Apresentei esta semana, na Rádio Castelo Branco (RACAB), o texto que se segue, na rubrica História ao Minuto. Deixo-o aqui, pois nos trabalhos de edição foi cortada a palavra escudos, tornando ininteligível parte da referência a São Vicente da Beira.
A pneumónica
A humanidade sempre sofreu o flagelo das
epidemias, que alastravam por todo o lado e matavam milhares e milhões, sem que
as pessoas entendessem porquê. A última grande pandemia que ficou bem vincada
na memória das nossas comunidades foi a pneumónica, provocada pelo virus H1N1,
em 1918 e 1919, isto é, no final da I Guerra Mundial.
Em Portugal, houve um primeiro surto em
maio e junho de 1918 e depois extinguiu-se. Mas voltou em força entre agosto e
novembro, um surto altamente mortal, devido às complicações pulmonares a ele
associadas e que lhe deram o nome de gripe pneumónica. Em 1919, ocorreu um
terceiro surto.
Morreram mais de 100 mil pessoas, em
Portugal.
No dia 1 de outubro de 1918, a Direção
Geral de Saúde proibiu as feiras e
romarias em todo o país.
No concelho de Castelo Branco, nos inícios
de outubro, foi criado um hospital provisório na Lousa, para instalar os
doentes epidémicos, e na cidade, a Escola Normal do Castelo foi adaptada a
hospital provisório.
O Governo Civil distribuiu algum dinheiro
pelas instituições de saúde, tendo o hospital a Misericórdia de São Vicente da
Beira recebido 200 escudos, o valor de 250 salários diários de trabalhadores
braçais, que correspondem hoje a 10 mil euros.
Nem o factor psicológico foi descurado,
pois a 18 de outubro o Governador Civil proibiu o toque de finados em todas as
terras do concelho, a fim de evitar que a população ficasse deprimida.
Nota:
Calculei o valor atual dos 200 escudos recebidos pelo nosso hospital da Misericórdia, com base em salários de trabalhadores braçais:
- Em 1918, um homem andou a rachar lenha para o hospital e ganhou $80 por dia. Os 200$00 escudos dariam para pagar 250 ordenados diários.
- Atualmente, um homem ganha 40 euros por dia; 250 ordenados diários de 40 euros totalizam os 10 000 euros referidos.
José Teodoro Prata
Um comentário:
Parece que a proibição de dobrar a finados durante a pneumónica, não foi apenas do Governo Civil de Castelo Branco. Também num dos Contos da Montanha em que Alves Redol conta a aflição de uma mãe que, depois de ter perdido já três filhas, dois netos e o marido, tentava esconder do único filho sobrevivente, a morte da namorada, o pároco da terra decidiu calar os sinos:
«De hoje em diante não há mais dobre a finados. Toda a gente que tem doentes em casa reclama, e com razão. De mais a mais, pelo caminho que isto leva, nem a tocar de manhã à noite se dava vazão…
- Pronto, acabou-se! – respondeu, obediente, o sacristão. – Vão embandeirados como animais, mas lá vão…»
Por aquilo que sabemos, este é um caso em que a ficção não andará longe da realidade, tantas foram as mortes de gente de todas as idades e condições sociais.
Postar um comentário