, cansadas e desiludidas, mas se calhar
também com medo, desistiram…
No
dia seguinte, a minha tia voltou a encontrar o tal homem que lhe perguntou como
é que as coisas tinham corrido. Quando ela lhe disse que não tinha aparecido
ninguém, ele ficou admirado, mas disse que se calhar elas não tinham feito tudo
como devia ser. E se calhar não…
M.
L. Ferreira
Nota:
Acho muito interessantes estas histórias da Boa e Má Hora, até porque foram
delas que se alimentou o imaginário de muitos de nós durante a infância. Ainda
hoje gosto de as ouvir… Mas, como sugeriu o Ernesto há dias, acho que prefiro a
Hora das Loiras ou doutra coisa qualquer, principalmente se for em boa
companhia!
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