quarta-feira, 13 de novembro de 2013

É quase Natal

A NOITE DE NATAL
(Adaptação da obra “A Noite de Natal” de Sophia de Mello Breyner Andresen, a texto dramático, por José Teodoro Prata)

Personagens:
Joana
Manuel
Criada Maria
Criada Gertrudes
Mãe da Joana
Pai da Joana
Tio da Joana
Tia da Joana
Primo da Joana
Prima da Joana
Rei Baltasar
Rei Gaspar
Rei Melchior
Sombras (4 ou 6)
Anjos (2 a 4)

I
Um amigo
Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta, onde a Joana brincava. Fazia casas pequeninas, com musgo, ervas e paus.
Joana: Que pena não viver ninguém nestas casinhas!
E continuou a brincar.
Joana: Era um sítio tão bom para morarem anões!
Um dia vieram os primos brincar com ela. Mas só queriam jogar à bola e jogos de computador e faziam troça das casas de musgo.
Primo: Para que servem estas casinhas? Não sei como tens paciência para ficar aí de joelhos, tanto tempo, a fazer coisas tão pequenas e inúteis.
Prima: Que seca!
Quando os primos abalavam, Joana tinha pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha.
Joana: Não entendo os meus primos, não sei brincar como eles!
Mas um dia encontrou um amigo. Estava encarrapitada no muro do jardim e passou um miúdo pela rua. Vinha todo vestido de remendos e caminhava devagar, sorrindo às folhas de Outono. Joana sobressaltou-se.
Joana: Ah! Parece mesmo um amigo! É exatamente igual a um amigo.
E do alto do muro chamou-o:
Joana: Bom dia!
O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:
Manuel: Bom dia!
Ficaram um momento calados.
Joana: Como é que te chamas?
Manuel: Manuel.
Joana: Eu chamo-me Joana.
De novo ficaram um momento calados.
Manuel: O teu jardim é muito bonito.
Joana: É, vem ver.
Joana mostrou ao garoto tudo o que havia no jardim e ele observava cada coisa com muito interesse.
Manuel: É lindo, é lindo.
Chegaram às casinhas pequeninas.
Joana: É aqui que eu brinco.
Manuel: Para quem são estas casinhas?
Joana: São para os meus amigos anões.
Manuel: Vamos fazer uma casinha para o rei dos anões.
Apanharam paus, pedras e musgo e começaram a construir uma casinha. Brincaram assim durante muito tempo até que se ouviu o apito de uma fábrica.
Manuel: Meio-dia, tenho de me ir embora.
Joana: Onde é que tu moras?
Manuel: Além nos pinhais.
Joana: É lá a tua casa?
Manuel: É, mas não é bem uma casa.
Joana: Então?
Manuel: O meu pai está no céu. Por isso somos muito pobres. A minha mãe trabalha todo o dia, mas não temos dinheiro para ter uma casa.
Joana: Mas à noite onde é que dormes?
Manuel: O dono dos pinhais tem uma cabana onde dormem uma vaca e um burro. E por esmola dá-me licença de dormir lá também.
Joana: E onde é que brincas?
Manuel: Brinco em toda a parte. Dantes morávamos no centro da cidade e eu brincava no passeio e nas valetas. Brincava com latas vazias, com jornais velhos, com trapos e com pedras. Agora brinco no pinhal e na estrada. Brinco com ervas, com os animais e com as flores. Pode-se brincar em toda a parte.
Joana: Mas eu não posso sair deste jardim. Volta amanhã para brincar comigo.
O Manuel voltou todos os dias e juntos ficavam a brincar, esquecidos das horas. Às vezes uma criada vinha trazer-lhes um lanche.
Criada Maria: Menina, trago aqui um lanche para si e para o seu amigo. Larguem a brincadeira por um instante e venham comer.
Joana: Obrigado Maria. Manuel, vem lanchar comigo.
A Joana e o Manuel sentaram-se e saborearam a fatia de bolo e o sumo que a Maria lhes trouxera. Depois voltaram às suas brincadeiras. E foi assim que Joana encontrou um amigo.

II
A festa
Até que chegou o Natal. Na véspera, a Joana vestiu um vestido muito bonito e na casa havia riqueza e alegria. Joana andava maravilhada. Veio ao jardim e olhou o céu cheio de estrelas.
Joana: A minha casa está linda, mas no céu ainda há uma festa maior, com milhões e milhões de estrelas!
Joana voltou a entrar em casa e perguntou à criada Gertrudes:
Joana: Ainda falta muito para o jantar?
Criada Gertrudes: Ainda falta um bocadinho, menina.
A criada ia a afastar-se, mas ela chamou-a de novo:
Joana: Gertrudes, ouve uma coisa.
Criada Gertrudes: O que é?
Joana: Que presentes é que achas que eu vou ter?
Criada Gertrudes: Não sei, não posso adivinhar.
Joana: E achas que o meu amigo vai ter muitos presentes?
Criada Gertrudes: Qual amigo?
Joana: O Manuel.
Criada Gertrudes: O Manuel não. Não vai ter presentes nenhuns.
Joana: Não vai ter presentes nenhuns!?
Criada Gertrudes: Não.
Joana: Mas porquê Gertrudes?
Criada Gertrudes: Porque é pobre. Os pobres não têm presentes.
Joana: Isso não pode ser, Gertrudes.
Criada Gertrudes: Mas é assim mesmo.
A Gertrudes saiu e deixou a Joana intrigada, a cismar.
Joana: É tão esquisito o que a Gertrudes me contou. É como uma mentira. Mas ela sabe tudo!
Entretanto, a criada Maria veio avisar:
Criada Maria: Menina, chegaram os primos.
Entraram os primos e a Joana alegrou-se. Depois vieram os pais e os tios. Vivia-se um ambiente de festa e alegria. De repente a Joana voltou a lembrar-se do Manuel e isolou-se do grupo, pensativa.
Joana: Com certeza que a Gertrudes se enganou. O Natal é uma festa para toda a gente. Amanhã o Manuel vai-me contar tudo. Com certeza que ele também tem presentes.
E consolada com esta esperança a Joana voltou a ficar alegre e juntou-se à festa. Estava encantada com as luzes, as comidas… O primo puxou-a pelo braço:
Primo: Joana, estão ali os teus presentes.
A Joana abriu os seus presentes e ria-se e batia palmas de contente. De repente lembrou-se do Manuel.
Joana: Talvez o Manuel tenha tido um automóvel.
A festa continuou, até que o pai disse:
Pai: São onze e meia. São quase horas da Missa do Galo. E são horas de as crianças se irem deitar.
E foram saindo todos:
Pai e mãe: Boa noite, minha querida. Bom Natal.
O pai e a mãe despediram-se da Joana com um beijo e saíram. Depois vieram as criadas a arrumar tudo.
Criada Gertrudes: Bom Natal, menina. Então, teve os presentes que queria?
Joana: Sim, todos. Estou muito contente! Bom Natal, Gertrudes.
Mas também elas começaram a sair. Então a Joana chamou a Gertrudes.
Joana: Gertrudes, aquilo que disseste antes do jantar é verdade?
Criada Gertrudes: O que é que eu disse?
Joana: Disseste que o Manuel não ia ter presentes porque os pobres não têm presentes.
Criada Gertrudes: Está claro que é verdade. Eu não digo fantasias: não teve presentes, nem árvore, nem peru recheado, nem filhoses.
Joana: Mas então o Natal dele como foi?
Criada Gertrudes: Foi como nos outros dias.
Joana: E como é nos outros dias?
Criada Gertrudes: Uma sopa e um bocado de pão.
Joana: Gertrudes, isso é verdade?
Criada Gertrudes: Está claro que é verdade. Mas agora era melhor que a menina se fosse deitar, porque estamos quase na meia-noite.
Joana: Boa noite, Gertrudes.
A criada Gertrudes saiu e a Joana ficou sozinha. Volta a olhar para os presentes.
Joana: Uma boneca, uma bola, uma caixa de tintas e livros. Deram-me tudo o que eu queria. Mas ao Manuel ninguém deu nada.
Depois, ficou pensativa e falar consigo própria, a imaginar o Manuel na cabana.
Joana: Que frio deve estar na cabana onde o Manuel dorme! Que escuro lá deve estar! Que triste lá deve estar.
E depois, decidida:
Joana: Amanhã vou-lhe dar os meus presentes.
Mas suspirou:
Joana: Amanhã não é a mesma coisa. Hoje é que é Noite de Natal.
Vestiu um casaco e pegou nos presentes, só deixou a boneca, pois o Manuel era um rapaz. Abriu a porta devagarinho e saiu para o escuro da noite.

III
A estrela
Quando a Joana se viu sozinha no meio da rua teve vontade de voltar para trás. Estava tudo deserto, não se viam pessoas, só se viam coisas. Tinha a impressão de que as coisas a olhavam e se mexiam como pessoas. (Partes desta caminhada podem decorrer nos espaços do público).
Joana: Tenho medo.
Mas continuou. Caminhava sempre, mas começava a duvidar.
Joana: Será possível que eu chegue lá?
As ervas estavam geladas e o vento cortava a sua cara como uma faca.
Joana: Tenho frio.
Sentiu-se perdida, sem saber por onde seguir.
Joana: Para que lado ficará a cabana?
Olhava para um lado e para o outro, sem saber que direção seguir.
Joana: Como é que hei-de encontrar o caminho?
E levantou a cabeça. Então viu que no céu, lentamente, uma estrela caminhava.
Joana: Esta estrela parece um amigo.
E começou a seguir a estrela. As sombras enormes fizeram uma roda à sua volta. Um pouco depois ouviu passos.
Joana: Será um lobo?
Depois surgiu um vulto.
Joana: Será um ladrão?
O vulto parou na sua frente e ela viu que era um rei.
Joana: Boa Noite
Rei (Melchior): Boa noite. Como te chamas?
Joana: Eu, Joana.
Rei (Melchior): Eu chamo-me Melchior. Onde vais sozinha a esta hora da noite?
Joana: Vou com a estrela.
Rei Melchior: Eu também, também vou com a estrela.
E juntos seguiram pelo pinhal. De novo ouviram passos e um vulto surgiu entre as sombras da noite.
Joana: Boa noite. Chamo-me Joana e vou com a estrela.
Rei (Gaspar): Também eu, também eu vou com a estrela e o meu nome é Gaspar.
E seguiram juntos até que voltaram a ouvir passos e um novo vulto surgiu do escuro.
Joana: Boa noite. O meu nome é Joana e vamos com a estrela.
Rei (Baltasar): Também eu caminho com a estrela e o meu nome é Baltasar.
E juntos seguiram os quatro através da noite. Até que chegaram a um lugar onde a estrela parou. Era um casebre sem porta, mas Joana não viu escuridão, nem tristeza, só um casebre que irradiava luz. E Joana viu o seu amigo Manuel deitado nas palhas, entre a vaca e o burro, rodeados de anjos.
Joana: Ah, aqui é como no presépio!
Rei Baltazar: Sim, aqui é como no presépio.
Então a Joana ajoelhou-se e poisou no chão os seus presentes. Os Reis Magos fizeram o mesmo. Depois, a Joana virou-se para o público.
Joana: Vamos festejar o Natal do meu amigo Manuel. Cantem todos comigo.

Refrão
Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria

Entrai pastorinhos, entrai 
Por este portal sagrado 
Vinde adorar o menino 
Numas palhinhas deitado

Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria

Ó meu Menino Jesus
Ó meu menino tão belo
Logo viste nascer
Na noite do caramelo

Alegrem-se os céus e a terra
Cantemos com alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filho da Virgem Maria

(Nota: a canção deve adaptar-se ao público presente, pois é importante que a saiba cantar.)

FIM

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