No
tempo quaresmal, quadragésima, que culmina com a Ressureição de Cristo no
domingo de páscoa, a Igreja convida os fiéis a praticarem penitência, através
do jejum e da abstinência.
Antigamente,
durante o tempo da quaresma, as telefonias passavam somente músicas sacras,
clássicas, o povo nos campos entoava canções pungentes que recordavam a paixão
do Senhor.
As
danças eram proibidas; no meio da quaresma, realizava-se o baile da pinhata.
As
imagens das igrejas eram tapadas com panos pretos ou roxos. Tempo de
mortificação sacrificial.
Os
povos, três dias antes da quarta-feira de cinzas, organizam folguedos,
mascaradas, orgias… Comem-se as mais variadas carnes. É o carnaval
Não
simpatizo com o carnaval. Gosto mais do nosso entrudo, porque é folgazão, gosta
de pregar partidas, de mangar de alguém: Choras
de entrudo…
A
intenção é a brincadeira, sem ofender; embora houvesse pessoas que não gostavam
do que ouviam e não achavam graça nenhuma ao motejo e à piada.
Tempo
da caqueira, da contra dança…
Nesses
dias, o Santíssimo ficava exposto solenemente nas igrejas, durante quarenta
horas. Os fiéis rezavam sem interrupção ao Santíssimo Sacramento. Os crentes
permaneciam um determinado tempo joelhados rezando ao Senhor, pedindo perdão pelos
desmandos que eram cometidos naqueles dias de carne vale. Outros entravam, substituindo os que lá estavam. Assim, durante
quarenta horas, o Santíssimo era adorado e desagravado
Esta
cerimónia recordava ao mesmo tempo as quarenta horas que Cristo esteve no
sepulcro.
Comerás o pão com o suor do teu rosto,
até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó, e em pó te hás-de
tornar. (Génesis-3,19)
Desde
o nascimento, desde que começamos a respirar, até voltarmos à terra na fria e
funda sepultura, a igreja tem com cada um de nós amorosos cuidados, todos somos
frágeis.
A
Igreja tem meios que nos podem fortalecer na fé nesta nossa caminhada terrena.
Toda
a criatura regressa ao lugar de onde veio, transformando-se em nada, antes de…
o que eramos! Depois de… voltamos ao esquecimento. Ficarão algumas lembranças,
feitos; pequenas vaidades.
A
quaresma começa por nos recordar como é curta nossa existência, através da
imposição das cinzas que o sacerdote coloca sobre as nossas cabeças, dizendo ao
mesmo tempo as fulminantes palavras que Deus disse um dia a Adão, quando o
expulsou do maravilhoso jardim do Edem e o colocou no meio da terra inculta,
selvagem: Lembra-te homem que és pó e que
te hás de tornar em pó.
A
imposição das cinzas ajuda-nos a recordar quão frágil e baixa é a nossa vida, do
nada que somos enquanto seres viventes.
Quem
é este homem, esta mulher que tanto se ensoberbece querendo dominar quem o
rodeia, estendendo a sua ambição para si? Pavoneia-se com suas supostas
qualidades, servindo-se delas para atingir seus fins.
Que
somos nós, mesmo no auge da nossa felicidade? Ainda que estejamos investidos de
púrpura rematada com fios de ouro, rodeados de pessoas influentes; o Senhor
diz: Vaidoso, não passas de um pouco de
pó. Um pouco de barro do campo, que o Criador moldou.
Todas
as criaturas que vemos diante dos nossos olhos foram feitas com barro, matéria
que já existia antes da criação do homem.
O
Criador não fez o homem do nada, utilizou o barro, depois moldou-o para que o Homem
por Ele criado, quando olhasse para os pés, desfizesse a soberba dos seus
altivos pensamentos. Deus sabia muito bem quanto a elevação humana havia de
enfunar, inchar as velas dos nossos fracos espíritos.
O
Senhor sabia que o homem em vez de elevar os olhos para o céu, havia de se
distrair com as futilidades do mundo, por isso formou-o da terra, porque a ela
tornará. Com a morte, termina a soberba que carregamos, a cobiça, a calúnia;
acabam todas as ambições deste mundo.
O
Senhor adverte-nos para onde quer que vamos, olhemos, fala-nos ao ouvido, mas
nós; fazemos ouvidos de mercador.
Lembra-te
da tua origem: És pó.
Tu
que te julgas um deus e muito mais que todos os outros homens a quem desprezas,
não só no fundo do teu coração, mas ainda nas tuas orgulhosas maneiras com que
tratas teu irmão, tu que te julgas formado de uma matéria mais preciosa que o
ouro e o diamante, nada mais és que um pouco de barro.
Tu,
jovem adolescente, menina mimada, confiada numa frágil e vã formosura, inchas
cada vez que te olhas ao espelho, pensando que a tua beleza vai durar
eternamente, não passas de uma pouca de terra animada que muito em breve se
voltará a misturar com toda a terra.
És pó.
Tu
ambicioso, insolente, avarento, agarrado ao teu tesouro do qual não te separaras
fazendo dele o teu deus, sabe-se lá com que meios; nada mais és do que um
pedaço de barro que ontem tomou forma e amanhã voltará à mansão comum da
natureza.
Todos
os que correm por caminhos duvidosos e difíceis abandonando a verdadeira fonte
de águas vivas, chafurdando nas águas podres, fétidas, lodosas, cisternas
corruptas, quão enganados estão.
Devemos
trocar os bens terrenos, frágeis, caducos, bens transitórios e podres, pelos
bens eternos.
Nós,
mortais, somos assim, por isso a Igreja impõe as cinzas nas nossas cabeças para
que recordemos quão frágil é nossa existência.
Quantos de nós
aproveitamos as suas benesses? Não é aquele que reza e bate com a mão no peito dizendo:
Senhor, Senhor…
Seremos
esquecidos, as nossas vanglórias terminam no momento em que exalarmos o último
suspiro.
Esquecemo-nos
da baixeza da nossa existência, não temos noção do pouco tempo que dura nosso
caminhar, num instante se desfaz a vida na terra. Esquecemo-nos que somos pó, que
nos tornaremos em pó.
Não
nos importa que a morte nos esteja a bater à porta gritando: Cuidado… Um destes dias tudo terminará
para ti neste mundo.
Voamos
nas asas dos nossos sonhos e quimeras.
Amanhã
se nos procurarem, já não nos encontram.
Hoje
somos, amanhã podemos já não ser.
A
nossa vaidade, o nosso amor-próprio, a nossa loucura e todas as miseráveis
paixões que nos rodeiam e embalam desde que saímos do berço, colocando as mãos
nos olhos para não deixarmos entrar a luz eterna, verdadeira; preferimos
gatinhar, caminhar na sombra das trevas
A morte, nunca baterá à minha porta,
está longe
Esquecemo-nos
daquilo que somos, ao mesmo tempo, este mundo feito de correrias, ilusões
passageiras, arranja mil e uma artimanha para que percamos a memória de como a
vida é tão breve e passageira.
Lembra-te homem que és pó.
A
sociedade atual quer fazer-nos querer que a vida é para ser vivida com paixão,
adquirindo cada vez mais bens. Cá ficarão, não levamos nada. Vemos desaparecer
a toda a hora grandes deste mundo, familiares, conhecidos e amigos.
A
morte não perdoa, não olha a idades, dignidades, potestades…
Meros
espetadores, portamo-nos como se estivéssemos a ver a representação de uma
trágica cena teatral. Quão cegos somos nós!
Acordemos
desta letargia que nos tem acompanhado, voltando nosso olhar para a Luz eterna.
Recordemos nossa origem humilde, barro; tão breve é a nossa vida, possamos
dizer finalmente: Sou terra, sou pó.
É chegada a hora de baixar a soberba, cortando pela raiz as nossas venenosas
paixões.
Devemos
cuidar mais da nossa alma imortal, centelha do Senhor, que nos anima e merece
mais atenção. Desamarremo-la das amarras, deixando que ela nos conduza em
direcção à Luz, para a companhia da morada eterna do Céu de onde veio.
Nunca
esqueçamos que somos terra, não percamos nunca esta realidade para que possamos
olhar unicamente para a nossa Pátria Celeste. Cada vez que formos tentados
julgando que somos feitos com uma massa diferente, saibamos ser fortes e
contrariar os ímpetos tentadores.
Pó e cinza; porque te ensoberbeces?
É
difícil, verdade; principalmente num mundo em que aparentemente nada falta, mas
se soubermos resistir vivendo a vida de acordo com a Sagrada Escritura, quando
chegar a hora da partida, possamos afirmar: Combati
o bom combate.
Nossa
alma quando chegar à presença do Senhor possa ouvir: Entra, bendito de meu Pai! Vem habitar o reino que há muito te
preparei.
Assim
seja!
Ano do Senhor,
2018
J.M.S