Os tempos vão de chuva, que só passará lá
para quarta-feira depois da Páscoa. Não vale a pena metermo-nos ao caminho,
pois as celebrações foram todas adiadas. Até porque o piso das estradas está
escorregadio e não há melhor andar do que em casa estar.
Não podemos arriscar a molhar o Ecce Homo
ou o Santo Cristo com uma chuvada repentina durante uma das procissões. Noutros
anos, por vezes na fuga apressada, quase se tombavam os andores e não podemos perder as nossas preciosidades. Ainda por isso agora que todos os
santos estão recuperados e de jajas arranjadinhas.
Este ano não se vai ouvir o grito do Senhor Deus, Misericórdia, rua da Costa
acima, para do céu nos vir o socorro de que tanto precisamos. Mas as procissões
também já não são o que eram, com homens pelas esquinas, num tempo em que
sobravam homens, a bloquear com paus a entrada às mulheres atrasadas pelos
afazeres domésticos. Nesse tempo ainda não havia #MeToo e, na Igreja, enquanto
há homens não se confessam mulheres.
Por falar em confissão, também já poucos
respeitam o hábito de confessar-se pelo menos uma vez por ano, na Semana Santa.
Vinham padres a ajudar o senhor Vigário e, em certos dias, passavam-se horas à
espera de vez. Agora dizem que se confessam diretamente a Deus, parecem
protestantes! Noutros tempos, corriam-se à pedrada.
O sacristão já não dá a volta à Vila a tocar
a matraca, acompanhado da muidagem que nos dias anteriores improvisou matracas
para o acompanhar nos tempos de luto.
O cordeiro da Páscoa?!! Mas nós somos
judeus ou quê? Andámos a denunciar cristãos-novos durante 300 anos e agora
queremos imitar a sua Páscoa? Um entrecosto e umas lasquinhas de presunto, mais
uns enchidos, isso sim é alimentação de um cristão!
E os tremoços para a festa? Quem consegue
encontrar uma saquinha com eles a demolhar num qualquer ribeiro ou mina?
Ninguém. E os bolos e os doces? As encostas estão cheias de lenha, mas nos
últimos tempos não avistei ninguém a apanhá-la para o forno. Guardaram-se para
a última hora? Agora está encharcada. Mas como vamos ficar em casa, fazemo-los
o forno elétrico! Nunca experimentámos, mas vale a pena arriscar.
Deixo-vos as receitas dos bolos de páscoa e
dos bolos de leite, ambos muito bons. Para matar a saudade da felicidade…
Bolos de leite:
Ingredientes: 1
kg de açúcar, 1 colher pequena de bicabornato(bicarbonato), 1 dúzia de ovos, 1
litro de leite, meio litro de azeite e farinha.
Misturam-se bem o açúcar, os ovos já batidos,
o azeite e o leite. Acrescenta-se o bicabornato e vai-se juntando farinha, até
a massa ficar boa. Depois, com uma colher de sopa, deitam-se pequenas
quantidades de massa nas latas, previamente untadas com azeite. Barra-se cada
bolo com gema de ovo batida e polvilha-se com açúcar. Depois vão ao forno pouco
aquecido.
Bolos da páscoa
Ingredientes:
farinha, 12 ovos, meio quartilho de azeite, canela, 1 copo pequeno de aguardente,
1 litro de soro de leite (pode ser substituído por leite magro) e fermento do
padeiro.
Batem-se os ovos e juntam-se o azeite,
o soro, a aguardente e a canela. Vai-se acrescentando a farinha com o fermento,
amassando sempre, até a massa ficar boa para fintar. Depois de finta, tendem-se
os bolos e cozem-se no forno.
Saúde!
José Teodoro Prata
5 comentários:
Era por todos estes rituais/celebrações concentrados nestes dias, que a Semana Santa era considerada a Semana maior para os cristãos. Alguns desses rituais já há muito que não passam de memórias (um dos primeiros a ser suprimido, já no tempo de muitos de nós, foi a visita pascal, tão aguardada por toda a gente, principalmente as crianças, que corriam de casa à cata de guloseimas), e, por razões diversas, não tardará que outros sigam o mesmo caminho.
Destas festas religiosas tem-se mantido, quase intacto, o sentido da confraternização em família, e é também por isso que sentimos que, este ano, temos a festa estragada.
Assumamos o compromisso de que, quanto isto acabar, seja com cordeiro ou muita carne de porco, vamos todos fazer uma grande festa. Até lá!
"Não há melhor andar que estar em casa". "Enquanto há homens não se confessam muheres". Ora aí estão dois ditados muitíssimo saborosos que, como milhares de outros, fizeram de nós o povo que somos. O segundo é um bocado machista; reflete uma sociedade mais antiga.
Creio que não há nenhum povo que os não tenha; mas, exatamente, porque cada povo terá os seus, é também por isso que cada povo é o que é; e todos são diferentes uns dos outros, na sua cultura. Os ditados resumem um certo saber coletivo e são, evidentemente, retirados da realidade vivida por cada uma das comunidades. Mas, apesar de sábios - visto que "Vox Populi, vox Dei" - muitos deles são suscetíveis de serem contrariados. Por exemplo: "Escorregar não é caír", mas "Quem escorrega também cai". Agora não me lembro dos outros. É claro que a sabedoria está lá na mesma, mas não deixa de ser do senso comum. E o senso comum nunca foi ciência.
Em relação às festas da Páscoa este ano, foi chão que deu uvas. Eu acho, inclusivamente, que não só a Páscoa, mas também a Senhora da Orada e as Festas de Verão, este ano, são para esquecer.
Sobre as tradições das procissões da Semana Santa, já aqui escrevi sobre aquela de haver vários homens com paus nas esquinas e nos entroncmentos, para não deixar entrar ninguém nas filas. Quem queria ir à procissão tinha que começar na Misericórdia e ir até ao fim. Mas isso não se verificava em qualquer outra procisssão de grandes dimensões, nem mesmo na do Senhor Santo Cristo; o que me levou a pensar se não haveria uma razão mais específica para isso. A dúvida mantém-se.
Estamos a passar pelo tempo!
Abraços, hã!
JB
Sim, o bloqueio dos cruzamentos e entroncamentos de ruas era para garantir o respeito por estas cerimónias de maior religiosidade.
Mas a verdade é que eram sobretudo as mulheres que vinham a correr e eram impedidas de entrar, pois os homens não tinham tarefas domésticas nem filhos para cuidar, na altura, elas é que se atrasavam. Os homens atrasados vinham dos copos.
Esta minha referência tem a ver com uma lembrança da minha infância: em frente à casa do sr. Manuel da Silva, lá estavam os rapazes a bloquear a passagem; a procissão ainda estava no início; vinham duas mulheres a correr, pela rua onde mora o Ernesto, na esperança de ainda entrar, mas foram impedidas; nunca esqueci a tristeza que transpareceu dos seus rostos.
Este texto foi à JMT. O original é muito melhor que a cópia, mas ele é Jerónimo e sobretudo Nicolau e eu sou só Jerónimo (dos outros meus costados nada a esperar deste tipo).
Se há ditado popular que negue o caráter científico dos mesmos, é o que diz «Não há fome que não dê em fartura». E pode aplicar-se à fome e à fartura, no sentido literal, mas ocorreu-me também a propósito deste artigo. Quem diria, há menos de cinquenta anos (quando se impediam os atrasados, homens, mas sobretudo as mulheres, de integrarem as procissões já durante o percurso), que agora é preciso andar quase a mendigar que haja quem se ofereça para o Lava-Pés, ou para pegar nos andores, pendões, lanternas ou outros elementos que fazem parte das cerimónias da Semana Santa?
Já que a Libânia veio à liça, venho dar mais uma achega porque no meu outro comentário, bloqueei quando quis dar exemplos de provérbios contraditórios.
Então aqui vai (aos pares para melhor se perceber a contradição):
- Quem tem esperança, sempre alcança.
- Quem espera, desespera.
- A intenção é sempre o mais importante.
- De boas intenções está o inferno cheio.
- Os últimos, serão os primeiros.
- Antes ser o primeiro numa aldeia, que o segundo em Roma.
- A fé é que nos salva.
- Fia-te na Virgem e não corras!
- Manda quem pode, obedece quem deve.
- Um chefe, para ser obedecido, tem que saber mandar.
- As feridas de um amor, saram com outro amor.
- Não há amor como o primeiro.
Se calhar, estávamos aqui 'até vir a mulher da fava rica'.
Note-se que se conhecem os autores de alguns provérbios.
Como anteriormente já referi, o facto de haver entre cada par destes ditados uma certa contradição, não quer dizer que cada um, de persi, não seja verdadeiro. Pois, cada um reflete uma sabedoria popular vista de uma certa perspetiva. O problema é que, como também referi, estamos perante o senso comum e não perante verdades científicas; porque, estas sim, não admitem contradição.
Abraços, hã.
JB
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