sexta-feira, 3 de abril de 2020

Esperança (média de ...)


No último programa Prós e Contras, da RTP, o médico Felipe Froes (representante da Ordem dos Médicos para a crise do COVID 19), a propósito de um artigo que publicou e no qual afirmava que as pandemias sempre existiram e modelaram as civilizações, acrescentou uma ideia que parece ser bem verdade: «Nós somos os descendentes dos sobreviventes.» Esta afirmação virá um pouco na linha da teoria da seleção natural das espécies, que, embora nos nossos dias já não tenha o mesmo valor (pelo menos na espécie humana, o avanço da ciências e das tecnologias têm permitido a sobrevivência de grandes precoces e de crianças e adultos com patologias tão graves que não imaginávamos ser possível há cinquenta anos), continua a dar-nos alguma esperança não apenas no aumento de anos de vida, mas sobretudo na qualidade dessa vida.
Tenho andado a passear pelos registos paroquias da nossa freguesia no século XIX, e constatei que no ano de 1874 houve 78 batismo e 84 óbitos, dos quais 48 foram de crianças com menos de 10 anos, e apenas 12 de pessoas com idade superior a 65 anos. Uma parte significativa das crianças já não tinha um ou mais dos avós quando nasciam. Os motivos dos óbitos não estão registadas, mas sabe-se que naquele tempo as principais causas de morte eram as crises agrícolas que provocavam a fome e a pobreza, mas, sobretudo nas crianças, eram também as epidemias: disenteria, bexigas, tosse convulsa, escarlatina, sarampo e outras doenças que o desenvolvimento das vacinas têm vindo a eliminar ou, pelo menos, a tornar quase residuais nos nossos dias, em grande número de países.
Num contexto em que a média de vida era menos de metade da atual, pareceria quase impossível, mas encontrei alguns registos de pessoas que atingiam os oitenta e tal ou mesmo os noventa e alguns anos. O caso desta menina que nasceu no dia 11 de novembro desse ano de 1874, resistiu às epidemias que flagelaram o mundo também por aqueles tempos, e cá faleceu, cem anos depois, permite-nos ter esperança.

Maria Libânia Ferreira

5 comentários:

Jaime da Gama disse...

A Esperança é o testemunho de um sentido invisível nas nossas Vidas, é uma realidade que merece que se combata por Ela… Que nunca nos falte a Esperança!

Esta menina que nasceu no ano de 1874, ainda tive o prazer de conheça-la, pois morava mesmo em frente da casa onde nasci, lembro-me de subir as escadas de madeira, a porta da entrada era mesmo em frente da minha.
Era meia irmã de Bernardo Barroso, a "Ti Maria do Patrocínio", prima direita da Maria da Luz Mesquita que também vivia ali mesmo ao lado mas era mais nova 11 anos, ambas faleceram no mesmo mês e ano.

José Barroso disse...

Isto é tudo muito complexo para um comentário, mas vou tentar sintetizar. Que “Nós somos os descendentes dos sobreviventes”, é um facto. E não só dos que apenas sobreviveram, mas procriaram. Até porque a quebra da cadeia da vida por parte de todos os indivíduos de uma espécie levará à sua extinção. O que a Teoria do Evolucionismo veio comprovar foi que os indivíduos de uma espécie tanto mais poderão sobreviver, quanto melhor se adaptarem às adversidades para a continuidade dessa cadeia. E são muitas as que para isso concorrem. Mas sucede ainda que, caso o meio seja propício à existência de uma espécie, o eventual excesso de indivíduos será eliminada, por limites absolutos impostos por esse meio. Portanto, retira-se daqui o princípio de que a Natureza é implacável.
A partir desta evidência vários filósofos (v.g. Friedrich Nietzsche) criaram teorias sociais que levaram a catástrofes humanas dantes inimagináveis, quando foram levadas à prática por políticos sem escrúpulos, como Adolf Hitler. Mas não só. Houve outras ideologias a seu modo ditas também científicas, que se revelaram igualmente perniciosas para a sociedade.
O tipo de expressões e ideias expostas pelo médico articulista ditas sem algumas cautelas — embora, com certeza, que sem outras intenções — pode levar a más interpretações. De facto, nem tudo pode ser reduzido à ciência da Biologia. Se a Natureza é tão inexorável que, para mantermos os leões em África não podemos evitar que eles cacem as gazelas (por mais que isso nos impressione!), tal não é o que se deve passar nas sociedades humanas. Mesmo nestas, não falta quem hoje conteste a vertente verdadeiramente sacrificial do abate de tantos animais para alimentação; ao mesmo tempo que muitos píses legislam sobre os seus direitos. E, se temos por certo que devemos acreditar na ciência, não é menos evidente que ela só é verdadeiramente importante quando colocada ao serviço do homem. E isto, quer falemos da Medicina, quando possibilita a erradicação de uma doença, mas não quando procura o apuramento de uma raça; quer consideremos a Economia quando propõe uma competição saudável tendo em conta a escassez de recursos, mas não quando advoga a agressividade ilimitada do capital.
Abraços, hã.
JB

José Barroso disse...

Não consegui ler o documento aqui publicado e fiquei-me, porque isso bastava, pelo que disse a MLF. Como o JdG veio revelar quem era a titular do assento, acabei por fazer um "save as" para o ampliar e, assim, poder ler. É curioso em vários aspetos. Desde o facto de, à época, ainda existir, o nosso concelho, passando pelo português arcaico, até à questão de Igreja de S. Vicente ser dedicada a Nossa Senhora da Assunção e não a S. Vicente (já aqui falámos disso).
Bem, mas a questão mais importante, porque é curiosa, tanto quanto me apercebi, é que em lado nenhum do assento consta o nome "Patrocínio". Fui muitas vezes a casa dela, mas também nunca calhei a ver a cédula pessoal (bilhete de identidade nem todos tinham). Sei que em muitos assentos apenas constava o seguinte, por exemplo, neste caso "...a quem dei o nome de Maria e de família Barroso". E a rapariga por uma questão de lógica, ficaria com o nome (continuando com o mesmo exemplo) de Maria Barroso. Sei que há muitos assentos lavrados nestes termos. Mas, no presente caso, a fórmula que habitualmente era usada, nem sequer está completa.
Com efeito, fico com muitas dúvidas sobre o arranjo dos nomes completos das pessoas em determindas épocas.
Abraços, hã.
JB

M. L. Ferreira disse...

Quando encontrei o registo de batismo desta menina que chegou aos 100 anos, tive pena de não me lembrar dela (o facto de na altura registarem a maioria dos indivíduos de sexo feminino apenas pelo nome de Maria, não ajudou), mas esta informação do Jaime da Gama, ajudou a lembrar-me de quem se trata. Na altura eu já era adulta e a senhora vivia perto da casa onde morávamos.

Quanto ao comentário do José Barroso, embora não tenha o conhecimento que ele tem destas questões (admiro-o muito, por isso; quase uma pontinha de inveja…), concordo completamente, principalmente quando diz que a ciência só é importante quando colocada ao serviço do homem. Infelizmente nem sempre é assim. Um dos efeitos mais dramáticos da utilização da ciência, foi o aproveitamento das descobertas de Einstein, um humanista e pacifista, para o fabrico da bomba atómica, uma das invenções mais perversas da humanidade. Aí terá sido a ciência a deixar-se dominar pela política.

Mesmo em isolamento, uma BOA Páscoa!

Jaime da Gama disse...

José Marques Neto, 1892-1994 - 101 anos
Joaquim Teodoro dos Santos, 1891-1993 - 101-anos
Leonor da Conceição Pedro, 1910-2012 - 102- anos
Maria da Luz Nicolau, 1914-2015 - 101 anos
Maria do Patrocínio Barroso, 1874-1974 - 100 anos
Ana da Conceição, 1900-2000 - 100 anos
Sebastião Jerónimo, 1901-2000 - 99 anos
Joaquim Maria dos Santos Caio Júnior, 1913-2012 - 98 anos

Todos naturais de São Vicente da Beira e viveram no período da gripe Pneumónica.