1. Sociedade curiosa, aquela em que nos criámos: as mulheres arrumadas em dois grupos, para simplificar, senhoras e plebeias – as primeiras (lembram-se?) D. Maria, D. Zara, D. Aldina, e as outras, a Lurdes, a Rosa, a Laura, a Etelvina, etc.; nas mais novas (é uma maneira de dizer) havia as meninas e as raparigas – Menina Maria de Jesus, Menina Nelita, Menina Isaura, Menina Belinha, e as outras, Celestes, Amálias, Joaquinas e um rosário de Marias.
Ainda em modo sociológico, mudando de género, uma amostra equivalente: o Menino Antoninho, o Menino Joãozinho, e os outros, digamos, a malta – o Baião, o Sanotes, algumas dinastias, como os Machanas e os Balaias, o Serralheiro, o Quina, o Coluna, o Aranha, o Estrelado, o Travassos, uma extensa coluna alcunhástica, que reivindicamos na lista do nosso melhor património.
2. Disciplina
recente, todos sabemos, o marketing ensina-se nas universidades e anda por aí
na nossa vida. Um manual da especialidade, que leva o título de Mercator,
coleciona em Portugal 30 anos de sucesso em vendas.
Produtos, mercados, consumidores, comunicação são algumas coisas de que trata; diferenciação é um dos mandamentos do marketing. Do que se trata? Em termos muito simples: se pensarmos num produto, serviço ou empresa, diferenciação é a capacidade de ser percebido, pelos consumidores, como diferente dos concorrentes. Objectivamente, quem se diferencia é mais forte no mercado, tem maior probabilidade de sucesso.
3. Contemporâneos de
Travassos, com ele aprendemos o poder do marketing.
Adolescente, para
o baixo (estatura média-baixa, no padrão local), cabelo liso, para o magro, mas
composto, fato completo com a qualidade possível, calça cingida às pernas
ligeiramente arqueadas, Travassos usava por cima uma gabardine três-quartos branca.
Em S. Vicente não
falhava um baile; num domingo, se não o vissem por ali, estava de certeza na
localidade vizinha onde tivessem deitado foguetes de madrugada. De todo o
rapazio, era um dos de maior sucesso em bailes e bailaricos fora da terra,
noites inteiras de dança, sem notícia de uma “tampa”. Porquê esse registo
invejável?
A memória, que
tantas vezes nos engana, regista que foi o próprio a explicar; se não foi, dá
no mesmo, o que conta é a lição: “Estão a ver isto?”, disse, apontando a
gabardine. “Em qualquer lado, sou o único com uma peça assim, desta cor.”
Registámos, mestre, um caso prático de diferenciação!
Sebastião Baldaque, Março 2021
3 comentários:
Já o António Aleixo dizia: «A rica tem nome fino/ A pobre tem nome grosso/ A rica teve um menino/ A pobre pariu um moço»
Quanto ao sucesso do Travassos, vem confirmar que a sabedoria do povo tem que se lhe diga e muitas vezes faz escola; mas, cá para mim, neste caso não estaria só na cor da gabardina...
Sebastião:
Cedo, muito cedinho, deixaste de te sujar na areia da Praça e de molhar as calças, a caminho de tua casa na encosta do Casal, quando te escapava um pé numa passadoura! Porque, breve, fosta aos latins! Mas vejo que tens memória! Mesmo (ou talvez mais) daquelas "disnastias" dos "Sanotes", dos "Balaias" e, com certeza, dos "Maraus", dos "Maiacas" dos "Chamiços", dos "Parregos", dos "Padre e Músicos" e por aí fora!
Alexandrino Henriques, vulgo Travassos, dos "Matrinos", pernas arqueadas, sim, como o Garrincha, mas que foi ao homónimo do Sporting buscar a alcunha! Talvez graças aos setores circulares que eram as suas pernas, muitos recursos tinha o rapaz! No terreiro da dança, como no terreno de jogo! A comprová-lo, aí estão a falta de "tampas" e a alcunha que granjeou!
Seria ainda meu vizinho no tempo destas memórias, mas não lhe conheci a gabardine de tanto sucesso! Pouca argúcia a minha! Há muitos anos que estará a residir no Porto. E há imenso tempo que não o vejo.
Ele iria gostar de ler esta crónica!
Baldaque: mais destas!
Abraços, hã!
JB.
Por uma unha negra, não vivi os tempos destas memórias do Travassos e companheiros. Mas lembro-me dos Meninos e Meninas, Senhores e Senhoras, eles por um lado e o resto do maralhal por outro. Mas já sem a enorme distância social de outros tempos.
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