A revista VISÃO, n.º 846, de 21 a 27 de Maio, traz reportagem sobre o nosso Albano Jerónimo. Não o lavrador, já falecido, mas o neto, jovem actor já consagrado.
O autor da notícia escreve, a certa altura:
«Não haverá nada de genético na sua decisão de ser actor. Nem os pais nem os irmãos – dois, mais velhos – estiveram alguma vez ligados à arte de representar.»
Engano, Albano. É mesmo dos genes! Lê a história que se segue e compreenderás.
E explica lá ao jornalista que ser actor e ser tímido são condições indissociáveis. Nós, os tímidos, exprimimos no faz de conta do teatro, do cinema, da escrita, dos blogues, o que os outros extravasam em cada momento do dia a dia.Aqui vai a história:O meu pai António Teodoro, de cognome, o Bravo, era primo direito da tua mãe, Jerónimo da parte da minha avó Maria Rosário Jerónimo, irmã do teu avô Albano Jerónimo.
Nasceu em Castelo Branco e dividiu a infância entre a cidade e S. Vicente da Beira, dependia do trabalho do avô Francisco, um hortelão de mão cheia, com quem aprendi a perfeição.
A escola encontrou-a só aos 14 anos, ainda em construção. Era moço de serventia dos pedreiros que erguiam o liceu de Castelo Branco e, a levar-lhes água e os ponteiros afiados, entre graçolas e ralhetes, vivia contente como um alho!
Mas a patroa da Feiteira deu em bater na tia Celeste, ainda menina, e o avô Francisco não esteve pelos ajustes. Porrada nos filhos, só ele! Mandou vir o carro de bois, enrolou os pertences numa manta e ala para a Vila.
O meu pai tornou-se pastor do tio Joaquim Teodoro que trazia arrendado o Rabaçal, a propriedade mais cimeira do vale da Senhora da Orada, situada ainda mais acima da capela, no caminho para o Fundão.
Em Maio, na calma da serra, tirava a roupa e enfeitava-se de flores dos matos. E vestido de ramos floridos descia as encostas da Gardunha, à hora de meter as cabras na corte.
Anos depois, antes de ir para a tropa, trabalhou nas Minas da Panasqueira. Com algum dinheiro que ganhou, comprou uma concertina. Aprendeu a tocar e animou festas e tascas. Comigo, teve dois desgostos: não era futebolista, nem sabia tocar concertina!
Mas isso foi mais tarde. Antes, casou e encheu-se de filhos. À hora da ceia, o único momento em que estava connosco, sentava os quatro mais pequenos ao colo, dois em cada perna, e vá de inventar histórias para nos encantar, como quando foi atacado por um rebanho de sardões à chegada ao Ribeiro de Dom Bento e valeu-lhe pegar numa varinha e tocá-los com jeito e manha, até os meter todos no palheiro e fechar a porta! Ou as lengalengas tradicionais, como aquela, nossa preferida, mas poucas vezes contada, da garrana dar um berro, que toda a gente atormentou, só uma velhinha ficou, atolhada num chocalho de merda até ao pescoço…
Nesse tempo, vivíamos na Tapada da Dona Úrsula. Na véspera dos Reis, o meu pai garantiu-nos que nesse ano é que os Reis iam mesmo passar pela Tapada. Claro que acreditámos! Ao entardecer, ele desapareceu, talvez tivesse ido a armar um ferro.
E no escuro da quelha, surgiu um vulto encoberto numa manta de trapos, dos lados da casa da minha madrinha. Nós e os meus primos, o João, o Tó e a Santita, ficámos perplexos, num encantamento temeroso. A medo avançámos para o Rei Mago e pedimos um presente. Deu algumas coisas aos da frente e desapareceu na esquina da nossa casa. Um grito da minha irmã Fátima! Duas das prendas eram metades de um livro da carrinha da Gulbenkian.
Houve ralhos e choros, mas o senhor Gulbenkian foi compreensivo.
Foi a única vez em que me apareceram os Reis Magos!
Depois, chegou a minha vez. Desde os 14 anos que faço ou oriento teatro. Coisas simples. Primeiro como actor, no Seminário do Tortosendo, depois como encenador, em S. Vicente e nas escolas por onde fui passando. No ano passado, a minha escola levou à cena, no Cine Teatro Avenida de Castelo Branco, uma peça da minha autoria.
Uma sobrinha minha, a Rita Costa, seguiu também as artes do faz de conta. Hoje, a minha filha Filipa sentirá pela primeira vez a magia de estar em palco, na festa da sua escola.
E isto será apenas a ponta do icebergue dos Jerónimos. Quantos mais não terão muitas outras histórias para contar?
Fiquei feliz por proibires a entrada a quem não andar espantado de existir. Há tantos anos que não encontrava alguém que vibrasse com as “Aventuras de João Sem Medo”! Um abraço. Merecido, por seres Jerónimo e por conheceres este livro do José Gomes Ferreira.Fotos da revista VISÃO.