Regatos,
ribeiros e ribeiras eram desviados para os lameiros, inundando-os para a erva
crescer.
As
únicas frutas que existiam eram os citrinos, nem toda a gente possuía
laranjeiras, tangerineiras… os mais abastados tinham nas suas terras pequenos
pomares, assim como diospireiros, nogueiras, romãzeiras, privilégio de alguns. Daí
o rifão: de manhã são ouro, ao meio-dia prata e à noite mata.
Nunca
cheguei a compreender, pobre camponês não as plantava!?
Ainda
se viam aqui e acolá laranjeiras e tangerineiras; diospireiros, nogueiras, romãzeiras…
rareavam nas casas dos pequenos proprietários.
Caçadores
percorriam montes e vales juntamente com os cães, tentando caçar coelhos, lebres
ou perdizes, naquela época a caça era abundante, até havia licença de pau.
Todas
as courelas se aproveitavam, não serviam para horta, plantavam-se parreiras, oliveiras…
Nada se desperdiçava, o que as galinhas, porcos, ou outros animais domésticos
não comiam, ia para a estrumeira, quando caía na terra era adubo natural do
bom; as plantas cresciam e os frutos colhiam-se sem qualquer intrometimento
originado pelos pesticidas.
Frutos
e legumes saborosos; as sementes que as originavam eram naturais, nada
manipuladas, transformadas, viam-se bandos de taralhões, pardais, melros…
comiam alguma fruta, verdade; mas limpavam os parasitas e os animaizinhos
nocivos, a parte leonina pertencia sempre ao dono.
A
alegria que era ouvir o chilrear das aves nomeadamente na época da postura,
alegravam os campos e o camponês assobiava, imitando-os.
Os
cumes serranos da Guardunha e Engarnal ficavam pintados de branco.
A
natureza parecia adormecida. Os passarinhos, tirando os pardais que saltitavam
nas poças originadas pelas chuvadas à procura de alguma minhoca ou coisa
parecida, há muito tinham demandado outras paragens: andorinhas, cegonhas,
cucos, poupas… os que por cá ficavam recolhiam-se com certeza na taloca de uma velha árvore, refugiando-se
dos frios rigorosos do inverno.
De
vez em quando bandos de estorninhos, pombos ou patos bravos revoavam os céus à
procura de alimento.
Naquele
tempo os automóveis eram “brinquedos” que só os ricos podiam ter, para o
camponês uma junta de vacas, um cavalo ou um burro eram mais valiosos,
automóvel não dava de comer à família, as estradas eram péssimas, próprias para
carroças e carros de bois, os ricos podiam dar-se ao luxo de poderem ter em seu
poder um automóvel.
As
bicicletas e as motorizadas pertenciam ao povo, mesmo assim nem toda a gente as
podia comprar; um velocípede novo custava os olhos da cara.
(…)
Estava na Fonte Velha, sentado no cais, entram no largo, vindos da rua do Beco,
esbaforidos, o Zeca e o Elias montados cada um em sua bicicleta. Ao
aproximarem-se do cais onde eu estava pararam e desmontaram.
-
Vamos à marouva; queres vir? Atrás,
nos suportes, cada um levava uma saca de serapilheira.
-
Onde? Perguntei.
-
Ao Valoro; está lá um pomar carregadinho de laranjas…
Convenceram-me,
levantei o cú da pedra, dirigi-me à nossa casa, peguei na bicicleta, fui com
eles também
Lusco-fusco,
vão os três da vida airada estrada fora em direção ao pomar; a certa altura entrámos
num caminho que nos levou ao laranjal.
Encostámos
as bicicletas ao muro, escalámo-lo; eles, com as sacas na mão começaram a meter
laranjas, eu só queria comer uma ou duas: “roubar é pecado”…
Poucos
minutos passados, alguém deu um forte grito, um trom de espingarda, chumbos
caíram-nos em cima, cães começaram a ladrar na nossa direcção, saltámos o muro,
pegámos nas bicicletas e fugimos.
Ainda
hoje não sei onde fica o famigerado pomar, nunca tive curiosidade em o localizar.
Foi
a primeira e última vez que participei numa aventura desta natureza.
Apanhei
um cagaço…
Fiquem
bem.
J.M.S
8 comentários:
Onde isso já vai ó Zé Manel e o salto que isto deu...
A propósito da passarada, uma das minhas memórias mais antigas,, ainda antes da Serra, tinha-mos de renda a Barroca da Maria do Ninho. E numa descamisa ou desfolhada, lá para fins de setembro, lembro-me do meu irmão Bernardo, se ausentar de vez em quando para espreitar os custis.
Apanhou uma tormenta de taralhões e dois ou três melros.
fizeram um arroz tão bom que ainda guardo o gosto na memória.
FB
Antigamente, para se comer alguma fruta, tinha que se andar à marouva. Agora é ver o chão por baixo das laranjeiras e macieiras coberto de fruta. Deve ser também por isso que, no inverno, as urgências dos hospitais não têm mãos a medir...
Pois, "roubar é pecado"... Então e o ditado que diz que "tão ladrão é o que vai á horta como o que fica ao portão"?
A nossa necessidade de vitamina C era tanta que eu ia roubar laranjas à Oriana do meu avô Prata, após o almoço na cantina Senhora da Orada.
Até ao dia em que ele estava à nossa espera...
Foi um problema encará-lo no domingo seguinte (íamos lá sempre, mas a laranja domingueira não era suficiente).
Ele colocava-as na loja, no chão, sobre palha. No verão ainda havia laranjas.
Foi um gosto encontrar aqui palavras desusadas e que evocaram queridas lembranças minhas: marouva, alqueives, taralhões, custis. O meu obrigado por isso.
Memórias das boas! Sempre me interroguei também sobre a razão de os pobres não plantarem muitas laranjeiras, ainda menos tangerineiras e nenhuns diospireiros! E, com efeito, ramãzeiras e nogueiras também era em casa dos ricos. Há de haver uma explicação. Plantavam figueiras porque os figos entravam na vianda dos porcos e secavam-se, para as pessoas, para o inverno; plantavam macieiras porque as maçãs, na altura duravam até março como dieta de fruta de inverno; as piores também iam para os porcos. Poderá ser essa a explicaçãp? O que é certo é que cerejeiras e ginjeiras já se viam nos terrenos dos pobres. Se se pensar que não eram assim tão importantes para o gado, não percebe muito bem. Mas eram um regalo!
Quem não ia à marouva naqueles tempos, apesar de ser pecado...? Todos os pecados fossem esses...
Abraços.
JB
O "Xquim Bispo e a marouva"
Ele e mais entre outros, o Zé Caldeira, cada um na sua bicicleta, na barreira do Garret a caminho da cidade do Castelo Branco.
Duas frondosas nespereiras, faziam guarda de honra a nobre portão, que deixava entrar apenas aos que dele tinham chave.
Subiram e comiam e colhiam sarroadas de saborosas "nespras",de nespereira plantada em alqueve lavrado e seco por maio seco e àspero.
Surpreendido pela desfaçatez, o criado, berrava a plenos pulmões, ao ser surpreendido pelos da marouva, que roubada, pertencia aos patrões. Com a calma própria de alguém que viria a ser na vida controlador "de imagem", claro, remata o pequeno larápio de então, para o surpreso criado do patrão.
-Para a próxima, veja se arranja tempo para "acimentar" o chão, pois vou sempre de cá, com os sapatos cheios de pó. Ouviu???
Perplexo, a caminhar para assincopado, quase a dizer que Deus me valha,o menos que lhe chamou, foi canalha.
O "Xquim Bispo", tem muitas destas e outras.
"aperaltadomaneldaterradoscãesdosquelápassim".
Eu penso que o facto de os pobres não plantarem laranjeiras e outra arvores de fruto era porque os terrenos eram poucos e todo o espaço era pouco para a agricultura de subsistência Reparem que as árvores, na maioria, eram plantadas nas paredes, de modo a ocuparem pouco espaço e não fazerem sombra às culturas.
De maneira que algumas frutas eram só propriedades dos ricos que terrenos não lhes faltavam e ganância também não, enquanto os pobres se limitavam a olhar e a pensar "são verdes não prestam...."
Tina Teodoro
Esta explicação da Tina é, talvez, a mais plausível; mas não devemos também esquecer que a introdução de vários produtos da nossa alimentação se foi fazendo aos poucos, trazidos de outros lugares, mais ou menos longínquos. Quem é que há 20 ou 30 anos imaginava que tínhamos nos nossos quintais e hortas frutos como os Kiwis, mirtilos, abacates, framboesas, etc. etc... No meio desta discussão, esquecemo-nos das castanhas, tão abundantes desde há vários séculos, e tão importantes na alimentação dos nossos pais e avós.
Sobre a fruta dos ricos, lembro-me que uma vez fui com a minha mãe à casa da D. Zara e vi no quintal um canteiro com morangos. Na altura não sabia o que era, mas achei-os muito bonitos e perguntei à minha mãe o que era aquilo. A resposta dela foi que era uma coisa venenosa e nem sequer lhes tocasse, se não morria.
Poucos anos mais tarde, no Casal que agora é dos Matias, mas os meus avós trouxeram à renda, já havia pessegueiros, vários tipos de cerejeiras e um diospireiro. Não sei se foi por me lembrar dos morangos, sempre que comia algum daquele frutos tão estranhos e tão bons, ficava uns instantes à espera de morrer.
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