Os
sinos do mosteiro de Santa Cruz dobram, dentro do templo encontra-se uma urna que
contém o cadáver do rei Sancho I de Portugal, colocada em cima de uma essa
ricamente ornada, ladeada por seis tocheiros, três de cada lado.
Frades agostinianos com seus hábitos negros
cantam em cantochão salmos fúnebres, imploram ao Senhor o perdão dos seus
pecados e receba sua alma na morada eterna do Céu
O largo fronteiro ao mosteiro está apinhado
de gente que reza e chora a morte do bom rei. Sofria de uma doença terrível que
grassava em Portugal e em toda a Europa, a lepra.
Não
poupava ninguém, pobre ou rico.
D. Sancho I morreu desse terrível mal, a
igreja considerava castigo de Deus.
Findas as exéquias fúnebres, o cadáver foi
colocada num mausoléu, perto do túmulo de seu pai D. Afonso Henriques.
Tinha 56 anos quando naquele dia 26 de Março
do ano 1211 entregou a alma ao Criador.
A vida quotidiana decorria com normalidade em
Sanctus Vincencii; os servos trabalhavam para os senhores, donos das melhores
terras, alguns tinham que fazer corveio, que consistia em trabalhar
gratuitamente um ou dois dias da semana para o senhor dono da terra, os que
moravam nas Vinhas, na Fonte da Portela, eram livres de qualquer encargo
perante o senhor feudal, dai haver alguns renitentes…
Alguns dias após a morte do rei, um arauto
entrou em Sanctus Vincencci, contactou os Homens Bons, estes, imediatamente mandaram
tocar o sino da igreja.
Mensageiro anunciou a todos os moradores o
trágico desfecho.
O
povo chorou amargamente a morte de D. Sancho, prior rezou ofícios divinos pela
alma de sua majestade.
Rei morto, rei posto; D. Afonso II seu filho,
sucedeu-lhe no trono.
D. Sancho nasceu no dia 11 de Novembro do ano
1154, ”dia de São Martinho”; por esse motivo deram-lhe o nome Martinho.
Henrique, seu irmão, “morreu criança”; por
morte deste, o herdeiro da coroa passou a ser Martinho. Os nobres achavam que
este nome não era o mais apropriado, passou a chamar-se Sancho Afonso.
Casou D. Sancho I com Dª Dulce de Aragão no
ano 1174 de quem teve dez filhos: D. Afonso; D. Pedro; D. Fernando; D.
Henrique; D. Raimundo; D.ª Berengária, que foi rainha da Dinamarca; D.ª Branca
e as beatas Teresa; Mafalda e Sancha.
Para além dos filhos legítimos D. Sancho teve
alguns filhos naturais: D. Martim Sanches e D.ª Urraca Sanches; filhos de D.ª
Maria Aires de Fornelos.
De D.ª Maria Pais Ribeira teve seis filhos: D.
Rodrigo; D. Gil; D. Nuno; D. Maior; D.ª Constança; D.ª Teresa.
O campo, nomeadamente as Vinhas, Fonte da
Portela, eram lugares onde ainda moravam muitas pessoas; certo dia, ouvem-se
gritos aflitivos, vinham do lado da Oles.
Fujam… vêm aí os sarracenos; matam e queimam
tudo por onde passam!
Pedro Afonso homem possante, valente,
imediatamente reúne malados, peões, cavaleiros vilãos…armados de chuços, vão ao
encontro dos sarracenos; estes vendo que não conseguiam vencer os habitantes
das Vinhas e Fonte da Portela fugiram em direcção à campina dilatada de Vila
Franca da Cardosa.
D. Afonso I já tinha atribuído nome à nova povoação
que se encontrava mais acima no sopé da serra, as brenhas, os ursos e outros
animais por onde passavam devastavam… eram como o inimigo quando fazia algum
fossado.
Os moradores aos poucos foram deixando o
campo, apesar de as terras serem mais fáceis de arrotear, as formigas e a falta
de água, obrigava-os a deixarem suas cabanas.
Os vizinhos, à medida que iam chegando a
Sactus Vincencii, eram logo ajudados pelos que já lá moravam, todos juntos
levantavam paredes e nascia mais uma casa; as mulheres pariam, o povo rezava na
pequena igreja, até que um dia o rei D. Sancho querendo povoar o interior do
reino convidou gente da Flandres, da Borgonha… a viverem em Portugal.
Sanctus Vincencii, já era uma terra
importante, o rei sempre preocupado com a governança, defendendo o comércio e
fomentando a criação de riqueza atribui forais a muitas terras das beiras.
Covilhã, 1186; Viseu, 1187; São Vicente 1195;
Guarda 1199…
D. Sancho I não se preocupou somente com a
criação de concelhos atribuindo forais, também era meticuloso na administração
dos dinheiros públicos, deixou muitos morabitinos nas arcas.
Naquele dia pelas ruas da vila ouviam-se
pandeiros, guizos, castanholas; eram dois jograis que anunciavam um folguedo no
terreiro, vinham acompanhados por uma amásia e uma soldadeira.
Saltério, viola de arco e outros instrumentos
eram tocados pelos jograis, o povo acorreu em massa, as mulheres dançavam
enquanto uma tocava o pandeiro e a outra, castanholas...
O largo estava todo iluminado com archotes e
banhado pela lua cheia; compareceram todos os moradores, que assistiram ao
espectáculo com alegria.
A do mui bom parecer
mandou lo adufe tanger
louçana, d`amores moir`eu
A hora ia adiantada, mas ainda houve tempo
para ouvirem um jogral declamar uma trova da autoria do rei D. Sancho I; foi um
grande protector de trovadores e jograis.
Vamos
lá então:
Ai eu, coitada, como vivo em gram cuidado
Por meu amigo, que hei alongado!
Muito me tarda
O meu amigo na Guarda!
Ai eu, coitada, como vivo em gram desejo
Por meu amigo, que tarda e nem vejo!
Muito me tarda!
O meu amigo na Guarda!
Quando
os jograis deram por terminada a função, todos foram para a deita satisfeitos.
Em nome da Santa e indivisa Trindade, Pai,
Filho; Espírito Santo, ámen. Eu, rei Afonso, filho do rei Sancho, juntamente
com minha mãe rainha Dulce, e ao mesmo tempo com G. Martins, prior de São Jorge
e todo o seu convento e com frei João de Albergaria de Poiares, queremos
restaurar e povoar o lugar de São Vicente, damos e concedemos o foro e costumes
da cidade de Évora a todos, tanto presentes como futuros que lá quiserem
habitar…
(…) Se alguém quiser rasgar este facto nosso
seja amaldiçoado de Deus.
Concedemos
a todo o cristão, embora servo, desde que habite durante um ano em São Vicente,
seja livre e ingénuo, ele e toda a sua progénie…
Resumindo: uma vila do tempo da fundação de
Portugal, e nunca houve ninguém que tenha atribuído o nome de uma rua, largo ou
praça ao rei Sancho I ou erguer-lhe um busto. Nunca é tarde para corrigir…
Fiquem
bem!
Notas:
Essa: Estrado onde se coloca o caixão com o cadáver durante as
cerimónias fúnebres
Cantochão: Canto da igreja católica, canto gregoriano
Malado: Pessoa sujeita a encargos e serviços dos senhores feudais
Peão: Soldado de Infantaria; plebeu
Jogral: Músico
Amásia: Amante
Soldadeira: Mulher que serve por soldada, criada
Saltério: Instrumento musical de cordas
Louçana: Louçã
Pesquisa:
História de Portugal,
Fortunato de Almeida, Promoclube
Fotografia D. Sancho I,
História de Portugal, Fortunato de Almeida, Promoclube
História da Literatura
Portuguesa Ilustrada, Albino Forjaz de Sampaio, Livrarias Aillaud e Bertrand
Cantiga de amigo, (Ai eu,
coitada…) História da Literatura Portuguesa Ilustrada, D. Carolina Michaelis de
Vasconcelos