Finda a ceia, sai-se para o negro enregelado da noite, ao encontro dos que também querem desejar um bom ano novo aos vizinhos da terra.
Cada um leva o que tem: uma pandeireta, um realejo ou tão só a voz, que é quanto basta.
Gorra ou boné para os homens, e o casaco mais quente, com a gola levantada. As mulheres embrulham-se nos casacos, meias grossas nas pernas e xailes pelas cabeças.
Acertam as quadras, combinam quem começa e avança-se.
Antes de cada porta, adapta-se a letra às pessoas que ali moram. Se forem muitas, improvisam-se mais umas estrofes. E começam:
Glória a Deus dizem os Anjos
Todos cheios de alegria
Já nasceu o Deus Menino
Filha da Virgem Maria
Este é o refrão, que depois se repete no fim de cada quadra. Primeiro, recorda-se o Natal ainda fresco, também ele a anunciar um tempo novo:
S. José se levantou
Uma vela se acendeu
P´ra adorar o Deus Menino
Que à meia-noite nasceu
Depois, saúdam-se os da casa:
De quem é aquele chapéu
Que além está dependurado?
Ai é do senhor …
Que é um homem muito honrado
De quem é aquele anel
Que além está a reluzir?
Ai é da senhora …
Que para o céu vai a subir
De quem é aquela tesoura
Que está naquela cadeira?
Ai é da menina …
Que é uma grande costureira
Menina …
Meu raminho de salsa crua
Quando sai da sua casa
Alumia toda a rua
Viva lá menina …
Meu raminho de oliveira
Ainda anda neste mundo
Já no céu tem a cadeira
São estas ou outras quadras, ao gosto dos cantores. Família lisonjeada, é hora de pedir a paga:
Levante-se senhora …
Desse banco de cortiça
Venha-nos dar as Janeiras
Uma morcela ou uma chouriça
Levante-se senhor …
Desse banco de prata
Venha-nos dar as Janeiras
Que está um frio que mata
Esta em desespero, pois as caras já avermelham, queimadas do frio, e os pingos quase gelam nos narizes. Em desespero, para apressar quem de dentro não se decide.
Abre-se finalmente a porta e convidam-se os cantores a entrar. A dona da casa passa um prato de filhoses pelo grupo, enquanto espreita uma chouriça que esguicha nas brasas do lume. O homem, armado de garrafão e copos, roda pelos homens, a molhar-lhes a garganta. Um chazinho quente também ajuda quem vai voltar para a noite invernal.
Então agradece-se:
Esta casa está caiada
Do telhado até ao chão (Do cimo até ao chão)
Aos senhores que nela moram (...que aqui moram)
Deus lhes dê (deia) a salvação
Despedida, despedida
Despedida vamos dar
Deus queira que para o ano
Cá tornemos a voltar
Alguém não abre a porta. Não tem o que dar, comida, bebida ou amizade. Os cantores pagam-lhes na mesma moeda:
Trinca martelos
E torna a trincar
Este barbas de chibo (...de farelos)
Não tem nada p´ra nos dar
Eram assim as Janeiras, em S. Vicente da Beira. Nos meados do século passado, por vezes, alguns músicos da Banda Filarmónica juntavam-se aos cantores e elevavam o nível artístico.
Não tenho recordações das Janeiras. Nem na Tapada da minha infância, nem no Seminário da minha adolescência elas se cantavam.
Esta recolha foi realizada por Maria Isabel dos Santos Teodoro, junto de pessoas da nossa terra que costumavam cantar as Janeiras.
Com estas e muitas outras tradições, fez um trabalho escolar manuscrito. Corria o ano de 1985 e frequentava a Escola Secundária de Alcains.