segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O testamento de uma tecedeira, 1781

Luiza de Mena era solteira, vivia na Vila e sempre trabalhou como tecedeira. Faleceu no dia 15 de Abril de 1781 e deixou testamento, copiado para o livro de registo dos óbitos, pelo Cura Domingos Gaspar. Foi sepultada em cova da Fábrica da Igreja Matriz.

«Primeiramente disse que queria que o seu corpo fosse amortalhado em um hábito feito da sua saia preta e que seu corpo fosse sepultado na Igreja Matriz desta vila donde era freguesa e que por sua alma se lhe dissessem quarenta missas de esmola de cem réis cada uma, que pela sua mãe se dissessem dez missas, pela de sua avó Maria Nunes uma missa, pela de seu tio Antonio da Costa uma missa, pela de seus avós uma missa, a Santa Francisca uma missa, a Santa Gertrudes uma missa, ao Senhor Santo Cristo do Calvário uma missa, a São José uma missa, a Nossa Senhora do Rosário uma missa, ao anjo da Guarda uma missa, pelos irmãos da Misericórdia outra missa, pelas penitências mal cumpridas outra missa, pelos irmãos que faltasse com as rezas outra missa, a Santo António outra missa, todas de esmola de cem réis.
A Luiza, filha de Manoel Jorge desta vila, deixa uma camisa de linho nova; a quem lhe assistiu na doença da morte outra camisa de linho nova de linho, uma enxerga e dois lençóis grosseiros, um travesseiro de estopinha com sua fronha e um cobertor de pano amarelo; a seu primo Joaõ Correa, mil e duzentos réis; a Anna, filha de Manoel Leitaõ barbeiro, o seu capote de dorguete, à mulher de Joze Rodrigues Marques o moço, uma saca de camelão para que o dito Joze Roiz seja seu testamenteiro.
Declarou que as casas em que assistia eram suas e que do produto delas se lhe fizesse meio ofício e satisfizessem bem as esmolas das missas que ficam declaradas.
A Vitoria Maria, mulher de Antonio Caetano da Costa, lhe deixa o seu tear e dois pentes, um de vinte e cinco, outro de quarenta e dois, pagando a metade do tear, para o que será avaliado; ao Reverendo Padre Francisco Duarte lhe deixa uma colcha de linha branca, com obrigação de lhe dizer vinte e duas missas por sua alma, além das deitadas em seu testamento; a sua madrinha Maria de Carvalho lhe deixa o seu tacho e caldeira, com obrigação de lhe mandar dizer quatro missas; a Joana Jozefa, criada do Capitão-Mor Francisco Caldeira, deixa uma arca com sua fechadura; a sua afilhada Luiza, filha de Manoel Jorge, o seu tabuleiro e masseira. E na aprovação deste seu testamento disse lhe dissessem as três missas do Natal em louvor do Menino de Deus; e ao Doutor António Mesquita de Carvalho, o seu leito, pelo trabalho de lhe fazer o seu testamento; e de tudo quanto tem, disse, depois de seu bem de alma e missas satisfeitas, o deixava a seu primo Joam Correa, a quem instituiu por seu universal herdeiro.»
(S. Vicente da Beira, Registos Paroquiais - Óbitos, microfilme 145)

Pessoas referidas:
Luiza de Mena, solteira e tecedeira
Maria Nunes, avó de Luiza de Mena e já falecida
Antonio da Costa, tio de Luiza de Mena e já falecido
Joaõ Correa, primo de Luiza de Mena e porteiro da Câmara (fazia os anúncios)
Luiza, afilhada de Luiza de Mena e filha de Manoel Jorge
Anna, filha de Manoel Leitaõ, barbeiro
Joze Rodrigues Marques o moço, o testamenteiro
Vitoria Maria, mulher de Antonio Nunes da Costa
Padre Francisco Duarte
Maria de Carvalho, madrinha de Luiza de Mena
Joana Jozefa, criada do Capitão-Mor Francisco Caldeira
Doutor Antonio Mesquita de Carvalho, tabelião
O Cura Domingos Gaspar, natural do Louriçal do Campo e cura na Igreja Matriz

Bens que possuía:
1 casa
1 tabuleiro e 1 masseira
1 tacho e 1 caldeira
1 arca com fechadura
1 tear com 2 pentes, um de vinte e cinco e outro de quarenta e dois
1 saca de camelão
1 colcha de linha branca, 
2 camisas de linho novas
1 capote de dorguete
1 leito, 1 enxerga, 2 lençóis grosseiros
1 travesseiro de estopinha com fronha 
1 cobertor de pano amarelo
dinheiro: 9$300 réis = 6$100 réis para missas + 1$200 réis para o primo João Correia


José Teodoro Prata

Um comentário:

Anônimo disse...

Quando comprei o livro O Concelho de S. Vicente da Beira, por alturas da apresentação na nossa terra, dei-lhe uma vista de olhos, quase só para ver os assuntos abordados. Ficou depois como livro de consulta, e socorro-me dele frequentemente.
Mas lembro-me que, logo nessa primeira leitura, uma das coisas que maior interesse me despertou foi a transcrição de alguns testamentos. Para além de nos revelarem o aspeto de grande religiosidade das pessoas desse tempo (muitas missa por tudo o que é intenções e donativos para a Igreja e outras instituições religiosas), são também uma inspiração para o desenvolvimento de alguma consciência ecológica e da cultura do não desperdício.
Bem sei que já não nos vestimos com a estopa, o linho e o burel de antigamente, e uma capucha já não dura duas vidas (Aquilino Ribeiro em O Malhadinhas), mas isso não justifica, entre outras coisas, a compulsão que hoje temos de comprar coisas que muitas vezes não precisamos e não nos servem para nada.

M. L. Ferreira