Vem
esta lauda a propósito do que, parecendo uma coisa, às vezes é outra.
Um
tal Stefan Bolmann, conhecido provocador, publicou em Munique, um livrinho chamado
As mulheres que lêem são perigosas, título
que a casa editora Quetzal e o Círculo de Leitores mantiveram nas edições em
vernáculo. Em França, a editora Flammarion, carregou as cores do título,
dando-o como (tradução minha) As mulheres
que lêem são ainda mais perigosas. Lá teriam as suas razões, os franceses. Mas,
em qualquer dos casos, o título, sendo forte e chamativo, é enganador, pois é
do gosto pela leitura que o livro trata, afinal.
Escrito
isto, vamos lá ao da “reveladora ascensão”, Manuel de Lima, para os amigos “o
careca evidente”. A obra deste senhor, cheia de humor e non sense, é um dos lugares aonde torno com frequência, entre
outras razões para revisitar o episódio em que um certo Nicolau, às voltas com
um regedor (podia ser de São Vicente, já se vê), subido à torre da igreja em
trajes de dormir, de lá salta, dando aos braços, como se
fosse um pássaro – e voando! – quando os paroquianos saíam da missa de domingo.
Por
vício de formação ou pelo que seja, nunca leio toda a obra dos autores que
aprecio – como este; fica sempre algo por ler, a modo de pretexto para manter
em aberto a curiosidade da descoberta do escritor. Coisas!
Um
destes dias pus-me à estrada, na pista de outros escritos do Manuel de Lima.
Vinte passos à frente, dou comigo no Almocreve
das Petas, um respeitado e fiável blogue
sobre livros – “para ledoras viçosas e cavalheiros imprudentes” é o lema do
sítio. E pela mão do almocreve lá fui passando em revista os títulos conhecidos
do “careca evidente”, com uma surpresa no fim. Eu explico: além de Um homem de barbas, Malaquias, ou a história de um homem barbaramente agredido, O Clube dos
Antropófagos e A pata do pássaro
desenhou uma nova paisagem; a fechar a prosa, uma obra que desconhecia, de
todo, uma prometedora surpresa intitulada O
Rebelde, uma autobiografia que levava por subtítulo obra póstuma de Manuel de Lima.
Encontrar
o livro, publicado há uns cinco anos por uma editora obscura, passou a ser uma
das prioridades da semana; não era fácil, mas fez-se. Fui-o buscar numa
sexta-feira, a uma também obscura biblioteca pública na rua do Saco, a de São
Lázaro, na parte de cima do Hospital de São José. Ainda no local, folheei o
volume e passei os olhos pela contracapa – era um escrito autobiográfico, o que
me agradou.
Já
em casa, a coisa complicou-se – o Manuel de Lima da autobiografia era uma
decepção, pois nada tinha a ver com o que eu já tinha lido: prosa sem fulgor,
uma lúgubre história de vida, um desconsolo sem a chama, a ironia e o humor
negro subversivo do “meu ficcionista”. Um tiro póstumo, era o que me dava o
Lima.
Apesar
das evidências, não me conformava. Voltei por isso ao caminho das pedras: refazer
o trajecto, lateralizar a análise, confrontar datas, desconfiar de quem não
erra – quase um dia nisto. No domingo de manhã, a paz voltava ao acampamento,
se é que me entendem. Em definitivo, o autor de O Rebelde não é o Manuel de Lima, mas um seu homónimo com outros
talentos e predicados. Não deu por isso o homem das petas, que foi no engodo do
nome, fiou-se no que parecia, não leu o livro e fez asneira – pôs na internet
uma mentira de que se assinalará em Junho o sexto aniversário. Uma nódoa no
melhor pano, já se vê.
Deste
lado, voltou ao que era a imagem do Lima, o autor de A reveladora ascensão de Nicolau, a tal história (de Um homem de barbas) que o Martinho, o
dos livros, me garante como provável ter-se passado em São Vicente. Pode ser, meu
amigo, pode ser.
José Miguel Teodoro
3 comentários:
Não deixo de acompanhar o dia a dia "Dos Enxidros" mas, à vezes, não me dá jeito escrever de imediato! Vai daí, guardo para o dia seguinte; e, depois, para o outro dia; e, como diria o poeta "assim passan los dias..." !
Vejo que o JMT continua com as suas pesquisas, no intuito de investigar coisas remotas que, no entanto, têm ou podem ter a ver connosco! ó Zé, deixa-te ir, que vais bem!
E agora, peço desculpa, mas como não me pronunciei sobre a questão do património (postagem anterior), faço-o neste comentário. Em duas ou três linhas que seja.
Embora compreenda a posição do EH quando argumenta com o obra pombalina de Lisboa, junto-me ao coro dos que defendem a não demolição da casa da família Barreiros. De facto, no tempo do Marquês de Pombal não havia a noção de património que há hoje. Entendo que a parte velha da Vila deve ser preservada.
Sei que o Júlio Craveiro (Passaraço) pretendia fazer obras no Cimo de Vila (casa da Tia Maria José (Gata) e da Tia Maria do Carmo (Rinôca) (são casas contíguas). A autorização obrigava-o a manter a traça exterior e parece que ele desistiu das obras porque o espaço interior não seria compensador, em face do investimento, dada a grossura das paredes que, no caso, deveriam continuar de pé por imposição administrativa.
Nestas coisas, quando há interesses divergentes, um deles tem que ceder em face do outro. E alguém, quase sempre em posição incómoda, tem que decidir. O que, a meu ver, deve ser sempre feito com o menor prejuízo para ambas as partes, dependendo, é claro, dos valores (morais ou materiais) em presença. Para que a comunidade possa guardar as suas memórias (e a arquitetuta é uma delas), logo parece também que, talvez, se o Júlio pudesse prescindir de algum espaço, essa memória pudesse persistir para os vindouros e, já se vê, sem que lhe fosse impedida a realização das obras (que também são necessárias, precisamente, para a manutenção das edificações antigas). Pode ser que tal obra ainda venha a ser possível!
O mesmo se passaria, portanto, com a casa dos Barreiros. Com menos custos ainda, porque a casa já é do domínio de entidadas públicas! Seja de que século for, é antiga. E, mais que isso, descaracterizaria o sítio que apresenta uma rua estreita, típicamente medieval. Daí que discorde frontalmente da sua demolição. Muito menos para construir um parque de estacionamento, se esse for o caso, que poderá ser feito noutro local. E não na parte antiga da Vila.
Pot todo o lado, em localidades tão díspares como Lisboa, Coimbra, Almeirim, existem ruas de calçada irregular, antiga, que são preservadas pelas autarquias para se poder "ver" o passado. Embora possam e devam ser melhoradas, mas sempre com o mesmo tipo de calçada.
Quando Coimbra se candadatou a património mundial, foram preservadas as ruas antigas da Alta da Cidade. Muitas vezes falei com o Pedro Matias sobre o assunto. Já não se remediava nada, porque as ruas da Vila foram calcetadas de novo nos anos sessenta quando ainda se supunha que isso era um benefício absoluto. Concordo que se faça obra nova apenas nas zonas novas. Nas zonas antigas, só obra para preservar. É a minha opinião.
Abraços.
ZB
Interessante e curioso este texto, tanto do ponto de vista literário como pedagógico. Fui logo à procura de informação sobre a obra de Manuel Lima, mas, infelizmente, não encontrei muito mais do que o que é dito pelo JMT.
Os títulos dos livros são sugestivos, mas, a julgar pelo esforço do José Miguel, ainda por cima com resultados tão enganadores, é pouco provável que consigamos encontrar ainda algum exemplar da obra deste autor.
Estou aqui a lembrar-me de um conceito muito interessante de partilha de livros de que o Adelino, marido da Eulália Teodoro, aqui há tempos nos deu conta. Talvez ele, se estiver a ouvir-nos, nos possa explicar como é que a coisa funciona e, com as devidas adaptações, possamos pô-lo a funcionar entre nós, os que estivermos dispostos e interessados em partilhar os livros de que mais gostamos. Já faço isso com o Ernesto e com o José Teodoro (neste caso apenas no sentido de lá para cá). Seria uma forma de nos mimarmos também uns aos outros.
M. L. Ferreira
Na semana que vem mando ao ZTP um doc e um pdf com A reveladora ascensão do meu primo Nicolau, que ele poderá colocar aqui.
JMT
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