Na
sequência do texto sobre Fátima que há pouco tempo assinei neste blog, escrevo
agora este outro, que pouco tem a ver com o primeiro. De alguma forma, porém,
é, para mim, um aditamento clarificador. Mas, antes, duas advertências.
A
primeira para dizer que respeito todos os que pensam de maneira diferente da
minha. Este texto é, eventualmente, apenas, para confrontar ideias. E serviu de
base para responder, noutra instância, a um amigo meu, que bastante prezo e que
se assume como ateu (1).
A
segunda, para pedir desculpa a muitos dos leitores que, certamente, acharão
estes temas uma grande maçada! E com alguma razão! Mas, enfim, são poucas as
vezes que aqui aparecem coisas destas. E acontece que sempre me inquietei com
elas! Vá lá saber-se porquê! Ou talvez se saiba!...
Diz esse
meu amigo, em consonância com as ideias que abraçou, que Deus não existe! Para
se escorar nessa difícil posição (na verdade, o grau de dificuldade para provar
que Deus existe ou que não existe, é o mesmo!), recorre, esse meu amigo, a
argumentos de autores de vários quadrantes e sensibilidades. Todos próximos,
porém, da sua orientação doutrinária. Entre eles, alguns que afirmam que os crentes
são mesmo uma espécie de loucos! Mais comezinhamente, mas com idêntico
conteúdo, li recentemente, algures numa revista, que Lúcia, uma das chamadas
videntes de Fátima era uma doente mental.
Afirma ainda
esse meu amigo que quer que o deixem em paz com todas essas embrulhadas da
religião! Quer viver livre de todas as pressões e confusões do proselitismo (2),
que os apaniguados das várias religiões têm cultivado ao longo dos séculos,
para converter descrentes e pagãos. E tem esse direito!
Vamos ver
se nos entendemos.
Apenas
por via da razão e da lógica – instrumentos do nosso conhecimento – é claro que
não se prova a existência de Deus. Pela mesma ordem de pensamento, não se
comprova a Sua não existência. É mais ou menos o que afirma o agnosticismo (3)
que diz, justamente, que Deus não pode ser conhecido porque – como Ser Absoluto
- não é suscetível de ser sujeito a uma análise racional.
Ora, é certo
que a razão e a lógica são as bases da ciência, que constitui todo o património
do nosso saber (conhecimento objetivo). Quer dizer, que pode ser explicado e
que todos podem constatar. Mas já não são a origem de todo o conhecimento
humano, mais vasto (conhecimento subjetivo). Isto é, aquele conhecimento que
apenas cada um nós apreende, por si mesmo, que adquire pelas suas vivências e
experiências ao longo das mais variadas situações da vida!
Ademais,
sabemos que a ciência, que tanto fascina alguns e, na qual se reconhecem,
efetivamente, enormes avanços, é, apesar disso, tão pequena que não nos dá as
respostas mais óbvias aos nossos naturais e, por isso, tão expectáveis anseios.
Mas
também é certo que quem se manifesta apenas pela fé, menosprezando, totalmente,
a razão, pode cair na crendice. Veja-se a religiosidade popular, que, todavia,
deve ser respeitada, se não for por adesão de opinião, que seja, ao menos, pela
sinceridade das pessoas. É o que acontece em fenómenos como o de Fátima.
Igualmente,
aqueles mesmos que atuam unicamente pela fé, podem também tornar-se doentes
fanáticos. Pense-se, neste caso, nos que andam a cometer atos de terrorismo,
matando dezenas de inocentes ou imagine-se o tempo da inquisição católica.
Por estas
e por outras, como já se disse, alguns autores veem os crentes como loucos! Mas
a fé é a única forma de respondermos às nossas grandes inquietações. O que carece
é de ser esclarecida pela razão. Fé e razão, são, pois, dois elementos que
fazem parte da nossa vida psíquica e não podem dissociar-se no ser humano.
A fé, tal
como os amores, os ódios e tudo o que são emoções, faz parte do domínio do
nosso irracional! Por sua vez, a razão, a lógica, o pensamento e os atos em
geral, que usamos para governo da nossa vida, fazem parte do nosso racional!
Receio,
por isso, ter que dizer que ateus, agnósticos e descrentes em geral, também têm
a sua fé! Pois, espero que, se nada lhes faltar, tenham também eles, como todos
nós, a sua dimensão irracional! Se não têm fé em Deus, têm-na noutras coisas,
entidades ou pessoas. E, se não em Deus, porque não O veem, manifestam-na nas
suas paixões e arrebatamentos, em muitas situações da vida. Estados psíquicos esses,
que eles também não conseguem clarificar! Portanto, sendo a fé a adesão ao que
se considera absolutamente verdadeiro, logo, irracional, não pode, por isso
mesmo, ser explicitada. Tal como os ateus e agnósticos (e todas as pessoas,
afinal) não podem explicar a exaltação pela música do seu cantor preferido ou
pelo seu clube de futebol! Têm apenas essa vivência! É como muitas vezes se diz
de certo estado de alma: vive-se e pronto! Da mesma forma, a fé só pode ser experimentada
pelo próprio.
E é, por
consequência, a única forma de se poder chegar a uma outra verdade que não a
científica, ainda que seja, por isso mesmo, uma verdade subjetiva. Mas que não
deixa de ser uma verdade tendencialmente absoluta, ainda que válida apenas para
quem a vive! Para essa pessoa essa é a sua verdade.
Só para
dar mais dois exemplos: como é que ateus e agnósticos (falo só deles, mas todos
nós sabemos que assim é), podem explica o Amor (assim mesmo, com maiúscula) por
uma mulher ou por um filho?! Eles bem sabem que não podem! Porque esses afetos,
não só não têm valor económico, como não têm dimensão de qualquer outra
natureza, que se possa dizer mensurável! Sabe-se apenas que tais vivências se
aproximam do absoluto e, sendo assim, são tendencialmente impossíveis de
entender. No entanto, existem e são bem reais!
Como se
vê, todos possuímos a nossa face irracional! Por isso, quanto a saber quem são
os loucos, como dizem certos autores, não é necessário pôr mais na carta,
porque estamos conversados!
Os ateus,
agnósticos e descrentes, quando se interrogam sobre o seu destino último, tomam
uma atitude de conformismo ou de revolta perante a finitude física. Entretanto,
vão admirando as maravilhas da ciência, mesmo sabendo da sua precaridade – como,
debalde, fizeram todos os Cientismos. Ora, sendo a ciência passível de uma
demonstração objetiva, acontece que os crentes, mesmo com uma pontinha de
loucura (afinal, como todos os outros), também a compreendem. E ambos, crentes
e não crentes, sabem, perfeitamente, que ela, sendo embora importante, não
passa de uma verdade relativa. Mas só os segundos parece conformarem-se com
esse relativismo e contentarem-se com essa meia verdade!
Relativamente
ao proselitismo de que se queixa o tal meu amigo (pelo menos no que concerne ao
Catolicismo), diz o Código de Direito Canónico, Cân. 748, § 2: “A ninguém é
lícito coagir os homens a abraçar a fé católica contra a sua consciência.”.
Também aqui, estamos conversados!
Notas:
(1) Ateísmo:
doutrina que nega a existência de Deus.
(2)
Proselitismo: atividade que tem por missão angariar adeptos para determinada
religião, partido, etc.
(3)
Agnosticismo: doutrina que declara que a existência de Deus não é acessível ao
espírito humano, por não ser passível de análise racional.
José Barroso
Um comentário:
Quem me dera ter a fé e os conhecimentos suficientes que me permitissem poder argumentar a favor ou contra o que diz o José Barroso! Na falta deles, detenho-me na palavra inquietação utilizada logo no início deste artigo. Penso que é um bom termo para descrever o “estado de alma” essencial para que não nos resignemos a aceitar tudo aquilo que querem impor-nos como sendo verdade, mas, pelo contrário, tenhamos um papel ativo na busca e construção do nosso próprio conhecimento, crenças, valores, etc. sem que isto implique estar fechado ao conhecimento, valores e crenças dos outros. Aliás, penso que cada vez mais é preciso desenvolver esta atitude de abertura ao que é diferente.
Embora saibamos que há coisas que não se podem provar, só sentir, e que a verdade absoluta é impossível de alcançar, não podemos desistir de procurar. Como bem dizia o Cesário Verde «Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas…». E esta inquietação/anseio aplica-se a quase tudo.
M. L. Ferreira
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