Agostinho Miguel
Agostinho
Miguel nasceu em São Vicente da Beira, no dia 11 de setembro de 1893. Era filho
de António Miguel, jornaleiro, e de Francisca Marques, moradores na Rua das
Lajes.
Frequentou a escola primária e fez
a 4.ª classe com o Padre José Antunes que, naqueles tempos, era considerado um
dos melhores professores das redondezas. Diz o filho Albino que «… cá
na terra, naquele tempo, havia muitos ricos que nem a 4º classe tinham, mas o
meu pai, pobre como era, lia e
escrevia tão bem que fazia ver a muitos doutores».
De acordo com a sua Folha de Matrícula, assentou praça no dia 9 de julho de 1914 (esta data pode não estar correta) e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha de Castelo Branco. Na altura tinha a profissão de alfaiate.
Após a conclusão da recruta, foi
destacado para Angola, para onde embarcou a 10 de setembro de 1914. Integrou a
1.ª Expedição que partiu para aquela província ultramarina, a fim de reforçar o
contingente militar que já se encontrava no sul daquele território, ameaçado
pelas tentativas de ocupação alemã. Participou em várias ações, nomeadamente na
que teve lugar no dia 18 de dezembro de 1914 contra as tropas inimigas, fazendo
parte das forças que ocuparam o vau de Calueque. Embarcou de regresso à Metrópole,
no dia 17 de julho de 1915.
Em 9 de abril de 1916 foi promovido a 1.º Cabo e, pouco tempo
depois, destacado para a Província de Moçambique, para onde seguiu em 24 de
junho, integrando a 3.ª Expedição enviada para aquele território. Terá
participado nas operações que tinham como objetivo ultrapassar as margens do
rio Rovuma, para norte, e resgatar alguns postos ocupados pelos alemães.
Felizmente não fez parte do elevado número de baixas em combate ou pelas
inúmeras doenças que vitimaram muitos militares. Regressou a Lisboa, no dia 21
de dezembro de 1917.
Foi promovido a 2.º Sargento,
certamente pelos bons serviços que prestara nas províncias ultramarinas, mas
também por ter frequentado a Escola de Sargentos, onde obteve a classificação
de 8 valores.
Licenciado em 30 de novembro de
1918, passou à reserva ativa em 31 de dezembro de 1918 e à reserva territorial
em 31 de dezembro de 1934.
Condecorações:
·
Medalha comemorativa das campanhas no sul de Angola;
·
Medalha comemorativa das operações em Moçambique;
·
Medalha da Vitória.
O filho Albino diz que ainda se
lembra de ver uma caixa com as medalhas que o pai recebeu; a neta Gabriela
Vitório também conta que se lembra da mãe dizer que, em criança, brincava com
as medalhas e os botões do capote que o pai tinha trazido da guerra. Depois
terão desaparecido.
Agostinho Miguel ainda quis
continuar a vida militar quando regressou das campanhas em África, mas desistiu
para se casar com Margarida Moreira, a namorada de quem gostava muito.
«O meu pai chegou a sargento e tinha
vontade de seguir a carreira militar, mas teve que desistir, porque o
comandante da companhia queria que casasse com a criada dele. Ele, que já
namorava uma rapariga (a mais linda cá da terra), negou-se, e começou a ser mal
visto pelo superior. Com medo, abandonou a tropa e ficou convencido que, por
causa disso, o comandante fez com que não lhe fosse dada a pensão a que tinha
direito. Só começou a recebê-la já muito mais tarde.» (Testemunho do filho Albino
Miguel)
Família:
Agostinho e Margarida casaram no
Posto do Registo Civil da freguesia de São Vicente da Beira, no dia 28 de
fevereiro de 1919, e tiveram oito filhos:
1.
Adelino Miguel, que faleceu com 4 anos de idade;
2.
Rosalina Moreira, que casou com Aurélio Moreira e tiveram 7 filhos
(4 morreram ainda crianças);
3.
Albino Moreira, que casou com Maria da Luz Inácio e tiveram quatro
filhos;
4.
Maria de Jesus Moreira, que casou com Francisco Vitório e tiveram
quatro filhos;
5.
António Miguel, que casou com Maria de Jesus Vitório e tiveram
dois filhos;
6.
Francisco Miguel Cardoso, que casou com Maria do Céu e tiveram 3
filhas;
7.
Adriano Miguel, que casou com Maria da Silva e tiveram três filhos;
8.
Palmira Moreira, que casou com Ernesto Caetano e tiveram dois
filhos.
«Quando o meu pai voltou da guerra começou a trabalhar na Quinta do
Conde, como guarda. Era ele que tomava conta das propriedades que o Conde da
Borralha tinha cá em São Vicente, que por cá era quase tudo dele, fora o que
tinha por outros lados. Passava os dias a andar a pé, desde manhã até à noite,
e só quando tinha que ir para mais longe é que ia a cavalo. Quando ia aos
Escalos de Baixo, buscar o dinheiro da venda do minério da mina do Monte de São
Luís, até levava a espingarda às costas, não fosse algum assaltante atravessar-se-lhe
ao caminho.
À
noite, quando chegava a casa, passava o serão a ensinar os garotos que moravam
ali ao pé de nós. A nossa casa, ao serão, até quase que parecia uma escola. Foi
ele que ensinou o Zé Colmeias, o Chico Calmão, o João Nunes e muitos outros. Também
foi ele que me ensinou a mim a ler e a escrever; a mim e a mais alguns dos meus
irmãos que não andaram na escola. O que sei a ele o devo e só não aprendi mais
porque a minha queda era mais para a música. Desisti de fazer os exames e fui
para a Banda. Andei lá mais de 60 anos!
O
meu pai era bom homem; muito reto, mas um bocado militarista. O que ele dizia é
que era. E à noite dizia logo que quem não estivesse em casa ao tocar das
“Ad’Marias”, já não entrava. De modos que a gente, mal ouvia o sino, ó pernas
para que vos quero, por aquela rua acima! E era muito temente a Deus. Não íamos
para a cama sem rezar o terço e sem lhe pedirmos a bênção. Outros tempos…
Depois
da divisão da Quinta do Conde, foi dispensado e ainda trabalhou alguns anos
para o Coronel Barreiros, mas por fim, como não tinha terras, dedicou-se apenas
a tratar uma horta que trazia à renda e a guardar algumas ovelhas que tinha.
Passados
muitos anos, ainda conseguiram que lhe fosse atribuída a pensão a que tinha
direito pelo tempo em que andou na Guerra. Não seria muito, mas ajudou-o a ter
uma velhice um pouco melhor.» (Testemunho do filho Albino
Miguel)
Agostinho Miguel, a quem toda a
gente chamava Agostinho Sargento, certamente pelo posto a que chegou como
militar, mas também pelo respeito que tinham por ele e pela persistência e
frontalidade com que defendia as suas razões, faleceu no dia 27 de fevereiro de
1981. Tinha 87 anos.
(Pesquisa feita com a colaboração
do filho Albino Moreira e das netas Gabriela Vitório e Filomena Caetano)
Maria Libânia Ferrreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"
À venda, em São Vicente, nos Correios e no Lar; em Castelo Branco, na Biblioteca Municipal.
A Câmara Municipal, que editou a obra, aceitou que o dinheiro da venda dos livros em São Vicente reverta para o Lar da Misericórdia.
Preço: 15 euros