quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Quem aprende...

Como eu salvei hoje um rebanho de cabras

Acordei de manhã com a boa disposição de quem regressará à noite a São Vicente. Preparei os filhos e as malas e rumámos às escolas. Por ser ainda cedo, alterei a ordem natural das entregas e fui deixar o Tiago primeiro.
Ao chegar à rua da escola, deparámo-nos com um rebanho de cabras à solta, trazendo duas delas as cordas a arrastar no chão. As pessoas que por ali estavam exibiam no rosto a sua máscara de espanto e as crianças olhavam os animais como quem vê os ETS da Gardunha e algumas choravam com medo.
Estavam todos tomados pela apatia que se apossou de quase toda a Humanidade. Como aquela senhora, já de idade, que há tempos ficou muito surpreendida com o meu cumprimento, quando se sentou ao meu lado num banco de jardim. A mesma apatia que impede quase toda a gente de repreender os filhos dos outros quando estes disparatam na ausência dos pais.
Mas, regressando às cabras... Disse ao meu Diogo que agarrasse uma corda e eu agarraria a outra. Ele ainda tentou recusar, mas eu incitei-o a ser valente, posto que os animais são mansinhos e até dão leite. Lá fomos devagarinho, para não as assustar, e depois de estarem em nossa posse era ainda preciso descobrir quem era o dono.
Houve palpites para todos os gostos, que eram do Manel ou do Carlos ou de mais não sei quem...Uma senhora cheia de pressa garantiu-me que pertenciam à Lurdes, que fosse por aquele caminho agrícola e virasse à direita, depois de um bocado encontraria a casa das cabras, onde as poderia fechar.
Fiz-me ao caminho, agarrei nas duas cordas e com o Diogo atrás delas com um pau para as convencer a avançar.  
Chegados ao sítio indicado, numa área de mata deserta de pessoas, deparámo-nos com um palheiro cheio de ovelhas.
- Rais parta o damonho, nesta terra nem sabem distinguir cabras de ovelhas!
Resolvi amarrar as cabras a duas árvores e voltar aos meus afazeres. Ficaram todas contentes a comer folhas dos arbustos.
No caminho de regresso, encontrámos o pastor com o seu cajado. Trazia um sorriso enigmático no rosto. Indiquei-lhe a localização dos animais e segui o meu caminho sem ouvir um bem-haja…
E foi assim que salvei um rebanho de cabras ou atrapalhei a vida de um pastor.

Ana Gramunha

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7 comentários:

Ernesto Hipólito disse...

Parabéns Ana.
É bom quando nós gostamos de voltar ás nossas origens e não vemos a hora de chegar.
Infelizmente na maior parte dos casos é ao contrário. Faz-me lembrar aquele caso tão conhecido daquela moçoila da aldeia que foi dois meses para Lisboa como criada de servir (empregada doméstica) e quando regressou à aldeia foi ter com o pai que andava a guardar umas cabras e pergunta-lhe:
- Que bichinhos são estes meu pai?
- São cabras minha filha!
- Caibras?. Que nome tão esquisito!.
Entretanto e sem querer, pisou um ancinho (inchinho) que estava deitado no chão com os dentes virados para cima.
Ao pisar os dentes da ferramenta o cabo desta levantou-se e veio bater-lhe violentamente na testa. Logo ela muito depressa:
Porra pró inchinho!!!

Ernesto

Anônimo disse...

Não sei onde é que se passou esta história, mas só pode ter sido numa cidade grande, provavelmente Lisboa ou arredores, onde as circunstâncias da vida fizeram com que as pessoas esquecessem as palavras “bom dia”, “desculpe”,“faz favor” ou “bem-haja”. Esqueceram também o nome das coisas simples…
Este relato fez-me recuar muitos anos, quando morava em Odivelas e trabalhava na Praça do Areeiro. Todos os dias de manhã, quando ia para o trabalho, o trânsito parava durante alguns minutos, ao fundo da Calçada de Carriche, para deixar passar um rebanho de ovelhas que iam pastar nuns terrenos baldios que havia do outro lado da estrada (nesses terrenos existe agora um condomínio de luxo com um campo de golfe à volta…). Era um rebanho enorme, que me fazia lembrar o do Senhor Albano quando atravessava a Estrada Nova, rente ao sol posto, o Nonga e o cão atrás, a caminho da corte.
Que bom a Ana não ter esquecido os valores das suas raízes e estar a alimentá-los também nos seus filhos!

M. L. Ferreira

Anônimo disse...

Guida: já te tinha dito, há meses, neste blogue, que tens queda para escrever; isto, apesar de, à época, ter visto apenas uns comentários teus; mas apercebi-me que o que escreves está repleto de ternura, simplicidade e de boas imagens. Outra coisa importante que tens, é gostar de ler e escrever. E isso é meio caminho andado para aperfeiçoares as tuas prestações neste espaço que é, afinal, também, uma oficina da escrita.

Beijinhos
Zé Barroso

Margarida Gramunha disse...

Esta história aconteceu faz hoje uma semana em Aveiro. Por causa da Universidade vivem cá muitas pessoas que não nasceram na cidade.
Aqui as aldeias anexas à cidade estão todas coladas entre si e à cidade fazendo com que esta pareça maior do que é. Só sabemos que saímos de Aveiro e entramos em aradas e saímos de aradas e entramos em S. Bernardo ou no Bonsussesso se estivermos atentos às placas. A agricultura está muito presente nestas aldeias anexas que servem também de dormitório a quem trabalha na cidade. É fácil avistar gado ovino e bovino e mais raramente caprino a pastar nos campos que rodeiam estas localidade mas nunca antes os tinha visto soltos na estrada.
Embora esta não seja uma cidade muito grande é já uma cidade fria onde as pessoas vivem cada vez mais voltadas para dentro de si próprias. É em S. Vicente que me sinto em casa.
O meu Diogo depois desta experiência diz que já não quer ser nem músico nem futebolista, agora quer ser Pastor !
Bem hajam pelos cometários tão agradáveis.

Anônimo disse...

Isto anda mesmo animado. Uma pessoa assoma aqui na praça virtual e há sempre alguém a contar histórias. E ficamos a saber quem gosta da praça e matamos saudades uns dos outros, mesmo sem lhe apertar os ossos e ver o seu sorriso. Mas eu consigo imaginar e é bom, mesmo sendo menos que o real.
Gostei de te encontrar aqui Ana Margarida.
Francisco Barroso

Unknown disse...

5 estrelas... havias de ter posto o Diogo a ordenhar o leite da manhã :). Gostei do teu relato.

Voa Borboleta disse...

Imagino o DIogo velhinho numa serra a guardar cabras ou ovelhas. :)
Sim, sou dessas meninas da cidade que quase não distingue uma ovelha de uma cabra. :S