domingo, 11 de junho de 2017

Fé, ateísmo e proselitismo

Na sequência do texto sobre Fátima que há pouco tempo assinei neste blog, escrevo agora este outro, que pouco tem a ver com o primeiro. De alguma forma, porém, é, para mim, um aditamento clarificador. Mas, antes, duas advertências.
A primeira para dizer que respeito todos os que pensam de maneira diferente da minha. Este texto é, eventualmente, apenas, para confrontar ideias. E serviu de base para responder, noutra instância, a um amigo meu, que bastante prezo e que se assume como ateu (1).
A segunda, para pedir desculpa a muitos dos leitores que, certamente, acharão estes temas uma grande maçada! E com alguma razão! Mas, enfim, são poucas as vezes que aqui aparecem coisas destas. E acontece que sempre me inquietei com elas! Vá lá saber-se porquê! Ou talvez se saiba!...
Diz esse meu amigo, em consonância com as ideias que abraçou, que Deus não existe! Para se escorar nessa difícil posição (na verdade, o grau de dificuldade para provar que Deus existe ou que não existe, é o mesmo!), recorre, esse meu amigo, a argumentos de autores de vários quadrantes e sensibilidades. Todos próximos, porém, da sua orientação doutrinária. Entre eles, alguns que afirmam que os crentes são mesmo uma espécie de loucos! Mais comezinhamente, mas com idêntico conteúdo, li recentemente, algures numa revista, que Lúcia, uma das chamadas videntes de Fátima era uma doente mental.
Afirma ainda esse meu amigo que quer que o deixem em paz com todas essas embrulhadas da religião! Quer viver livre de todas as pressões e confusões do proselitismo (2), que os apaniguados das várias religiões têm cultivado ao longo dos séculos, para converter descrentes e pagãos. E tem esse direito!
Vamos ver se nos entendemos.
Apenas por via da razão e da lógica – instrumentos do nosso conhecimento – é claro que não se prova a existência de Deus. Pela mesma ordem de pensamento, não se comprova a Sua não existência. É mais ou menos o que afirma o agnosticismo (3) que diz, justamente, que Deus não pode ser conhecido porque – como Ser Absoluto - não é suscetível de ser sujeito a uma análise racional.   
Ora, é certo que a razão e a lógica são as bases da ciência, que constitui todo o património do nosso saber (conhecimento objetivo). Quer dizer, que pode ser explicado e que todos podem constatar. Mas já não são a origem de todo o conhecimento humano, mais vasto (conhecimento subjetivo). Isto é, aquele conhecimento que apenas cada um nós apreende, por si mesmo, que adquire pelas suas vivências e experiências ao longo das mais variadas situações da vida!
Ademais, sabemos que a ciência, que tanto fascina alguns e, na qual se reconhecem, efetivamente, enormes avanços, é, apesar disso, tão pequena que não nos dá as respostas mais óbvias aos nossos naturais e, por isso, tão expectáveis anseios.
Mas também é certo que quem se manifesta apenas pela fé, menosprezando, totalmente, a razão, pode cair na crendice. Veja-se a religiosidade popular, que, todavia, deve ser respeitada, se não for por adesão de opinião, que seja, ao menos, pela sinceridade das pessoas. É o que acontece em fenómenos como o de Fátima.
Igualmente, aqueles mesmos que atuam unicamente pela fé, podem também tornar-se doentes fanáticos. Pense-se, neste caso, nos que andam a cometer atos de terrorismo, matando dezenas de inocentes ou imagine-se o tempo da inquisição católica.
Por estas e por outras, como já se disse, alguns autores veem os crentes como loucos! Mas a fé é a única forma de respondermos às nossas grandes inquietações. O que carece é de ser esclarecida pela razão. Fé e razão, são, pois, dois elementos que fazem parte da nossa vida psíquica e não podem dissociar-se no ser humano.
A fé, tal como os amores, os ódios e tudo o que são emoções, faz parte do domínio do nosso irracional! Por sua vez, a razão, a lógica, o pensamento e os atos em geral, que usamos para governo da nossa vida, fazem parte do nosso racional! 
Receio, por isso, ter que dizer que ateus, agnósticos e descrentes em geral, também têm a sua fé! Pois, espero que, se nada lhes faltar, tenham também eles, como todos nós, a sua dimensão irracional! Se não têm fé em Deus, têm-na noutras coisas, entidades ou pessoas. E, se não em Deus, porque não O veem, manifestam-na nas suas paixões e arrebatamentos, em muitas situações da vida. Estados psíquicos esses, que eles também não conseguem clarificar! Portanto, sendo a fé a adesão ao que se considera absolutamente verdadeiro, logo, irracional, não pode, por isso mesmo, ser explicitada. Tal como os ateus e agnósticos (e todas as pessoas, afinal) não podem explicar a exaltação pela música do seu cantor preferido ou pelo seu clube de futebol! Têm apenas essa vivência! É como muitas vezes se diz de certo estado de alma: vive-se e pronto! Da mesma forma, a fé só pode ser experimentada pelo próprio.
E é, por consequência, a única forma de se poder chegar a uma outra verdade que não a científica, ainda que seja, por isso mesmo, uma verdade subjetiva. Mas que não deixa de ser uma verdade tendencialmente absoluta, ainda que válida apenas para quem a vive! Para essa pessoa essa é a sua verdade. 
Só para dar mais dois exemplos: como é que ateus e agnósticos (falo só deles, mas todos nós sabemos que assim é), podem explica o Amor (assim mesmo, com maiúscula) por uma mulher ou por um filho?! Eles bem sabem que não podem! Porque esses afetos, não só não têm valor económico, como não têm dimensão de qualquer outra natureza, que se possa dizer mensurável! Sabe-se apenas que tais vivências se aproximam do absoluto e, sendo assim, são tendencialmente impossíveis de entender. No entanto, existem e são bem reais!
Como se vê, todos possuímos a nossa face irracional! Por isso, quanto a saber quem são os loucos, como dizem certos autores, não é necessário pôr mais na carta, porque estamos conversados!
Os ateus, agnósticos e descrentes, quando se interrogam sobre o seu destino último, tomam uma atitude de conformismo ou de revolta perante a finitude física. Entretanto, vão admirando as maravilhas da ciência, mesmo sabendo da sua precaridade – como, debalde, fizeram todos os Cientismos. Ora, sendo a ciência passível de uma demonstração objetiva, acontece que os crentes, mesmo com uma pontinha de loucura (afinal, como todos os outros), também a compreendem. E ambos, crentes e não crentes, sabem, perfeitamente, que ela, sendo embora importante, não passa de uma verdade relativa. Mas só os segundos parece conformarem-se com esse relativismo e contentarem-se com essa meia verdade!
Relativamente ao proselitismo de que se queixa o tal meu amigo (pelo menos no que concerne ao Catolicismo), diz o Código de Direito Canónico, Cân. 748, § 2: “A ninguém é lícito coagir os homens a abraçar a fé católica contra a sua consciência.”. Também aqui, estamos conversados! 

Notas:
(1) Ateísmo: doutrina que nega a existência de Deus.
(2) Proselitismo: atividade que tem por missão angariar adeptos para determinada religião, partido, etc.
(3) Agnosticismo: doutrina que declara que a existência de Deus não é acessível ao espírito humano, por não ser passível de análise racional.


José Barroso

Um comentário:

Anônimo disse...

Quem me dera ter a fé e os conhecimentos suficientes que me permitissem poder argumentar a favor ou contra o que diz o José Barroso! Na falta deles, detenho-me na palavra inquietação utilizada logo no início deste artigo. Penso que é um bom termo para descrever o “estado de alma” essencial para que não nos resignemos a aceitar tudo aquilo que querem impor-nos como sendo verdade, mas, pelo contrário, tenhamos um papel ativo na busca e construção do nosso próprio conhecimento, crenças, valores, etc. sem que isto implique estar fechado ao conhecimento, valores e crenças dos outros. Aliás, penso que cada vez mais é preciso desenvolver esta atitude de abertura ao que é diferente.
Embora saibamos que há coisas que não se podem provar, só sentir, e que a verdade absoluta é impossível de alcançar, não podemos desistir de procurar. Como bem dizia o Cesário Verde «Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas…». E esta inquietação/anseio aplica-se a quase tudo.

M. L. Ferreira